“Somos atlânticos por posição e mediterrânicos por cultura”

Por Ricardo Dias Felner

Foi lá que fomos encontrar a autora de “Algarve Mediterrânico: Tradição, Produtos e Cozinha”. E é lá que Maria Manuel Valagão está a acabar de organizar o seu novo livro, com foco nas plantas silvestres alimentares. 

Antes de nos sentarmos, levou-nos à “divisão mais importante da casa”, a cozinha, cheia de pequenos tesouros locais — dos limões e laranjas “com caroços” colhidos das árvores das traseiras até às azeitonas britadas e “de sal” (uma raridade), passando pelos bolinhos de amêndoa. 

É tudo feito por “senhoras” da terra e é tudo bom. “Sabe que São Brás é o santuário da amendoeira. Agora, estão abandonadas. Dá muito trabalho, o preço não paga e há a concorrência da amêndoa estrangeira. Este património vegetal, de uma diversidade enorme de amêndoas, está-se a perder. Não há quem agarre isto”, lamenta. 

A entrevista há-de começar já na sala, entre quadros e livros. Grande defensora da cultura mediterrânica, Maria Manuel Valagão elogia as tradições alimentares artesanais, aquilo a que chama de ouro fino. 

Antes de nos sentarmos, levou-nos à “divisão mais importante da casa”, a cozinha, cheia de pequenos tesouros locais — dos limões e laranjas “com caroços” colhidos das árvores das traseiras até às azeitonas britadas e “de sal” (uma raridade), passando pelos bolinhos de amêndoa. 

É tudo feito por “senhoras” da terra e é tudo bom. “Sabe que São Brás é o santuário da amendoeira. Agora, estão abandonadas. Dá muito trabalho, o preço não paga e há a concorrência da amêndoa estrangeira. Este património vegetal, de uma diversidade enorme de amêndoas, está-se a perder. Não há quem agarre isto”, lamenta. 

A entrevista há-de começar já na sala, entre quadros e livros. Grande defensora da cultura mediterrânica, Maria Manuel Valagão elogia as tradições alimentares artesanais, aquilo a que chama de ouro fino. 


DR

A conversa, já de gravador ligado, começa, precisamente, com o mote das coisas boas em vias de extinção.

Estes bolinhos de amêndoa vão desaparecer? 

O mercado tem de se organizar com as pessoas que conhecem a diferença. É tudo uma questão de consciência, do mercado querer pagar a diferença. E de não deixar esquecer os sabores. Porque os jovens já não sabem fazer isto. É preciso saber tratar a amêndoa e a amendoeira. Isto é trabalho de ourivesaria. Do que estamos aqui a falar é de ouro fino. Mas deixemos isso. 

Falemos então de si. Como é que uma licenciada em farmácia entra na gastronomia? 

Tive imensa sorte. Acabei por ir parar ao departamento de economia e sociologia agrária, do INIA, Instituto Nacional de Investigação Agrária, criado depois do 25 de Abril, à semelhança do Institut National de Recherche Agronomique francês. Ninguém falava em sociologia da alimentação, nem em gastronomia, na altura. A palavra gastronomia era para o prazer. Era o [Jean Anthelme] Brillant-Savarin, eram umas coisas inatingíveis. Havia três ou quatro restaurantes dignos em Lisboa, que eu só conhecia de nome.

Porque fui estudar para Montpellier e para Paris, tudo pago pelo meu instituto. Portanto, eu sou licenciada em farmácia, um curso penoso, um erro de casting, uma família modesta que gostava que a filha fosse médica. Ora, eu não posso ver sangue e aquilo perturba-me. Então, como eu gosto de investigar e estudar, pensei: natureza, comida…

Mas o que isso tem a ver com farmácia? 

Fui na ilusão total de que podia trabalhar em plantas, cremes de beleza… A minha mãe tinha a mania das coisas naturais, de que se podia prolongar a vida através das plantas e da alimentação. E eu, então, vou para o curso de farmácia, mas aquilo é só química e decorar, decorar. Foi dificílimo, tive imensas crises para acabar o curso. Mas acabei por ter sorte. A licenciatura veio para Lisboa e eu acabei-a aqui. E comecei a trabalhar ao mesmo tempo no Instituto Superior de Agronomia, na terra, em química. Eu tenho esta coisa: gosto da sociologia, dos comportamentos, mas também gosto muito da química e da botânica. Quando acabei a licenciatura, em 1972, estava já em Agronomia, no departamento de solos. No Instituto Superior de Agronomia, trabalhava em Espectrofotometria de Absorção Atómica, imagine. Isto estruturou o meu pensamento. A química e a botânica estruturam, são coisas muito sérias. Mas esqueçamos isso.

