Raízes da jurubeba possuem substâncias que protegem o fígado, indica estudo
Estudos laboratoriais ainda são preliminares, mas trazem subsídios para que outras pesquisas continuem investigando as substâncias presentes nas raízes e suas propriedades.
A Solanum paniculatum L., ou jurubeba, foi testada em laboratório para o efeito hepatoprotetor (que protege funções do fígado) nas disfunções hepáticas, em estudo recente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP. Matheus Coutinho Gazolla, farmacêutico e responsável pela pesquisa, conta que seu estudo partiu da vontade de entender melhor qual a ação no fígado da jurubidina, uma das substâncias presentes nas raízes da planta, e também avaliar como se dava seu metabolismo.
Por isso, foram feitas simulações em laboratório das reações da substância em contato com o organismo de animais. Além de indícios positivos para o efeito hepatoprotetor, os pesquisadores identificaram outras quatro novas moléculas presentes na planta.
Estudo com animais
Em uma primeira etapa do estudo de hepatoproteção, Gazolla diz que foram avaliados os níveis de enzimas hepáticas na corrente sanguínea em animais testados. “Níveis aumentados dessas enzimas são indicadores de lesão hepática”, explica. De acordo com o pesquisador, os animais que receberam tratamento com extrato da raiz da jurubeba alcançaram um resultado melhor que o grupo de animais tratados com vitamina E, que tem reconhecida atividade hepatoprotetora.
Para a segunda etapa foi preciso fazer uma análise histopatológica, ou seja, uma comparação do tecido do fígado de animais que receberam o extrato de jurubeba com o de outros que não receberam esse tratamento. A avaliação das lâminas histológicas, comparando esses dois grupos de animais, mostrou que, nos grupos tratados com o extrato de jurubeba, a degeneração hepática foi menor do que no grupo controle. “Então, é possível ver nas lâminas histológicas uma melhor integridade do tecido hepático no grupo que foi tratado com o extrato de jurubeba”, afirma o pesquisador.
Resultados positivos não significam medicamentos
Apesar dos resultados positivos, Gazolla salienta que a pesquisa ainda é preliminar. Ele diz que ainda são necessários outros estudos para entender como as substâncias agem no organismo e qual é o mecanismo de ação que leva a essa atividade hepatoprotetora.
“O que eu fiz foi o primeiro passo, uma sementinha que lancei dentro do contexto dessa espécie e dessa classe de substâncias para que outros pesquisadores deem continuidade e realizem outros ensaios, que ainda são necessários para comprovar o benefício dessa planta. Depois também será necessário um estudo mais completo de eficácia e segurança.”
“É preciso entender que nessa parte da planta, e na planta como um todo, há centenas ou milhares de substâncias que exercem várias funções diferentes para a sobrevivência dela. Algumas dessas substâncias podem ter grande potencial de se tornar medicamentos, mas, por outro lado, há outras substâncias que podem ser tóxicas”, alerta Gazolla.
Orientador da pesquisa, o professor da FCFRP e farmacêutico Norberto Peporine Lopes aponta que qualquer passo em direção ao conhecimento de espécies brasileiras é uma grande contribuição para a fitoterapia, isto é, o tratamento de doenças a partir de substâncias oriundas de vegetais. Lopes conta que 90% das plantas que são utilizadas na fitoterapia no Brasil não são brasileiras, então os estudos na área se tornam “um passo muito importante para que cada vez mais o Brasil possa se utilizar das suas plantas endêmicas [de ocorrência natural] na fitoterapia”, complementa o professor.
OS ÍNDIOS BRASILEIROS E SEUS REMÉDIOS
Têm os tupinambás grande conhecimento da terra por onde andam, pondo o rosto no sol, por onde se governam; com o que atinam grandes caminhos pelo deserto, por onde nunca andaram [...] (Gabriel Soares de Sousa, Tratado descritivo do Brasil, p. 319)
A introdução, a partir do século XVI, das medicinas, drogas e alimentos vegetais do continente americano na Europa constitui, para muitos autores, um processo de importância histórica extremamente relevante.
