Plantas Mestras – Tabaco e Ayahuasca
Como plantas podem ser professoras? Como ocorrem as conexões que revelam uma outra linguagem além das palavras? Jeremy Narby, autor de A serpente cósmica, o DNA e a origem do saber (Dantes, 2018), busca a compreensão a partir da ciência, mesmo que não se exima da experiência, ou mesmo parta dela. Rafael Chanchari Pizuri, do povo Shawi, segue a tradição dos “médicos”, especialistas em curas através de plantas.
Para compor essa trança de perspectivas, convidamos Peconquena para ilustrar a publicação. Com sua arte, ela nos revela os donos da plantas, espíritos que animam e protegem o tabaco, o cipó de ayahuasca e a chacrona.
A tradução é de Daniel Lühmann e Victoria Mouawad.
A orelha do livro é assinada por Ailton Krenak e Carlos Papá, que também produziram uma conversa transcrita nos Cadernos Selvagem, Entrar no mundo, conversa sobre plantas mestras.
Quando um cientista se transforma em onça ou sobre "Plantas mestras. Tabaco e Ayahuasca"
Por Andréa Cabel
Nesta entrevista converso com Jeremy Narby, um dos dois autores do livro "Plantas Mestras. Tabaco e Ayahuasca" publicado recentemente pelo Centro de Antropologia e Aplicação Prática da Amazônia (CAAAP). Convido você a conhecer esta maravilhosa contribuição.
"Plantas Mestras. Tabaco e Ayahuasca" (CAAAP, 2021) é uma proposta que combina duas formas de conhecimento e oferece uma compreensão mais completa de uma planta considerada poderosa e perigosa. O livro, como projeto, começou em 2018, quando Jeremy e Rafael conversaram pela primeira vez. Foi concluído em 2020 e publicado no ano que acaba de passar: 2021. A importância desta proposta reside no fato de ser um convite a compreender que o pensamento indígena não se opõe à ciência, mas, ao contrário, dialoga com ele. , e ambos se complementam. Por tudo isso, este livro convida você a se conectar e conhecer mais sobre os modos de sentir e pensar a ciência a partir dos saberes amazônicos .
Realizamos esta entrevista com um dos dois autores deste livro: Jeremy Narby (1959). Ele é antropólogo, médico pela Universidade de Stanford e escritor canadense. Em seus livros, ele examina o xamanismo, a biologia molecular e o conhecimento botânico e biológico dos xamãs por meio do uso de enteógenos em muitas culturas.
Desde 1985, Narby passou vários anos vivendo com os Ashaninka na Amazônia peruana. Lá ele conheceu um homem chamado Carlos Pérez Shuma, que se tornou seu principal contato. Ele tinha 45 anos e era um xamã do tabaco, ou seja, um fabricante de charutos. Com ele aprendeu as propriedades dessa planta e, de fato, experimentou o que implicam as correspondências e dissonâncias entre a ciência e o pensamento indígena. Neste livro, escrito a partir de seus diálogos com o professor vegetalista Rafael Chanchari, ele nos conta sobre as propriedades, usos e importância do tabaco e da ayahuasca. Neste sentido, gostaria de iniciar a entrevista com uma citação do livro que nos permite compreender o seu principal objetivo:
"Acho que a chave para integrar os dois sistemas de conhecimento é ir e voltar entre os dois com bastante frequência e por um longo período de tempo. É fazendo malabarismo que alguém se torna um malabarista" (pp. 84)
FOTO: CAAAP-IQUITOS
AYAHUASCA É COMO UM SER HUMANO?
Sim, é assim que os indígenas amazônicos o expressam. Eles a descrevem como um ser poderoso, dotado de intenção, cheio de conhecimento e capaz de ensinar. Para eles, esta é uma perspectiva concreta. Uma pessoa pode experimentar o quão poderoso é o ser da ayahuasca ingerindo a planta e prestando atenção em como ela se manifesta em seu corpo e mente. Lidar com a ayahuasca é como lidar com um ser humano, no sentido de que pode ser difícil, cheio de reviravoltas inesperadas, mas também enriquecedor e extremamente interessante.