Então e onde entra a sociologia?

Então, fui para Ponte de Lima, a dada altura. Aquilo era penoso. Não havia electricidade, nem casas de banho. Depois, então, segui para Montpellier, para o Instituto Agronómico do Mediterrâneo — e aí começa a minha relação com o Mediterrâneo. Escolhi o que eu queria: planificação agro-alimentar, economia alimentar e mercados internacionais. Só faltavam as pessoas nisso tudo.

Onde entram?

Eu já tinha acesso à Rachel Carson, que escreveu um livro famosíssimo, “A Primavera Silenciosa”, nos anos 1963 ou 1964. Era jornalista, bióloga, mas foi completamente crucificada na altura, por causa das críticas que fazia ao DDT. Hoje, o livro é uma bíblia. 

Isso é em plena Revolução Verde… 

Claro, na América. Ao mesmo tempo, 1970/1980, o [Pier Paolo] Pasolini escreve o artigo dos pirilampos [publicado no Corriere della Sera]. Aquilo espevitou-me, fez-me questionar o modelo de produção e de consumo. As pessoas só conhecem o lado mau do Pasolini. Não o conhecem a ele. Aliás, Tolentino de Mendonça escreveu sobre isso mesmo há umas semanas. Li o artigo do Pasolini já em Itália, onde fui consultora das Nações Unidas. A crise dos pirilampos diz o seguinte: com a revolução industrial, secam os rios, as plantas desaparecem e os pirilampos idem. O pirilampo é uma metáfora. Também tive sorte, porque nessa altura aconteceu o primeiro curso europeu de alimentação, saúde e nutrição.

O que distingue alimentação e nutrição?

São coisas diferentes, embora os nutrientes componham os alimentos. Quando se estuda mais os alimentos, estuda-se alimentação, quando se estuda mais os nutrientes e a relação com a saúde/doença, estuda-se nutrição. Em Portugal, não havia nada disto. Então fui para Montpellier e Paris, depois voltei e tive esta sorte enorme de, passados uns meses de regressar de Portugal, ir para a FAO [Organização para a Alimentação e Agricultura], para África, nos anos 1980. 

Em que países andou, por África? 

Sempre em países de expressão portuguesa. Cabo Verde, Guiné, Angola, São Tomé… Mas a dada altura, pensei: não me interessa mais isto. E concentrei-me no meu doutoramento. 

Sobre o que foi o seu doutoramento? 

Sobre um estudo de campo que fiz em Santa Marta de Penaguião, no Alto Douro. 

E versava sobre o quê, em particular? 

Em particular! Demorou oito anos! Era sobre as práticas alimentares numa sociedade em mudança. Quando o vemos agora, parece que é pré-histórico. Eu fui para lá viver em 1987, com as pessoas. Comer o que elas comiam, fazer o que elas faziam. Quando me doutorei, em 1990, e passei a ir lá, todos os anos, tudo aquilo tinha tido uma metamorfose doida. A chegada do frigorífico, dos congelados, da televisão, da publicidade, dos modelos de consumo…

O que é que já não encontrou lá e, já agora, em Ponte de Lima, onde também esteve? Ainda encontrou as broas de antigamente, quando lá regressou? 

Todas as pessoas produziam o seu milho e iam moer e faziam a sua broa, na sua cozinha e no seu forno, em 1978, 1979, em Ponte de Lima. Quando fui para o Alto Douro, o problema já era outro. Não havia cereais, os cereais tinham acabado. Ninguém cozinhava. 

O Alto Douro não tem uma cozinha muito rica, pois não? 

Não. Como é que se desenvolve uma gastronomia rica? Com produtos. Mas se você só trabalha na vinha, como é que faz outras coisas? O meu orientador de doutoramento era um francês, Claude Grignon, um grande sociólogo, dissidente do [Pierre] Bourdieu. Mas a sociologia, então, virava-se mais para comportamentos de classe: os ricos comem isto, trincham; os pobres comem comida de tacho. O Grignon dizia: “Não te preocupes. O pão há-de continuar a ser feito, aqui. Há-de regressar, mas de outra maneira, como lazer, luxo, tradição. Vão ser os filhos a fazê-lo, no mesmo forno”. Eu observei ainda resquícios disso, dessa tradição do forno, mas já era o padeiro que vendia o pão. 

Houve outras tradições que tenham desaparecido, na cozinha? 

