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Colheita de mandioca em quilombo do Vale do Ribeira em 2021 para distribuição no Jardim São Remo, favela na zona oeste de São Paulo
Imagem: Manoela Meyer/ISA
Por Mariana Belmont
Quilombolas e a resistência negra nas florestas do Brasil estão na COP27
Colheita de mandioca em quilombo do Vale do Ribeira em 2021 para distribuição no Jardim São Remo, favela na zona oeste de São Paulo - Manoela Meyer/ISA
Em 1980, no 2º Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado no Panamá, Abdias Nascimento apresentou a sua tese sobre o quilombismo.
"Os quilombos são uma das primeiras experiências de liberdade nas Américas. Com uma estrutura comunitária baseada em valores culturais africanos. Sua organização política é democrática. Seu modelo econômico era o contrário do modelo colonial. Em vez de produzir um item só para exportação e depender da matriz imperial, tinham uma produção agrícola diversificada que provia seu próprio sustento e mantinham relações de troca e intercâmbio com as populações circundantes. O quilombismo propõe esse legado como referência básica de uma proposta de mobilização política da população afrodescendente nas Américas com base na sua própria experiência histórica e cultural. Vai mais longe ainda, e articula uma proposta afro-brasileira para o Estado nacional contemporâneo, um Brasil multiétnico e pluricultural".
Há alguns meses, eu estava na Colômbia, em uma reunião de organizações sobre segurança climática. Foi quando uma pessoa, branca, disse "mas não existem quilombolas no Brasil". Eu tinha acabado de listar em um papel na parede o nome da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos como organização de resistência ao desmonte ambiental do governo Bolsonaro no Brasil.
O desconhecimento declarado de uma população negra que resiste e protege as florestas e produz comida é das coisas mais absurdas que se tem notícia, o nome disso é racismo. O Estado brasileiro é racista, e negar a existência quilombola é negar a violação dos direitos constitucionais contra comunidades e territórios quilombolas, é negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais. É negar a história de dos povos trazidos de África e escravizados no Brasil e que criaram espaços de segurança e política para protegerem seu povo.
"Cada Quilombo tem sua trajetória, história e ancestralidade negra relacionada à resistência à opressão histórica. Os Quilombos têm relações próprias com o território. Quilombos são territórios que possuem formas específicas de organização e partilham laços de pertencimento, experiências de vida e uma tradição cultural de valorização da ancestralidade e de uma identidade negra comum. A identidade negra quilombola é construída em profunda conexão com o território."
Os quilombolas estão presentes em pelo menos 5972 localidades no Brasil, distribuídos em 1672 municípios. O modo de vida e a relação com a natureza e a biodiversidade baseiam-se em práticas ancestrais de preservação e cuidado do território que são essenciais para a sobrevivência das pessoas nas comunidades, e para reprodução cultural, ancestral, religiosa, social e econômica. "Conseguiram te levantar, pô? Tu pesa o quê, mais de sete arrobas, não é?", disse o presidente da república do Brasil, Jair Bolsonaro, em mais de uma situação se referindo aos quilombolas. Como chamamos quem comete racismo descarado contra a população negra? No governo Bolsonaro, apenas 8 quilombos foram parcialmente por força de decisão judicial. São eles: Paiol de Telha (no estado do Paraná); Kalunga (no estado de Goiás); Lagoa dos caminhos (no estado de Sergipe); Mangues (no estado de Minas Gerais); Serra da Guia, Brejo dos Negros e Lago dos Campinhos (no estado do Sergipe). A política pública de titulação dos quilombos foi totalmente desmontada. Neste momento as agências de governo responsáveis pela titulação quilombola não tem orçamento para operar. O valor destinado para a política de titulação dos territórios quilombolas em 2021 foi irrisório, abaixo de 100 mil dólares.
O direito de quilombolas às terras que tradicionalmente ocupam é garantido pela constituição brasileira. Ainda assim, os governos brasileiros têm falhado sistematicamente em assegurar esse direito. Em maio de 2022, dados do órgão governamental responsável pela regularização dos territórios quilombolas indicavam que o governo emitiu 295 títulos para 196 territórios quilombolas no Brasil. Menos de 5% dos quilombos existentes foram titulados desde que a constituição brasileira de 1988 entrou em vigor. Em média, cerca de 9 quilombos foram titulados por ano entre 1988 e 2022. Neste ritmo, serão necessários mais de 650 anos para titular todos os Quilombos no Brasil.
O atraso na titulação dos territórios quilombolas tem sérias consequências num contexto de emergência climática. territórios e lideranças quilombolas vivem um cotidiano de conflitos pela posse do seu território com fazendeiros, grileiros, grandes empresários e com o próprio Estado
Segundo a Conaq, pelo menos 650 quilombos sofrem impactos de grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura. Ou seja, mais de 10% dos quilombos brasileiros encontram-se sob pressão nos territórios, seja pela implantação de projetos de infraestrutura, seja pela ação de empreendimentos. Trata-se de um número expressivo mas que está longe de refletir a totalidade dos conflitos sócio-ambientais enfrentados nos quilombos, que é muito maior.
Os ataques contra os quilombos e a violação de seus direitos representam ações dirigidas a apagar a história de uma população que luta pela afirmação da sua identidade sociocultural. Tratam-se de ações que confrontam modos de vida e subsistência que estão fundados na sustentabilidade econômica e na preservação do meio ambiente através de práticas de cuidado tradicional do território.
Fonte UOL
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