Jeribita-Moeda de troca, sete litros por um Escravo.
Carlos Eugênio Líbano Soares, Cândido Domingues e Carlos da Silva Jr
Jeribita – o emprego do nome para designar a cachaça data do século 16.
O poeta Gregório de Matos Guerra, o Boca do Inferno, já utilizava o apelido em sua obra.
Segundo o hitoriador Luiz Felipe de Alencastro, é provável que tenha surgido da bebida alcóolica produzida a partir do jeribá, ou jerivá, palmeira abundante no Nordeste do país.
Enquanto os traficantes reinóis usavam vinho de uva como moeda de troca, os “brasileiros” lançaram mão da jeribita para conseguir cativos em Angola. A cachaça era quatro vezes mais barata que o vinho, além de ser mais difícil de estragar ao longo da viagem transatlântica.
Jeribá, ou jerivá
Jerivá (Syagrus romanzoffiana) é um fruto de origem brasileira, nativo da Mata Atlântica, conhecido por vários nomes tais como Baba-de-boi, Coco-de-babão, Coco-de-cachorro, Coco-de-catarro, Coqueiro, Coqueiro-gerivá, Coquinho, Coquinho-de-cachorro, Gerivá, Jeribá, e Palmeira-jerivá.
Ele é encontrado em várias regiões brasileiras, principalmente no sudeste, centro-oeste e em alguns locais da região sul.
"De acordo com Azevedo, os índios são inseridos no mundo moderno ao substituírem suas bebidas tradicionais, sua embriaguez cerimonial, pela cachaça que servia de instrumento para convencê-los a suportar o trabalho escravo."
A cachaça era quatro vezes mais barata que o vinho, além de ser mais difícil de estragar ao longo da viagem transatlântica.
De acordo com Roquinaldo Ferreira, uma porção da bebida era servida aos escravos no café da manhã durante a travessia do Oceano. A bebida era tão lucrativa que gentes do Brasil montavam tabernas em Angola para faturar. 70% dos prédios em Luanda eram destes investimentos, destaca o historiador.
Foi controlando o comércio da cachaça que os “brasileiros” conseguiram quebrar o monopólio dos negociantes portugueses sobre o tráfico de escravos.
Era mais fácil adquirir escravos por meio da cachaça que pelos outros produtos também apreciados pelos africanos, como armas e panos indianos. Ferreira mostra que, em 1792, no principal mercado fornecedor de escravos para Luanda, a feira de Passante, bastavam sete litros da bebida para conseguir um cativo considerado de excelente qualidade. Em contrapartida, era necessário cinco armas portuguesas para adquirir um escravo. Além disso, era mais fácil para os comerciantes arrumar jeribita que armas 5.
Sem cachaça não tem escola
Poucos sabem que Portugal foi o primeiro país a fundar um sistema público de educação do Ocidente. Em 1772, o Estado passou a bancar desde a instrução primária até os estudos da Universidade de Coimbra.
O objetivo era racionalizar a educação, tirá-la do domínio dos jesuítas e inserir elementos científicos. Foi nesse momento inclusive que se propôs para os estudantes de medicina a dissecação de cadáveres, proibidos por D. João V.
Mas as reformas educacionais de D. José I, lideradas pelo Marquês de Pombal, precisavam de subsídios. Criou-se o Subsídio Literário. A cachaça que por sua vez era bastante usada para obter escravos no infame comércio de almas, passou a ser taxada, ao lado do vinagre, do vinho e da carne para se angariar fundos especiais que pudesse bancar o modelo de educação estatista.
Contudo, era nas regiões onde havia maior produção de cana de açúcar, matéria prima da cachaça, que possuíam mais aulas régias, por ser elas que mais pagavam impostos, já que dos produtos listados o mais lucrativo era a jeribita. De acordo com Luiz Carlos Villaça, Christianni Cardoso de Morais e João Paulo Martins, os maiores recursos para a educação eram extraídos da cachaça6.
A bebida que se tornou patrimônio nacional tem uma história controversa, pois, ao mesmo tempo em que sustentou a escravidão, financiou o primeiro sistema público do mundo Ocidental.
Contradições à parte, a cachaça continua sendo altamente tributada. 81,87% do preço de venda do destilado nacional é de imposto. Para investir em educação com certeza é que não é…
1 FERNANDES, J. A. Selvagens bebedeiras: álcool, embriaguez e contatos culturais no Brasil colonial (séculos XVI-XVII). São Paulo: Alameda, 2011, p. 15.
2 Id. P. 149.
3 Id. P. 206.
4 ALENCASTRO, L. F. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Cia das Letras, 2000. P. 313.
5 FERREIRA, R. Dinâmica do comércio intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos (século XVIII). In: FRAGOSO, J., BICALHO, M. F. e GOUVÊA, M. de F. O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. P. 350.
6 VILLAÇA, L. C., MORAIS, C. C. de. e MARTINS, J. P. As reformas pombalina e a instrução (1759-1777). In: FALCON, F. e RODRIGUES, C. A “Época Pombalina” no mundo luso-brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2015, p. 488.
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