CANTINHO DE ROXINHA, O MELHOR ABARÁ DE SALVADOR

 Numa portinhola do prédio da Pastelaria Avenida, no lado que dá para o Largo de Santana, ficava a casa comercial de Maria Firmina, mais conhecida por Roxinha, a baiana que fazia o melhor abará de Salvador, um verdadeiro manjar dos deuses. Seus acarajés, cocadas e bolinhos de estudante, popularmente chamados de punhetas, também eram primorosos e bastante disputados pela clientela.

Em que pese as reduzidas dimensões do local, havia uma pequena mesa com dois bancos disponíveis para algumas pessoas especiais, às quais ela permitia que se sentassem e bebessem. Dorival Caymmi foi um desses fregueses privilegiados, e com alguma frequência podia ser visto por lá. Enquanto tomava uma cerveja bem gelada, ele devorava em média seis acarajés. E não era para menos, tal a qualidade do produto. Também famoso e muito apreciado era o molho de pimenta, cuja fórmula Roxinha dizia ser segredo profissional, informando apenas que tinha aprendido com a sua avó africana.

Ela nutria uma verdadeira obsessão pela higiene. Todos os dias, forrava o chão com folhas de jornal, para mantê-lo sempre bem limpo. E ai daquele que entrasse com os sapatos enlameados, jogasse cinzas de cigarro ou qualquer outro componente “sujante”. Fosse quem fosse, era severamente repreendido. Não permitia também que desocupados ou bêbados fizessem parada nem mesmo na calçada defronte, para não desabonar o bom nome do seu pequenino ponto comercial.

Era acatada por todos, por respeito ou por medo dos esbregues. Magra, baixa, tagarela e muito ativa, assim era Roxinha, que escolhia a dedo os seus fregueses. Quando não gostava de alguém, o tratamento era pouco gentil: ostensivamente fechava a cara e não lhe dirigia a palavra. Quando o sujeito não entendia, ou se fazia de desentendido, não fazia cerimônia em pedir que o mesmo fizesse o favor de não mais voltar a frequentar o estabelecimento. Os que caíam na sua simpatia, recebiam manifestações carinhosas e o abará era servido em pratinhos esmaltados, com garfo e faca. Todavia, por trás da dureza e da “carranquice”, estava escondida a figura de uma pessoa bondosa. No fundo, apenas tinha medo de perder a clientela das pessoas importantes. Defendia com unhas e dentes a preservação desta freguesia fiel, certa de todos os dias. Por isso, em hipótese alguma, não abria mão do respeito e da disciplina, chegando uma vez a me dizer: "Filho, para ter o conceito que hoje tenho, dei duro durante muitos e muitos anos! E não vai ser qualquer moleque, que vai avacalhar com isto aqui".

Por Ubaldo Marques Porto Filho


Texto e fotos retirados do livro “Rio Vermelho” (1991).

Na verdade, não tinha ganância em vender muito e um dia presenciei um fato bem marcante da sua conduta comercial. Repentinamente vi Roxinha esconder a tijelinha contendo o seu famoso molho de pimenta para, segundos após, aparecer o Nelson Jacaré que, depois de uma olhadela no tabuleiro, perguntou: "Roxa! Cadê a pimenta?". "Acabou", respondeu secamente. "Ia comer um abará, mas sem pimenta não dá", resmungou e foi embora. Roxinha recolocou então a tijela no seu devido lugar e fez o seguinte comentário: "Escondi porque toda vez que este moço entra aqui come dois ou três abarás, mas, acaba com a minha pimenta. Prefiro não vender a este sabiá, para não deixar os outros fregueses em falta". Para quem não sabe, sabiá é um pássaro que causa a maior devastação quando dá numa pimenteira!

Por Ubaldo Marques Porto Filho

Texto e fotos retirados do livro “Rio Vermelho” (1991).


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