A MENTE DE UM XAMÃ
Ninguém sabe ao certo o que se passa no cérebro ou na mente de um pajé que comeu pasta de fumo e teve a experiência de virar onça. Mas minha opinião é que o impacto da nicotina em vários hormônios humanos, incluindo adrenalina, dopamina, serotonina e glutamato, está parcialmente subjacente à experiência, sem explicá-la totalmente. A nicotina do tabaco faz o coração bater mais rápido, o que bombeia mais sangue para o cérebro e, ao mesmo tempo, libera um verdadeiro coquetel de hormônios humanos no organismo.
OBJETIFICAÇÃO CIENTÍFICA VS. SUBJETIVAÇÃO AMAZÔNICA
A visão científica de uma "substância" é exclusivamente física, enquanto a visão indígena é ao mesmo tempo física e interpretativa, ou relacional. Do ponto de vista indígena, uma planta tem uma essência, algo como uma personalidade, mas isso não está totalmente separado das propriedades físicas da planta. Em algumas línguas indígenas, a palavra essência ou espírito ou alma também se refere ao cerne ou medula de uma planta. Assim, o espírito da planta se manifesta em seu sabor, cheiro e coloração. Os conceitos indígenas não separam o físico do todo.
Para entender qual é a diferença entre abordar um ser como se fosse um objeto, afirmando por exemplo que uma planta é apenas um saco cheio de moléculas, e abordá-lo como se fosse uma pessoa, basta pensar em um ser humano. Por um lado, é verdade que o ser humano é feito de carne e osso, que é uma espécie de saco carnudo. Mas sabemos que um ser humano não é apenas isso, mas também uma pessoa. As duas coisas não são incompatíveis.
Bem, a partir daí, a pergunta séria, “o que é uma pessoa?”, e este é um vasto debate filosófico. Resumindo, se você tem um ponto de vista, você é uma pessoa. E segundo os amazonenses, uma planta não é apenas um saco de substâncias, mas também um ser, que tem suas intenções e seu ponto de vista.
AS MÃES (DAS PLANTAS, DOS LAGOS...)
Nos conceitos amazônicos, a mãe, ou dona de uma planta, é como uma personalidade situada no nível da espécie, que simultaneamente supervisiona cada indivíduo representante dessa espécie. Portanto, a "mãe do tabaco" é uma entidade que representa o tabaco como uma espécie e também cuida de plantas de tabaco individuais. Até hoje, a ciência e os pensadores ocidentais têm dificuldade em entrar nesse conceito.
SABER PENSAR A PARTIR DE OUTRAS PERSPECTIVAS
Os amazônicos sabem muitas coisas precisas sobre a multiplicidade de espécies naturais da selva amazônica, também sabem pensar do ponto de vista de outras espécies, o que lhes dá uma capacidade de empatia com elas. Eles sabem ver que os diferentes seres que vivem em nosso mundo têm uma inteligência. Os amazonenses possuem conceitos úteis para pensar alguns aspectos complexos do mundo que fogem até mesmo da visão materialista e reducionista da ciência contemporânea.
----TRECHO DO LIVRO----
"Os cientistas gostam de padronizar as substâncias que estudam, porque o método científico exige testes repetidos em diferentes épocas e lugares, sem variação no objeto de estudo. Mas não existe uma ayahuasca "padrão". videira mas para além desta base, os restantes conteúdos dependem inteiramente de quem prepara a mistura.
O etnobotânico Jonathan Ott lista 97 espécies de plantas amazônicas como aditivos confirmados da ayahuasca, incluindo toé, coca e duas espécies contendo DMT. Isso significa que qualquer bebida pode ou não conter nicotina, escopolamina, cocaína ou DMT, todas substâncias psicoativas poderosas por si só. Ott sugere pensar na ayahuasca como um "veículo farmacológico polivalente". Assim sendo, é impossível fornecer uma definição molecular precisa da ayahuasca" (pp. 69)
Se você quiser ler usos, propriedades, bem como extensos testes e discussões sobre os prós e contras da ayahuasca e do tabaco (refiro-me acima de tudo à PLANTA do tabaco e, em menor grau, também aos seus alcaloides), convido você para ler o livro. Possui muita informação científica valiosa que também é apresentada de forma clara e ágil.
Andréa Cabel
Doutora em Literatura Latino-Americana pela University of Pittsburgh. Publicou coletâneas de poemas, resenhas e artigos críticos e de opinião.
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