O TABULEIRO DA MESTIÇAGEM: A FORMAÇÃO DA COMIDA BAIANA

“No século XVII, em 1631, como indica documentos das posturas do Arquivo Municipal de Salvador, as ‘pretas’ já eram obrigadas a ter licença para poder vender na rua, em pouco tempo após a fundação da cidade” (MARTINI, 2007, p. 13). 



Cascudo afirma que já havia escravas jovens vendendo “peixes à noite, já em 1584, certamente fritos e polvilhados de farinha” (CASCUDO, 2004, p. 599). 
E a descrição da rua de Salvador no século XIX destaca esta permanência. 
A rua era também lugar de comer e beber. 
Desde as primeiras horas da manhã, negras “ganhadeiras” começavam a preparar canjica, mingau de tapioca, acaçás bem quentes de farinha de arroz e de milho, arroz com carne-seca, inhame cozido etc. 
Ambulantes, por sua vez, ocupavam todo e qualquer espaço livre para oferecer frutas, peixes fritos e guloseimas (MATTOSO, 1992, p. 437).

Em outro trabalho, Gilberto Freyre menciona que o grupo de quituteiras negras constitui propriamente uma maçonaria, que mantém em sigilo as melhores receitas dos quitutes verdadeiramente brasileiros, decorrendo daí que é preciso sensibilizá-las para a popularização do saber, para que este não se perca – é um conhecimento de patrimônio cultural do Brasil (FREYRE, 1967). 
Mas também de sua importância no contexto baiano. 
Particularmente, as elites também a consumiam, ainda que a portas fechadas.
Mas, independentemente de quem a consumia, este era considerado degradante. 

Câmara Cascudo explicita a situação a partir da crítica de um padre recifense, preocupado com a indiferença da população pernambucana “em comer bobó, vatapá, abrazou, aberém, acarajé, acassá e caruru, acepipes africanos, do que gozar das delícias de uma mesa italiana” (GAMAS, 1838 apud (CASCUDO,2004). 

A hierarquia está claramente estabelecida entre a comida europeia e a posição inferior da comida africana – comer a comida de escravos era se rebaixar a seu nível, como uma incorporação.

A antiguidade do consumo do azeite de dendê também pode ser observada nesse século. 
No intercâmbio do comércio baiano com terras africanas, era adquirido o azeite de dendê, caracterizando o seu consumo frequente à época.
Da década de 1950, a cozinha baiana – seu folclore, suas receitas, da folclorista Hildegardes Vianna, visa registrar algumas tradições alimentares baianas, uma vez que a autora identifica um processo de esquecimento dos detalhes do saber fazer. 

É assim que a publicação trata da caracterização dos utensílios utilizados na feitura dos pratos que considera típicos, as superstições envolvendo os alimentos e as técnicas empreendidas, bem como a organização dos móveis e ferramentas de uma cozinha baiana, além de conter receitas. 

A autora explica que a composição do livro se justifica em garantir uma fonte segura das técnicas e receitas, em um momento de “charlatanismo culinário”. 
Uma situação decorrente de vários fatores.
Gente que nunca viu uma cozinha ou mal aprendeu a mexer um mingau arvora-se a fornecer receitas. 
Por outro lado, as quituteiras, com uma inexplicável má vontade, morrem levando consigo o porquê. 
Outras, com um regionalismo de fachada, deturpam impiedosamente tudo que lhes vem às mãos. 
As chamadas comidas de candomblé chegam até os lares deformadas e é neste falso aspecto que são apresentadas nas barracas e frege-moscas aos visitantes (VIANNA, 1955, p. 98)

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