Tabuleiro da Bahiana Cartografia: Da economia à comesalidade.
Tabuleiro da Bahiana
Cartografia do Tabuleiro: Da economia
à comensalidade.
Analisamos o simbolismo do Tabuleiro, desde seu aspecto
socioeconômico, à ser referência gastronômica.
A ideia da nossa conversa é observar aspectos que identifiquem
o simbolismo do Tabuleiro e para isso estabelecemos três eixos:
O tabuleiro como
símbolo da economia popular, como símbolo indenitário, e como espaço de
comunicação da nossa diversidade culinária.
O Tabuleiro da Baiana sempre foi uma parabólica, direcionada
entre a tradição e a modernidade, sem perder o foco no local.
Poucas gastronômicas se construíram de forma tão
cosmopolita, completa e atemporal, sem modéstia, podemos afirmar que nasceu
moderna como sua gente, que tem a alegria, como estado de espírito.
A culinária baiana, soube compreender a sacralidade do ato
de comer, e não se nega ao cultivo dos seus ritos, e o tabuleiro assume a
representação e este simbolismo da negociação, do prazer, dos conflitos, perdas
e ganhos cotidianos.
A palavra "Tabuleiro" vem do Latim
"tabularium" era uma espécie de bandeja sobre a qual se colocavam à
venda doces e outras comilanças, um derivado de tabula, “tábua, mesa”, da
semelhança de forma é que se fixou o nome.
"Tabularium" era também o principal repositório de
registros da Roma Antiga.
Importante analisarmos à relação entre a mesa Afro-baiana,
sob a perspectiva da escolha dos alimentos ditos "sagrados", a arte
de receber, e o "tabuleiro" como espaço de registro alimentar, bem
como, lugar simbólico de trocas, da oferta e da dispensa, em suma da
"economia" solidária negra.
As caixas faziam parte da economia popular, onde grupos
reuniam suas poupanças, onde através de cotas mensais ou semanais, eram sacadas
de acordo com prévio sorteio.
Está prática popular se mantém até nossos
dias, e foi dela que se gerou uma estrutura muito maior, a Caixa
Econômica.
"As culturas sobrevivem enquanto se mantiverem produtivas,
enquanto forem sujeitas de mudanças e elas próprias dialogarem e se relacionarem
com outras culturas.
As línguas e as culturas fazem como as criaturas: trocam genes, e
inventam simbioses, como resposta aos desafios do tempo e do ambiente."
(Mia Couto 2011)
As histórias de vida das baianas de acarajé foram
fundamentais para o processo de compreensão da relação da baiana com o alimento
votivo, e o reconhecimento de sua ancestralidade, para certas baianas o início
no ofício está associado a um marco, como por exemplo, a entrada no candomblé
ou a saída de sua mãe do tabuleiro.
O tabuleiro da baiana devem ser analisados como um símbolo da identidade baiana que contribuiu para a construção do Brasil, no processo de reconhecimento deste Ofício o mesmo recebeu, em 2004, o título de Patrimônio Cultural do Brasil, marcando um legado dessa culinária para a História do Brasil, os tabuleiros são também mediadores e constituidores da vida social, não existindo separadamente dos sujeito.
O Registro é prova da significância da ancestralidade
africana na comida brasileira, especificamente relacionada a identidade da
baiana.
“Os africanos são grupos humanos que historicamente se
destacam pela arte de mercar."
Antes do contato com os portugueses eles já faziam trocas com a China, a Indonésia, e entre as civilizações do próprio continente africano. Os senhores de escravos, logo perceberam essa habilidade, e assim, nos contextos urbanos, alguns escravos vão as ruas vender todo tipo de mercadoria produzida nas fazendas, são os escravos de ganho.
A prática de comercio ambulante de alimentos já era
realizada na costa ocidental da África como forma de autonomia das mulheres em
relação aos homens isto, frequentemente, dava-lhes a função de provedoras da
casa.
No período colonial no Brasil a venda pública, incluindo a
de comida, realizada por escravos para seus senhores, ou simplesmente feita por
libertas, possibilitava um contato maior entre escravos no ambiente urbano, e
ainda segundo o Dossiê, isto contribuiu para o cumprimento dos ciclos de
festas-obrigações do candomblé, e muitas vezes, para a criação de irmandades
religiosas (BRASIL, 2007, p. 15).
Segundo Cecília Moreira Soares (1996) as ruas da cidade de
Salvador, no século XIX, caracterizavam-se pela relação de ganho tendo o papel
fundamental a mulher negra em diversas condições: escravas, livres ou libertas
que trabalhavam muito para proverem o sustento da sua prole.
O papel desempenhado por negras vendedoras de quitutes, o
surgimento do acarajé na África e sua chegada à Bahia, destaca o aspecto
religioso dessa comida.
