"Índio não é coitadinho", diz Davi Kopenawa Yanomami
E o que é resistência para o povo yanomami? É a terra que não vai morrer. Nós morreremos. A terra não tem fim. Sofre, mas não morre. As árvores morrem derrubadas, queimadas e raspadas. A terra não. Ela resiste. Ela tem a vida e por isso lutamos junto com a terra e a floresta.
Esta mudança climática que eles falam significa a vingança da natureza e do nosso planeta. Estão deixando adoecer os nossos rios, e água é vida. Nossa mãe Terra fica revoltada com o estrago do capitalismo, que sempre usa, explora, derruba e queima. Até a chuva está suja, há lugares sem sol, outros muito quentes e onde a terra está rachada. Esta mudança climática não vai ser sarada. Vai crescer, vai acontecer, vão chegar doenças, como chegou o coronavírus. Sem índio, sem xapiri, vai acontecer."
Como o senhor está avaliando a discussão, no Supremo Tribunal Federal (STF), do Marco Temporal, que propõe que sejam reconhecidos aos povos indígenas somente as terras que estavam ocupadas por eles na data de promulgação da Constituição Federal, a partir de 5 de outubro de 1988? O Marco Temporal já acompanhei e fiquei assustado. Ele estava engavetado. Ele significa uma cobra grande para mim, que aparece para nos atacar e assustar os povos originários. O Marco Temporal quer tomar as nossas terras de novo, querendo diminuir as terras demarcadas e as não demarcadas. Quer roubar novamente, quer colocar mineração dentro das terras indígenas.
O senhor falou que é muito bom ter um Ministério dos Povos Originários. Mas qual seria a primeira ação que este ministério pode ter se for criado pelo presidente que assumirá o cargo em 2023? Ainda é um plano, um pensamento no papel. Nós nunca pensamos sobre isso. Quem falou isso é Lula. Ele está sonhando e pensando. Acho uma boa ideia. É uma oportunidade ter um ministério dos povos originários em Brasília para começar a conversar entre deputados, entre outros ministérios não-indígenas e outras autoridades. Hoje, nossos filhos e filhas jovens sabem falar português, entendem sobre políticas públicas. Eu colocaria uma mulher jovem (como representante), que já aprendeu a falar as línguas, sabem escrever, mexer em computador, sabe mandar mensagens para outros lugares longes, para nos defender. É a estaca para iniciar uma casa. É o começo de uma árvore para nascer as nossas frutas e crescer nossas raízes. Uma oportunidade muito importante para o nosso povo e para vocês também.
Está acontecendo no Egito a COP27, a conferência mundial do clima, organizada pela ONU. O que o senhor falaria para as lideranças mundiais que estão reunidas discutindo o tema? Não tenho vontade de ir lá. O problema é deles. Do jeito que eles estragaram, eles que consigam tapar os buracos estragados. Esta mudança climática que eles falam significa a vingança da natureza e do nosso planeta. Estão deixando adoecer os nossos rios, e água é vida. Nossa mãe Terra fica revoltada com o estrago do capitalismo, que sempre usa, explora, derruba e queima. Até a chuva está suja, há lugares sem sol, outros muito quentes e onde a terra está rachada. Esta mudança climática não vai ser sarada. Vai crescer, vai acontecer, vão chegar doenças, como chegou o coronavírus. Sem índio, sem xapiri, vai acontecer. O meu sonho, que eu escutei com grande pajé, que já faleceu, no território yanomami, ele passou para mim que eu escrevesse e passasse aos não indígenas, que estão usando muitas máquinas pesadas, cavando buracos, arrancando as pedras e criando fábricas muito grandes. E esta fumaça venenosa vai sair no ar, vai chegar lá em cima e juntar com xawara (epidemias associadas às mercadorias e à ganância dos não indígenas e seus chefes).
Eu já fui ameaçado. Sofri ameaça por fazendeiros, garimpeiros e outras pessoas da cidade porque eu estou atrapalhando o trabalho deles. Porque estou divulgando e denunciando (as ilegalidades). É um direito meu e do meu povo. O pessoal perde os motores deles e a polícia queima as máquinas deles. Então, eles ficam revoltados comigo. Eles me procuram na cidade para acabar com a minha vida. Eu me protejo. Eu me cuido. Mas não vou parar. A minha luta vai até o fim."
O senhor já sofreu ameaças de morte ao longo da sua luta para salvar a floresta e o planeta. O que faz o senhor não se calar e continuar trabalhando?
Eu já fui ameaçado. Sofri ameaça por fazendeiros, garimpeiros e outras pessoas da cidade porque eu estou atrapalhando o trabalho deles. Porque estou divulgando e denunciando (as ilegalidades). É um direito meu e do meu povo. O pessoal perde os motores deles e a polícia queima as máquinas deles. Então, eles ficam revoltados comigo. Eles me procuram na cidade para acabar com a minha vida. Eu me protejo. Eu me cuido. Fico na cidade só para trabalhar e para lutar. Não é para ganhar dinheiro. É trabalhar para defender o direito do meu povo, para defender a nossa terra, a nossa família e a floresta. E agora Bolsonaro perdeu e eles ficaram mais bravos. Eles estão p* comigo, com meu filho e as outras lideranças que estão lutando.
Mas o senhor não vai parar? Não vou parar. Não vou. Porque eu não estou roubando, não estou roubando dinheiro ou a casa que eles têm, não estou roubando as terras deles. Estou fazendo um bom trabalho para eu viver bem e para os povos indígenas viverem bem. Este é o meu papel de liderança. Minha missão vai continuar. A luta não vai parar. A minha luta vai até o fim.
Como o senhor vê a chegada do indígena à universidade? O que o senhor tem a dizer para esses universitários? Ao jovem indígena que está estudando na universidade, espero que escolham o caminho da saúde e do bem viver. Têm que aprender a palavra e fazer na prática. Eles têm que pensar no seu povo, na sua terra, onde nasceram. Não podem esquecer. Precisam estar ao lado do povo e da floresta para não deixar destruir e estragar a Floresta Amazônica.
E se você tivesse que deixar uma lição aos não indígenas, qual seria? Nós estamos iniciando (uma conversa). O livro A Queda do Céu, que está entrando nas universidades, já é um ensinamento para vocês. Para abrir, ler e olhar à frente para abrir os olhos. Nossos ensinamentos podem ser pelo livro e pela nossa fala. Sem nós (os indígenas), outros povos vão chegar na floresta e derrubar tudo. Vão colocar o que quiserem no lugar das árvores e da terra.
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