Houve, claro. Mas é normal. Se as pessoas vão trabalhar para o sector secundário, se a outra geração já está no sector terciário e tem pouco tempo, tem de haver o padeiro que faz e o supermercado que vende. É normal. É a mesma história quando me perguntam por restaurantes populares, no Algarve. O popular no Algarve, agora, é o frango e a febra.

Acabou por se doutorar em quê? 

Em Ciências do Ambiente, na Universidade Nova, na Faculdade de Ciência e Tecnologia. Porque não havia sociologia da alimentação. Mas o meu trabalho é de antropologia da alimentação, o meu orientador foi um sociólogo, como disse. E o sonho dele, e de muitos, como o António Barreto, era que eu o publicasse. 

E porque não publicou a sua tese?

À medida que me fui afastando, pensei: “Não publico. O meu trabalho está parado no tempo. Não há possibilidade de o actualizar. Mudaram as vindimas, mudaram as pessoas, toda a gente tem uma televisão no quarto.” 

Mas isso é normal. É um trabalho, uma tese, daquele tempo. 

Sim, mas é preciso que alguém quisesse financiar a publicação. São 500 e tal páginas. Mas voltando atrás. A grande monotonia da alimentação do Douro advém do grande investimento na vinha. Todas as pessoas têm uma hortinha que normalmente serve o proprietário. Mas eu não trabalhei o proprietário, que vive no Porto. Eu trabalhei as famílias rurais, quem lá está sempre, os pequenos agricultores. Os proprietários eu só via no tempo das vindimas, quando me convidavam para almoçar. Interessava-me o que comiam as pessoas que lá viviam. Quem come o quê e quando. Os grandes proprietários traziam a sua cultura de classe, que também era importante. Mas o mundo rural sempre foi a minha poda. 

E quando vai para o ISCTE?

Convidaram-me para um curso livre de alimentação e ambiente. E convidei muitas pessoas. Nesse curso, há 30 anos, fiquei conhecida como a professora da frugalidade e da parcimónia. 

Comer pouco é bom, é isso?

Sim, comer pouco, de tudo, mas comer sobretudo vegetal. 

Isso numa altura em que se comia cada vez mais carne. 

Muita carne! Paralelamente a isso, fazia muitas conferências e era convidada para tratar as estatísticas. E comecei a pertencer a grupos de alimentação mediterrânica, quando ainda não se falava nisto, por 1988. Era a única pessoa que falava nisto. Os meus colegas cientistas achavam que era um assunto menor. Eram as coisas da Manuela. E eu tratava estatísticas. E as pessoas diziam-me: Portugal ainda tem uma alimentação mediterrânica, que é muito pobre. Os indicadores de consumo eram menores do que noutros países. Agora, nós já estávamos com valores altos em gorduras e proteínas.

O que é, ao certo, a gastronomia mediterrânica? 

Vamos distinguir. Geopoliticamente, o Mediterrâneo acaba no estreito de Gibraltar. Vai desde o Estreito de Bósforo ao de Gibraltar. Acontece que se circulava por água e temos uma história idêntica à dos outros povos do Mediterrâneo. Quem é que nos ensinou a fazer azeite? Os fenícios. Os fenícios ensinaram-nos as coisas que ensinaram por todo o lado. O Sul de Portugal, calcárico, o montado, o clima, tem muitas coisas mediterrânicas. Isto até Idanha. Idanha é a transição do sobreiro para o castanheiro. Então, pergunta-me assim: “Se há uma transição, porque é que se acha que Portugal é mediterrânico?” Como definiu o grande historiador Fernand Braudel, o Mediterrâneo, enquanto cultura, história, civilização, chega aonde chegam as oliveiras. Nisso entram fenícios, gregos, visigodos, depois os romanos. Isto está escrito. Isto é a bíblia. Os romanos estiveram cá, por todo o lado, e os árabes mais no Sul. Mas os árabes já são muito recentes. Todos nós somos um bocado árabes.

E foram sete séculos de presença árabe na Península Ibérica, é muito tempo. 

E ainda cá estão. A primeira vez que fui à Tunísia, eu fechava os olhos e pensava: “Meu deus, parece que estou na Mesquita [Cerro da Mesquita, povoação do concelho de São Brás de Alportel]. A Mesquita era um lugar no campo [no Algarve], onde a minha mãe ia. O mesmo tipo de fornalha, os mesmos gestos, os procedimentos, a maneira de tratar o grão, de cortar. A diferença é que lá misturavam o grão nos cuscuz, aqui misturam no jantarinho de grão. A cultura árabe não se foi embora do dia para a noite.

