A INDÚSTRIA DE ALIMENTOS E A MERCANTILIZAÇÃO DA VIDA
A verdade por trás da narrativa de que “se alimentar bem é questão de responsabilidade individual”: o impacto da indústria alimentícia e seu lobby na saúde pública
Por Luiza Brazuna
Nesse sistema, a indústria de alimentos e seu lobby têm grande influência sobre políticas governamentais, e a preocupação principal é sempre o lucro, nunca a saúde pública.
Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, em 2025, Marion diz que: “As empresas de alimentos criam um ambiente que estimula o consumo excessivo de comida, por meio de publicidade, marketing indireto, brindes, redes sociais, apoio a organizações, apoio a pesquisas. Longe da vista do público, há lobby e financiamento de campanhas eleitorais. A responsabilidade pessoal não têm chance contra essa investida esmagadora”. Não é à toa que, em meio a movimentos que denunciam a insegurança alimentar, como o MST, se paute que “comer é um ato político”. Comer de forma saudável quando os alimentos, e a terra em que eles são produzidos, são instrumentalizados pelo capital financeiro é, de fato, resistir e enfrentar todo um sistema alimentar.
De maneira similar, o livro “O Triunfo da Dúvida”, de David Michaels, investiga a fundo e empiricamente as ações de gigantes corporações em busca de limpar a própria imagem e maximizar os lucros em detrimento da saúde das populações. No capítulo “O uso de opioides”, publicado também pela Outra Saúde, Michaels conta como a indústria farmacêutica impulsionou a epidemia de opioides nos EUA a partir dos anos 1990. Com um uso ardiloso de pesquisas científicas, médicos passaram a receitar medicamentos poderosos para dores físicas de baixo impacto, difundindo que os opioides eram seguros e não viciantes. O estrago foi gigantesco, de forma que a vida de milhares de trabalhadores foram destruídas. Enquanto isso, os donos de farmacêuticos milionários tornaram-se bilionários e a indústria farmacêutica virou o que chamamos hoje de “Big Pharma”.
Não é difícil traçar paralelos entre o modus operandi da Big Pharma e da indústria de alimentos. O público-alvo desta última, ao invés de trabalhadores, são as crianças, de modo que grande parte do marketing de junk food – comida de baixo valor nutricional e alta densidade calórica, como salgadinhos, biscoitos, sucos artificiais – é todo direcionado para o público infantil. Os resultados são altas taxas de obesidade e a cada vez maior relação entre ultraprocessados e doenças crônicas. Como disse Marion Nestle: “A indústria alimentícia não é um serviço social ou uma agência de saúde pública. Seu único propósito é gerar lucro para os investidores”.
Ainda assim, Nestle diz que o interesse público em nutrição e saúde é hoje maior do que nunca. Por outro lado, trata-se de um ambiente que prolifera dietas milagrosas e informações contraditórias a uma alimentação verdadeiramente saudável, que também deve ser acessível. Neste contexto, a regulamentação de propagandas e marketing de alimentos, sobretudo os ultraprocessados, é essencial. O Brasil, bem como outros países latino-americanos, lidera em iniciativas para proteger a saúde pública dos tentáculos gananciosos dos gigantes da indústria alimentícia, mesmo que ainda com desafios significativos. Acontece que, tratando-se do grande capital, o enfrentamento de propagandas e estratégias que prejudicam a saúde pública deve ser global.
Fonte O joio e o trigo
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