Ao chegar a cada Terreiro, este será recebido
ritualisticamente onde serão entoadas orações e rezas à Ọbalùàiyé e Nàná.
Durante este ritual, será depositado aos pés do tabuleiro, senão aos próprios
pés de Ọbalùàiyé grãos e uma quantia em dinheiro que serão de uso exclusivo nas
despesas do Olùbàjẹ.
Cada membro do Terreiro receberá uma porção de gbùgbùrù
(pipoca) e desta saberá como proceder.
Quando da Cerimônia do Olùbàjé este “tabuleiro” será
apresentado no salão, carregado por Ọya, onde será distribuído uma porção de
gbùgbùrù e muitos que recebem o milho, em gratidão acabam por depositar algumas
quantias em dinheiro sobre os grãos. Em algumas linhagens o ṣagbejẹ sai antes
da “mesa” e em outras depois da “mesa”.
Um TABULEIRO antigo de COCADA trazia amendoim cozido com
casca na água e sal, amendoim torrado sem casca em frigideira cheia de areia,
amendoim coberto com açúcar branco, flor-da-noite (pipoca), fubá de milho
torrado, adoçado com açúcar, milho debulhado e bem cozido embrulhado com
pedaços de coco em folhas, amoda, queijadinha, cocadas de vários tipos, melado
com coco, batata-doce cozida, beijo de estudante, bolinho de tapioca de grelha,
alféloa etc
A Amoda, hoje gulodice rara, é feita com rapadura-puxa,
gengibre ralado e farinha de guerra.
O termo ralado entenda-se como triturado entre duas pedras
próprias.
As negras vendiam estas amodas, em pequenos discos feitos
com a casca do coco seco primorosamente serrados e lixados.
As QUEIJADINHAS, que ainda hoje resistem e nada levam de
queijo para justificar o nome pomposo, são feitas com leite de coco ou água,
açúcar ou rapadura e amendoim, ou então água, açúcar, coco ralado ou lascas
miúdas de coco.
Em outros estados são chamadas de pé de moleque, porém PÉ DE
MOLEQUE na Capital é uma espécie de beiju de farinha grossa, muito popular nas
feiras do litoral e em algumas do sertão.
O AMENDOIM COBERTO antigo era confeitado com açúcar
alvíssimo com o auxílio de uma vassourinha de piaçava.
O moderno é de açúcar escuro e feito na máquina.
Por isto mesmo menos gostoso.
A ALFÉLOA era apresentada em forma de cones e canudinhos.
O BOLINHO DE TAPIOCA assado nas brasas passou do tabuleiro
para a quitanda até sumir.
O chamado tabuleiro da cocada agora é paupérrimo – cocadas,
queijadinhas, amendoim torrado e cozido, batata-doce cozida, beijo de estudante
(bolo d e tapioca frito na gordura e passado em canela e açúcar).
Nas casas de família, porém, a não ser nas de hábitos para
mais, o cuscuz raramente é feito.
A causa é o vício de comer pão.
Fora das regiões de coqueiros, o cuscuz é feito sem coco,
com milho verde, temperado com amendoim e servido quente em talhadas
amanteigadas.
Muitos preferem este cuscuz sem o amendoim.
Hoje o tabuleiro de coisas para tomar com café rareia.
Mesmo assim ainda encontramos para comprar, com relativa
facilidade, cuscuz de milho, de carimã, de tapioca, de flor de arroz, de arroz
pisado, mungunzá de partir (lelê e adobró), beijus de toda espécie, pamonhas de
carimã e milho, canjicas, bolos de milho e de carimã.
O cuscuz de tapioca, inhame ou d e aipim é atualmente quase
que uma curiosidade histórica.
Coisas que o baiano adota também para o café, mas que não
aparece nos tabuleiros com frequência, embora abundem em casas de família:
banana a frita servida com canela e açúcar, banana-da terra cozida, “fatias de
parida” (rabanada ao leite), aipim cozido, inhame cozido, fruta-pão cozida e
amassada etc .
O TABULEIRO DE COMIDAS passou à história com o nome de
MAMÃE-BOTE e trazia panelões de mocotó, feijoada, sarapatel, vatapá, moqueca,
feijão-de-leite, caruru, rabada etc.
Este tabuleiro vem resistindo apesar de ter perdido a denominação.
Os sarapatéis e vatapá são encontrados aos sábados das
feiras e c casas de pasto infalivelmente.
O TABULEIRO DO ACARAJÉ e abará tem hoje a presença
indefectível da "passarinha" assada vendida com molho de vinagre
(pimentão, cebola, tomate, salsa, coentro, azeite doce e vinagre) e do
caranguejo cozido largamente procurado como tira-gosto.
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