Costume popular batiza ruas de Salvador

Por Elieser Cesar

Rebatizadas pela irreverência do povo, ruas de Salvador atiçam a imaginação popular; entre os nomes mais curiosos está o Beco do Mijo, onde se mija a toda hora, com muita desfaçatez e completa certeza de impunidade
Que rematado machão não gostaria de morar no Beco das Gostosas? Por outro lado quem, em sã consciência, preferiria o fedorento Beco do Mijo? Haveria algum problema conjugal se um homem do Pau Miúdo se cassasse com uma mulher da Curva Grande? Qual o melhor lugar para se viver com paz e tranquilidade: o Beco da Agonia , o Largo dos Aflitos ou o Beco das Quebranças? Cômicos, esdrúxulos e bizarros, todos esses nomes remetem logradouros públicos de Salvador, muitos deles rebatizados pelo costume popular em trocar nomenclaturas pomposas e oficiais por denominações mais fantasiosas, temperadas com a sátira e irreverência, desde os tempos da Velha Bahia.

Não importa se, no local, moram mulheres voluptuosas, como as rechonchudas da pintura renascentista, ou esqueléticas como uma top model radical, mas o Beco das Gostosas existe mesmo. 
Quem duvidar, basta passar em uma pequena transversal entre a Rua Professor Palma e os Perdões, em Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico de Salvador. Já o Beco do Mijo é como o povo rebatizou, por motivos óbvios, a Rua Curriaxito, entre o antigo prédio do jornal A Tarde e o Espaço Unibanco Glauber Rocha, na Praça Castro Alves. Ali se mija a toda hora, com muita desfaçatez e completa certeza de impunidade, numa cidade em que a Prefeitura prometeu multar e prender os mijões, mas até agora não conseguiu impedir a prática anti-higiênica e lamentável de urinar nas ruas. 

A Curva Grande é uma ladeira. com acentuado declive e sinuosa, que liga o bairro do Garcia à Avenida Centenário no centro da cidade.
O Pau Miúdo é um bairro populoso da periferia. 
O Largo dos Aflitos fica próximo ao Quartel do Comando da Polícia Militar, próximo à Rua Carlos Gomes. Já a Rua Corpo Santo é vizinha a um antro da perdição, como se dizia à moda antiga, a Ladeira da Montanha, que já abrigou os mais bordéis mais famosos da cidade, como de Samira e o 63 da cafetina China.

O turista que se dispuser a dar um passeio pelas ruas da cidade vai encontrar outros nomes estranhos: ladeiras do Molambo, da Misericórdia, da Preguiça e da Água Brusca; becos do Fuxico, do Funil, dos Barbeiros, do Mocotó e do Mingau, Largos do Desterro, do Curtume e dos Quinze Mistérios; ruas do Açouguinho, dos Algibebes, da Forca, da Faísca e Guindaste dos Padres, dentre outras.

Pela Rua da Forca (acesso à Praça da Piedade, vejam só a ironia histórica!), ainda nos tempos da Colônia, passavam os sentenciados que iam ser enforcados no prédio da Câmara e da Cadeia, na Praça Municipal.
No Pelourinho, Centro Histórico, fica a Rua das Laranjeiras, que tem uma história curiosa: nela morava um padre devasso, que suspeitava ser espionado por alguém que se escondia nas laranjeiras de seu quintal. Certa noite, o padre resolveu cortar as árvores e se deparou com o bisbilhoteiro de plantão.

Outro nome que atiça a imaginação popular é a Rua do Tira Chapéu, antes Rua Juliano Moreira. Como fica entre o Palácio Rio Branco, antiga sede do Governo do Estado, a Prefeitura e a Câmara, o povo humilde se habituou a tirar o chapéu para as autoridades e o hábito virou nome de rua.

População mudou os nomes das Avenidas de Vale

As Avenidas de Vale também tiveram seus nomes modificados. Tanto que muitos baianos da capital não sabem onde ficam as Avenidas Afrânio Peixoto, Presidente Castelo Branco, Reitor Miguel Calmon, Luiz Viana Filho, Mário Leal Ferreira, Coronel Graça Lessa e Rua Lafayette Coutinho, mas todos sabem responder se perguntarem, respectivamente, pela Avenida Suburbana. Vale de Nazaré, Vale do Canela, Avenida Paralela, Vale do Bonocô, Vale do Ogunjá e Avenida Contorno.


Cantada por Ari Barroso, a Baixa dos Sapateiros, por onde desfilou “a morena mais frajola da Bahia”, chama-se, oficialmente, Rua J. J. Seabra, mas poucos baianos sabem disso. Há outros topônimos que também despertam o imaginário dos soteropolitanos: Rua do Tijolo, Água de Meninos, Estrada da Rainha (pela qual, segundo o historiador Cid Teixeira, nenhuma soberana jamais passou), Campo da Pólvora, Mouraria, Alto do Coquerinho, Baixa do Fiscal, Ladeira da Lenha, Rua do Fogo e Largo do Queimadinho, dentre outros.

Todo esse terreno fértil para a imaginação levou o jornalista e pesquisador Luiz Eduardo Dórea a escrever o livro História de Salvador nos nomes das suas ruas, publicado em 2006 pela Editora da Universidade Federal da Bahia. Ah, sim, para ruas que despertam pensamentos pecaminosos, como o Beco das Gostosas, há a Rua do Céu. na Ribeira, próximo à Igreja do Bonfim. Pecado e confissão no espaço urbano de Salvador.

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