AGRICULTORAS DO RECÔNCAVO BAIANO RESGATAM CULTIVO DA ARARUTA PARA ENFRENTAR A CRISE CLIMÁTICA

Rica em fibras e sem glúten, raiz se adapta a solos pobres e pode ser cultivada em sistemas agroflorestais

Título: Crise climática: Agricultoras baianas resgatam araruta (30 de junho de 2025) 


A agricultora Florisdete Santos, 52, colhe araruta em seu terreno, na região de Elísio Medrado, na Bahia (Foto: Rafaela Araújo/Folhapress)

Florisdete Santos, 52 anos, está liderando um movimento para revitalizar o cultivo da araruta em Elísio Medrado, na Bahia. A raiz, que foi uma importante fonte de alimento na região, caiu em desuso em favor da mandioca. Com o projeto Resiliências Climáticas, da ONG Gambá, Florisdete e outras mulheres estão promovendo a araruta como uma alternativa sustentável e nutritiva, especialmente em tempos de crise climática.

A agricultora relembra sua infância, quando consumia mingau de araruta. "Meu pai sempre plantava e minha mãe fazia o mingau", conta. Com a crescente demanda por farinha de mandioca, a araruta foi esquecida. No entanto, após a recuperação de sua mãe, que enfrentava problemas de saúde, Florisdete redescobriu os benefícios da raiz. "Fiz o mingau e ela foi reagindo", relata.

O cultivo da araruta é uma estratégia para enfrentar a seca e a degradação do solo. O biólogo Rafael Freire, da ONG Gambá, destaca que a araruta é resistente a solos áridos e possui valor nutricional superior ao da mandioca. "É uma planta estratégica para segurança alimentar e restauração ecológica", afirma.

Atualmente, um grupo de 11 mulheres, incluindo Ailda Silva, 47 anos, está se dedicando ao cultivo da araruta. Apesar das dificuldades enfrentadas devido à seca, Ailda observa que a planta tem se mostrado promissora. "Consegui aproveitar as que reguei, e elas estão lindas", diz. A araruta pode ser cultivada o ano todo e seu preço pode chegar a R$ 35 por quilo, em contraste com os R$ 4 a R$ 6 da farinha de mandioca.

O manejo da araruta é mais simples, o que facilita o trabalho das mulheres. Florisdete explica que a raiz é menor e mais fácil de extrair. A produção atual ainda é modesta, mas as agricultoras esperam expandir a iniciativa e adquirir equipamentos para processar a fécula em maior escala. O projeto também busca resgatar saberes tradicionais e promover a segurança alimentar na região.

O projeto buscava promover práticas de convivência com o semiárido, resgatar saberes tradicionais e incentivar o cultivo de espécies alimentares resilientes às mudanças climáticas. Florisdete, diz, ainda não entendia completamente como a araruta poderia ajudar diante da seca crescente na cidade, mas já conhecia seus benefícios para a saúde e até para geração de renda.

A primeira experiência que teve com a raiz após a infância foi durante uma piora no controle da diabetes da mãe, que não reagia mais aos medicamentos e à alimentação tradicional. "Minha mãe ficou doente, ia para o hospital tomar soro, aí lembrei da araruta. Fiz o mingau e ela foi reagindo. Percebi que a araruta tinha um benefício muito grande."

A fécula da araruta, tipo de farinha de textura fina e aspecto similar ao amido de milho, não tem glúten, ajuda a reduzir os níveis de açúcar no sangue e, rica em fibras, promove saciedade.

Depois da recuperação da mãe, Florisdete recorreu novamente à raiz enquanto procurava um alimento saudável e de fácil digestão para a filha, que nasceu com diversas restrições alimentares, como à lactose e ao glúten. "Entrava no mercado e ficava me perguntando: o que vou dar para minha filha? Aí lembrei de novo da araruta."

Dessa vez, além do mingau, ela começou a fazer pão, bolo e biscoitos de araruta para o dia a dia da filha. Os biscoitos, preparados com óleo e leite de coco, tornaram-se o favorito da família e passaram a ser vendidos em suas visitas a Salvador.

Então, no final do ano passado, foi Florisdete quem levou mudas de araruta para distribuir entre os interessados em plantá-la. Como parte do projeto, ela entregou dez para cada agricultor, que, depois de cultivá-las, deveriam devolver outras dez para que a multiplicação continuasse.

O biólogo Rafael Freire, da ONG Gambá, explica que há um esforço para recuperar o uso tradicional da raiz —cultivada historicamente por povos indígenas— frente à crise climática, uma vez que ela é resistente a solos pobres e secos, tem valor nutricional superior ao de outros tubérculos, como a mandioca, e ainda ajuda na conservação e recuperação de áreas degradadas.

