Gastronomia abre portas para refugiados em São Paulo

“Quero me tornar uma boleira de mão cheia. É assim que se fala por aqui, né ?! De mão cheia ”, declara Daniella Torres, de 29 anos. Venezuelana, está em São Paulo desde 2019, depois de uma temporada de três anos e meio no Equador, onde começou sua jornada em busca por melhores condições de vida. Quando chegou por aqui, sem sequer saber falar português, foi acolhida na casa da mãe de seu namorado, brasileiro que conheceu na Venezuela. Desse lar partiu todo o apoio emocional e financeiro para que ela investisse em uma nova carreira, a de confeiteira profissional.

Assim como Daniella, desde 2015 cerca de 260 mil venezuelanos considerados ao Brasil em razão do agravamento da crise econômica e social do seu país, segundo dados da ONG Estou Refugiado . De olho nessa questão, a Migraflix, outra organização sem fins lucrativos, que investe na capacitação de refugiados e imigrantes em situação de vulnerabilidade, passou a dar destaque nos projetos com imigrantes da Venezuela. “Promovemos o empreendedorismo cultural e a maioria das nossas ações têm um viés gastronômico. A comida conecta pessoas. Nosso principal objetivo é empoderar refugiados - por meio da geração de renda e da recolocação no mercado de trabalho formal - que decidir compartilhar aspectos de sua cultura com os brasileiros ”, conta o fundador e CEO Jonathan Berezovsky. Segundo ele, desde 2015 a Migraflix já impactou mais de mil refugiados, de 30 nacionalidades diferentes.

Antes de esbarrar com o anúncio de um curso grátis de bolos caseiros no Facebook, Daniella se virava como podia. Foi cuidadora de idosos, estudou em padaria e, por último, numa fábrica de estampar chinelos. “Logo Mas fui demitida no começo da pandemia”, conta.

Os primeiros bolos que fizeram foram distribuídos à vizinhança - e fez sucesso. Daniella se animou, ingressou no curso de confeitaria profissionalizante e passou a estudar a história (ela é historiadora por formação) e os ingredientes típicos das receitas brasileiras. Se encantou tanto um ponto de colocar uma foto de um bolo de rolo (ou pernambucano, só que feito por ela própria) no seu perfil do WhatsApp. Entre os bolos que faz sob encomenda (via Instagram, pelo @bolosdetentacao_ ), reinam brasilidades como fubá com goiabinha, formigueiro, milho cremoso,doce de leite com ameixa.

Típico da Venezuela, só o bolo tres leches, que Daniella custou para adaptar a receita por não encontrar um desses leites, o evaporada, a um preço razoável aqui no Brasil. Como o nome dá pistas, trata-se de um leite reduzido, cuja água foi parcialmente removida (cerca de 60%) por meio da evaporação. A textura é um pouco mais fluida que a do leite condensado - e sem o açúcar, claro. “Fervo o leite de caixinha por 30 minutos em fogo baixo, coo e fervo novamente. Depois, bato no liquidificador para atingir a textura com os ingredientes demais da calda. “Tento reproduzir o sabor das três leches da minha mãe, o que comi a minha infância toda”, explica.

Além das receitas e técnicas de confeitaria, Daniella também precisou aprender sobre administração de empresas, vendas, marketing digital… Para isso, contou com a ajuda da Migraflix. O próximo passo, que será dado assim que a pandemia der uma trégua, é abrir uma confeitaria junto de um sócio-investidor, que já existe.

Tempero africano. Jessica Ruth Ebaku, de 40 anos, é de Uganda . Em 2009, pediu refúgio ao Brasil para se ver livre de um caso de violência doméstica e, por aqui, raízes fincadas. “Cheguei sozinha, sem conhecer ninguém, sem falar a língua”, relembra. Por muitos anos, tirou seu sustento como auxiliar de limpeza, além de trabalhar como cabeleireira - Jessica é craque em tranças afro - sempre que pintava uma cliente. Coisa que faz até hoje, no salão de conhecidos e em visitas a domicílio.

Sua história profissional na cozinha começou depois de conhecer o Migraflix, quando passou a preparar e vender os pratos de seu país em feirinhas gastronômicas. A pandemia, porém, obrigou Jessica a guardar as panelas - mal sabia ela que seria por pouco tempo. “Passei a levar marmitas no salão quando ia fazer um cabelo e as pessoas acabavam perguntando o que era aquele prato”, conta.

Como sambosas, pastéis típicos em formato triangular, com recheios diversos, eram os que chamavam mais a atenção. “As pessoas padronizadas a pedir sob encomenda, uma foi indicada para a outra e assim formei minha clientela”, conta. No cardápio, divulgado via WhatsApp (99261-9768) , também aparece o chapati , massinha que lembra a de panqueca ou crepe, um pouco mais densa, boa para chuchar em caldos ou para fazer rolinhos recheados, e o pilao de arroz com carne e legumes .

Jessica tira os domingos para preparar as encomendas, mas sempre com sobra para atender a quem pede de última hora - mesmo assim, convém pedir com antecedência. “Agora vou montar meu Instagram ( @ jkventuras2018 ) com as fotos novas que recebi do Migraflix. Quem quiser também pode pedir por lá também. ”

O bar do palestino-brasileiro Hasan Zarif faz sucesso pela comida, pelos drinques, pela programação musical (pausada em tempos de covid-19) e pelo trabalho que faz com refugiados (todos contratados com carteira assinada). Pratos clássicos com falafel, shawarma, kafta e o trio de massas (coalhada, homus, babaganuche) brilham no local. Com a crise causada pela pandemia, a casa tem feito o que pode para sobreviver e está com campanha para doações aberta no Instagram (@aljaniah_oficial): “Sem a sua ajuda, fecharemos ainda esse mês”. R. Rui Barbosa, 269, Bela Vista, 98139-0419.

Congolinária

Refugiado from 2010, Pitchou Luambo oferece, no andar de cima do Fatiado Discos, na zona oeste de São Paulo, pratos veganos típicos do Congo. Destaque para arroz pilao, refogado com leguminosas e cozido em suco de gengibre e especiarias, e para o mbuzi, com fufu de farinha de milho ou arroz, banana da terra frita e couve na mwamba. Av. Prof. Alfonso Bovero, 382, ​​Sumaré, 94376-2912.

Pronuncia-se “biúz” e trata-se de um restaurante camaronês do centro de São Paulo. A cozinha fica sob a batuta do chef Melanito Biyouha, que expede pratos como o bicoye - com frango, quiabo, tomate, cebola e fufu - e o madessi, com carne refogada, feijão branco e azeite de dendê e arroz. Al. Barão de Limeira, 19, Campo Elísios, 3221-6806.

Fonte:Estadão 





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