E os vestígios dessa presença permanecem até onde? Até Idanha? 

Algarve mas também Alentejo. Nós somos atlânticos, por posição. A grande discussão é a dieta mediterrânica. A diaita. É um conceito grego, mas não significa só alimentação. É um estilo de vida. As pessoas acham que dieta ou é restrição ou é excesso e tem a ver com um conceito clínico. Mas a dieta mediterrânica é um conceito imaterial, inscrito como património imaterial da humanidade. os valores da diaita grega são os da nossa cultura, que é a greco-romana. Não dá para sair daí. E a cultura greco-romana adoptou o conceito de diaita, no estilo de vida, nas identidades, sentidos de pertença, em tudo o que tem a ver com o artesanato. Nesse aspecto, então, Portugal é todo diaita. Porquê? Entreajuda. O transmontano: se gosta de si, é para a vida. O minhoto: se o adopta, é para a vida. E o estar à mesa. 

Não estão mais povos à mesa? 

Vai para o Norte da Europa e é outra conversa. Pode estar ou não. Aqui há também uma coisa que nunca se fala e que tem a ver com a religião. O facto de termos ficado no Sul da Europa católica, também tem a ver com isso. As refeições, tal como as temos, são católicas. O conceito de Lutero é mais racional e nasceu com a reforma: o homem como ser racional e inteligente, come quando tem fome. Os valores que unem as pessoas em Portugal, em matéria de alimentação, são outros. Estar à mesa, partilhar. E, nisso, temos afinidades com outros povos do Sul da Europa. 

Mas não são só os mediterrânicos que fazem isso. Na China, por exemplo, também gostam de estar à mesa e partilhar comida. 

Mas eu não estou a comparar. Estou a falar em afinidades, temos uma história comum. Eu sei, toda a gente sabe: somos atlânticos por posição e mediterrânicos por cultura. 

E a ideia do uso da banha no Norte e do azeite no Sul de Portugal, faz sentido? 

Não, isso não é verdade. Há banha em todo o país. Os melhores pratos eram com banha e um bocadinho de azeite. E há o mito de que a banha é uma coisa péssima. Não é, se for de um porco criado como deve ser…

Com bolota e de montado? 

Claro. As banhas não são todas iguais. Eu se quiser uma gordura insaturada tenho de comer uma banha de um porco criado domesticamente com milho, com restos, com couves ou com bolota.

E como vê o argumento de que se não houver produção intensiva as pessoas morrem à fome? 

Não morrem à fome. 

Comem menos, é isso?

Sim. E têm de aprender a cozinhar. A maior parte das pessoas não sabe cozinhar. Sabe fritar batatas, fazer um arroz… A maior parte das pessoas tem uma monotonia alimentar enorme. E come muita carne. 

Faltam-nos legumes? É da opinião que temos pouco receituário de legumes? 

Isso é nos restaurantes. Porque para os restaurantes, de Lisboa, os galegos trouxeram a comida de festa, não a popular. Mas na alimentação mediterrânica o que é saudável é a cozinha familiar. 

Mas vamos a uma tasca, fora de Lisboa, e vemos poucos legumes, também.

Já viu o preço dos legumes? E depois há outra diferença para hoje. É o modo de habitar e de trabalhar. A pessoa passou a viver no apartamento. Não tem tempo para cozinhar. Como é que vai fazer os legumes? Tem de os limpar, tem de os cozinhar. E se tiver uma cozinha pequenina, com a dispensa ao pé do fogão, pior. A dispensa passou a estar perto do calor, não é uma conservação fresca. Quem é que tem tempo, hoje, para fazer legumes? É uma questão de nicho.

O que acha do biológico? 

Não é só o biológico que é importante. O produto deve ser produzido de forma regenerativa, orgânica, mas agro-ecológica. Que respeite a rotatividade, a alternância, o pousio. Porque se for só o biológico, que está certificado, não usam produtos de síntese, é verdade. Mas vão buscar as sementes de crescimento rápido. A minha luta sempre foram as variedades autóctones.

E porque é que isso é tão importante? Qual é o problema das sementes de crescimento rápido e dos híbridos? 

Os híbridos e tudo isso é uma questão de quantidade, para alimentar a humanidade. Tudo começou no pós II Guerra, para alimentar as economias arruinadas, com dois senhores canadianos, que inventaram o sistema de fileira. Como é que se organiza a produção, a transformação, a conservação, distribuição e consumo? O consumo no sistema de fileira, macro-económico, subentende que tem de haver espécies híbridas. Não se produz assim de outra forma, não se consegue garantir o funcionamento do aparelho industrial sem ser nessa lógica. 