"Com o tempo, caiu em desuso devido à predominância comercial da mandioca, mas se mostra uma alternativa valiosa para comunidades vulneráveis", diz o biólogo. "Em tempos de escassez hídrica e degradação do solo, como temos enfrentado, é uma planta estratégica para segurança alimentar e restauração ecológica".


Elísio Medrado fica em um área de transição entre mata atlântica e caatinga, no Vale do Jiquiriçá, e é parte do semiárido brasileiro.

A iniciativa resultou na formação de um pequeno grupo, formado majoritariamente por mulheres, que se organizou em torno do cultivo da araruta. Ao todo, 11 mulheres passaram a plantar a raiz em seus próprios quintais ou pequenas roças.

Ailda Silva, 47, foi uma delas. Moradora da comunidade de Canabrava, ela integra a Associação do Tabuleiro —atuante em projetos de agricultura familiar. O plantio, conta, ocorreu em novembro, início de um período de calor intenso e estiagem prolongada. Por isso, algumas mudas não resistiram à seca.

"A parte que eu reguei, consegui aproveitar e elas estão lindas", relata. "Há um tempo atrás, elas não dependiam tanto de água. Mas como o solo está muito quente, elas estão precisando."

Apesar disso, Ailda diz que a araruta tem se mostrado uma planta promissora. A raiz pode ser plantada o ano inteiro, colhida em cerca de seis meses e cultivada em sistemas agroflorestais, sem desmatamento. Além disso, seu quilo pode chegar a R$ 35, frente aos R$ 4 a R$ 6 da farinha de mandioca, tornando-se também uma oportunidade de renda para as agricultoras.

"Você pode plantar uma fileira de árvores e uma fileirinha de ararutas", diz Florisdete. "Assim, a gente pode tirar o sustento sem agredir o solo. Fui aprendendo isso com o pessoal do [projeto] Resiliências".

O manejo da araruta também é mais fácil para mulheres que o da mandioca, diz Florisdete. A raiz é menor, mais fácil de extrair e o processo de produção da fécula exige apenas lavar, decantar e secar a goma, sem etapas como raspar ou torrar.

A produção atual ainda é pequena, mas a expectativa é que, com a multiplicação das mudas e a melhoria nas condições de cultivo, mais mulheres possam aderir à iniciativa. Elas também querem adquirir equipamentos para processar a fécula em maior escala.

Para o grupo, redescobrir a araruta foi uma forma de se reconectar com a infância e com a alimentação tradicional. "Muita gente diz: ‘vocês são fortes’. A gente responde: é porque fomos criados com mingau de araruta", diz Ailda.

Principais pontos:

Origem e resgate

Florisdete Santos, de Elísio Medrado (BA), relembrou o cultivo ancestral da araruta, que era comum na infância com mingau preparado pelos pais. O projeto “Resiliências Climáticas”, da ONG Gambá, a motivou a retomar a cultura da raiz .

Benefícios nutricionais e terapêuticos

A fécula da araruta é sem glúten, rica em fibras, de digestão rápida, e ajuda no controle de glicemia. Foi usada para aliviar sintomas de diabetes e intolerâncias alimentares na família de Florisdete .

Cultivo e adaptação ao clima

A raiz é resistente a solos pobres e seca, ideal para o semiárido. Cresce em cerca de seis meses e pode ser cultivada o ano todo em sistemas agroflorestais, sem o desmatamento do solo .

Impacto socioeconômico local

Atualmente, 11 mulheres estão envolvidas no cultivo em suas comunidades, sob a liderança de Florisdete e Ailda Silva. A renda é promissora: o quilo da fécula pode chegar a R$ 35, comparado a R$ 4–6 da mandioca .

Facilidade de manejo

A araruta exige menos esforço para extrair a raiz e processar a fécula – apenas lavar, decantar e secar –, sem precisar raspagem ou torra mudanças exigidas na mandioca .

Conservação cultural e ecológica

A iniciativa permite resgatar conhecimentos tradicionais, fortalecer a autonomia feminina, promover segurança alimentar e apoiar a recuperação de áreas degradadas.

🌱 **Outras fontes históricas destacam também:**

O município de São Felipe foi, em 2011, considerado o maior produtor de araruta da Bahia, com apoio da EBDA e Embrapa no cultivo orgânico e diversificação de usos .

A araruta é uma planta com mais de 7.000 anos de cultivo, nativa das Américas tropicais, valorizada pela fécula sem glúten e usada tanto na culinária quanto em tratamentos digestivos e medicinais.

Fontes:

Folha de S. Paulo, 30/06/2025  

História regional da araruta no Recôncavo (São Felipe), via SECOM/EBDA – 2011  

Informações botânicas e usos medicinais da planta  


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