Imagem e autonomia na culinária

O que representa o alimento para cada um de nós? A mesa, as receitas de família, a agricultura familiar, o que querem dizer?


Para que, e para quem cozinhamos, podemos realmente afirmar que nossa culinária representa a essência, e as singularidades de nossa gente, ou mesmo, enquanto símbolo nacional? 
Seguindo no universo da Culinária, vamos pensar no ato criativo, e como a "institucionalização" proposta pela padronização do modelo "gastronomia" reprime e castra nossos fluxos criativos, eliminando a intuição e a sensorialidade do processo.

Autonomia é acolhimento, o sabor de partilhar algo que possa contribuir com o desenvolvimento interpessoal, que se permite à falhas naturais ao processo de aprendizagem, digo mais, a quem se propõe uma educação libertária, sem que seja possível ouvir ou outro?

É fundamental desenvolver uma ética horizontal, se quer ver florescer um apurado senso criativo.
Repetimos incansavelmente termos como "gastronomia brasileira" como se este fosse um modelo acabado, conformado, que não estivesse em processo de mutação constante.

Estamos num eterno diálogo entre construção e reconstrução do imaginário, de atualizações constantes, de referências líquidos, que nos atropelam, ou seja: 
Não é Mandioca, nosso referencial culinário, e sim, a capacidade que nossa gente tem, em apropriar-se deste elemento, em seus usos e utilizações, em transforma-la em símbolo cultural e Imaterial.

Modelos são meras referências para que a partir dele, possamos entender individualmente, o que há de nós, ou de estrangeiro em nós.
Dito isso, a partir do ato mimetico de reproduzir uma "receita tradicional", somos levados a desenraizar, retirar o contexto, reduzidos à padrões, impressos de forma ascética, sequestrando os vestígios originalidade, reduzindo sua potência a um script, a uma fotografia sem alma, sem identidade, desreferenciada.
Sem contar que os saberes/fazeres, trabalham muito mais no território dos Afetos, dos desejos, do que de uma racionalidade pragmática.

Segundo Walter Benjamim "A fotografia informa sobre o "inconsciente da visão, como a psicanálise (informa) sobre o inconsciente das pulsões."

Em tempos de Instagram, as imagens, filtros, recortes, revelam muito do nosso inconsciente, do que possamos imaginar, elas desnudam um universo singular de representações.

Uma imagem não é tudo quando falamos em Culinária, mas ela diz muito sobre a forma como cada um de nós se vê, ou quer ser visto, nossos gostos e recalques, medo das perdas, nossos paradoxos, hábitos e como, a partir da mera reprodução de "modelos" somos levados a crer, que fazemos parte, somos incluídos.
Ou seja, se é ou não Instagramavel.

Essa lógica "padronizante" do olhar ascético, livre dos percausos de, efetivamente ter que vivenciar, sentir, experimentar coletivamente, elimina qualquer possibilidade do gozo estético/criativo.

A poesia e o progresso são dois ambiciosos que se odeiam de um ódio instintivo, e quando se encontram no mesmo caminho, é necessário que um sirva ao outro. Se for permitido à fotografia substituir a arte em qualquer uma de suas funções, ela logo será totalmente suplantada e corrompida, graças à aliança natural que encontrará na tolice da multidão. É preciso então que ela retorne ao seu verdadeiro dever, que é o de ser a serva das ciências e das artes, a mais humilde das servas, como a imprensa e a estenografia, que nem criaram e nem suplantaram a literatura. Que ela enriqueça rapidamente o álbum do viajante e devolva a seus olhos a precisão que faltava a sua memória, que ela ornamente a biblioteca do naturalista, amplie os animais microscópicos, ou mesmo, que ela acrescente ensinamentos às hipóteses do astrônomo, que ela seja enfim a secretária e o guarda-notas de quem quer que precise, em sua profissão, de uma absoluta precisão material, até aí, nada melhor (Baudelaire, apud Entler, 2007).

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