Portanto, as espécies híbridas são mais produtivas, resistentes a pragas… 

E gastam muito mais água. Na natureza, vale a lei de Lavoisier: nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Temos imensa produtividade com fertilizantes e água. São espécies muito gulosas e que conseguem trabalhar depressa. Não tenho nada contra elas, foram modificadas. 

Fale-me do seu Algarve. Ficou particularmente conhecida no meio gastronómico por causa do seu livro sobre o Algarve.

Foi? Não sei, é um mundo diferente, que não procurei. Eu nasci aqui. nunca vivi cá, nem a escola primária fiz cá, mas as nossas raízes são as nossas raízes. Gosto muito do Algarve, sempre cá vim em Setembro e na Páscoa. Gosto muito dos cheiros. E aconteceu em 1994 uns colegas pedirem-me para ajudar, porque eu trabalhava em alimentação. Eu era investigadora, não era para trabalhar receitas. As receitas são necessárias mas é o fim de um ciclo. Os meus colegas tinham de dar uns resultados de umas pessoas que tinham andado aqui a fazer inquéritos. E eles tinham de fazer um guia sociocultural da Serra do Caldeirão. Eu disse: não posso tratar dados de outras pessoas porque eu sou algarvia mas não conheço nada, só conheço de fora. Começou assim, uma urgência. Em poucos meses, tive de fazer um texto. Eu também mandei fazer algumas entrevistas gravadas, para as ouvir, para me inspirar, para saber arrumar os pratos. E logo ali, eu tive uma epifania em relação à comida. Nunca me passara pela cabeça fazer gastronomia mas pensei: “Um dia, quando tiver tempo, vou fazer sobre o Algarve”. 

E porquê o Algarve? 


avidaportuguesa.com/pt/

Há uma paixão por tudo, aqui. Não é só pelas pessoas, é pela terra. O Algarve é um Portugal em pequenino, de tão diverso. Não pode comparar Alcoutim e Castro Marim com Sagres ou Lagos ou Monchique. 

E a sua outra paixão, as ervas. 

Eu sou muito a pessoa das entrevistas, da escuta, da oralidade. E comecei a perguntar sobre as ervas. Onde é que utiliza o poejo, é cru ou é seco, antes ou no fim? Num livro que fiz sobre Alcácer do Sal, tomei consciência de que as ervas silvestres alimentares, como os catacuzes ou as acelgas, estavam a desaparecer. E, nessa altura, o David Lopes Ramos [então jornalista e crítico gastronómico do Público] disse-me: “as verduras estão na moda e [os chefs] andam sempre à procura das silvestres.” Entretanto, eu fiz outro projecto para um eco-museu de ervas, para domesticar e multiplicar plantas silvestres. Foi muito difícil, os javalis vinham destruir tudo, mas fizemo-lo, na Escola Agrícola de Vendas Novas, e deu origem a outro livro, em 2009, que esgotou. Um livro muito sério. 

DR

E o que aconteceu a esse eco-museu? 

Oh, já sabe. Aquilo é uma escola. Tudo dá muito trabalho, Deve lá estar abandonadíssimo. Tem de haver quem trate. As paredes existem, as plantas não sei. Mas, por acaso, o director da escola está-me a ajudar neste livro [um novo livro que está a preparar sobre ervas], porque eu retomo as receitas dele. 

E esse novo livro em que consistirá?

Vamos ter 82 plantas, o dobro, um trabalho doido. Mas estão feitas. Começámos a fazer as fotografias em 2017, com o fotógrafo Vasco Célio. A ideia é que as pessoas possam aprender a fazer o seu horto. Há um capítulo só sobre como cultivar um jardim comestível. 

E quando?

Sim, não vai cultivar coentros no Verão. Os coentros agora usam-se sempre. Mas nunca foi assim. Quando era miúda, os coentros comiam-se nas favas, nas ervilhas e na salada de alface. Na Primavera.

E como se vai chamar esse livro? 

“Alimentação, Natureza e Paisagem”. O subtítulo será “Plantas Silvestres Alimentares”. Eu quero chamar a atenção para a natureza, para a paisagem, o que se come e não se come. Porque as pessoas passam e não olham. Se quisermos ter mais saúde, temos mesmo de comer mais vegetais. Vegetais com qualidade. 


Fonte: @Eggas.pt

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