Este processo não se dá somente para a evolução da medicina — e, por conseguinte, também da farmácia e da botânica. Entram em jogo, igualmente, questões econômicas, sociais e culturais.
As primeiras notícias e descrições sobre as plantas americanas apareceram na Europa através de obras espanholas, que muitas vezes resumiam-se a apenas breves menções das plantas encontradas no Novo México e regiões vizinhas, porém incluíam, também, descrições mais detalhadas, tanto a nível morfológico quanto medicinal.
.Imaginar, porém, que os povos nativos da América précolombiana tinham um sistema primitivo de medicina pode ser um erro conceitual muito grande.
Apesar de alguns historiadores, talvez menos cautelosos em suas análises históricas, afirmarem que estes povos utilizavam rudimentos de medicina, análises mais recentes têm tentado mostrar exatamente o contrário. Devemos redobrar a atenção ao julgar culturas e povos, principalmente quando se têm os olhos centrados em uma visão ocidental, basicamente europeizante.
A utilização das plantas medicinais pelas diversas etnias indígenas, particularmente no Brasil, parece ter seguido sistemas de identificação e emprego prático desconhecidos do colonizador europeu.
As culturas basicamente orais são apenas alguns aspectos que não nos permitem inferir, com segurança, que tipos de metodologias eram empregados pelos índios. Divagar sobre este ou aquele sistema, além de constituir terreno difícil de pesquisa e incabível em um trabalho como este, poderia levar-nos a rotas inseguras e com grandes chances de conclusões precipitadas e errôneas.
O contato com o europeu trouxe, entretanto, a introdução gradual e constante de novos medicamentos, alheios à cultura íncola. Como uma estrada de mão dupla, o europeu também beneficiou-se, gradativamente, da medicina praticada pelos silvícolas, incorporando às suas receitas e remédios componentes oriundos da flora nativa.
A riqueza da flora americana, discutida logo a seguir, que tanto encantou desde o primeiro desembarque, despertou no europeu, embora acanhadamente durante os primeiros duzentos anos de colonização, um interesse crescente sobre as propriedades e aplicações das ervas medicinais.
De fato, “o impacto que a natureza tropical causou nos primeiros europeus que aqui chegaram [...] não foi pequeno. Desavisados da abundância e da orgia germinativa de nossa fauna e flora, os europeus surpreenderam-se, e muito, com a quantidade e com a variedade de novas formas e tamanhos de animais e vegetais.
A “farmácia dos índios” e a tradição oral
Embora os indígenas brasileiros nunca tenham escrito uma linha sequer acerca de suas plantas, consideramos aqui o termo “farmácia dos índios” como sendo o conjunto de plantas medicinais utilizadas pelas diferentes etnias nativas do Brasil, de cujo conhecimento provavelmente aproveitaram-se jesuítas, holandeses e demais europeus que aqui se instalaram após a chegada dos primeiros colonizadores.
É corrente entre os historiadores a noção de que o conhecimento indígena acerca das plantas medicinais nativas despertou o interesse estrangeiro quase que imediatamente após o descobrimento do Brasil. A ipecacuanha, ou poaia, por exemplo, planta usada pelos índios brasileiros como emética e antidisentérica, foi exportada para a Europa em enormes quantidades, tornando-se rara, já no século XVII.
A transcrição da Triaga traz “jerubeda”. Entretanto, o manuscrito do mesmo documento cita as referências dos locais onde se encontrava a “jerobeba”.
A literatura consultada não faz menção alguma a qualquer tipo de planta com o nome vulgar “jerubeda”, ou análogo. Desta forma, partiu-se do princípio de que “jerubeda” pode ter sido grafia antiga ou errônea de “jerubeba”, de onde, provavelmente, podemos apreender o vocábulo popular jurubeba191.
Se assim o assumirmos, a jurubeba é planta nativa do Brasil.
Serafim Leite diz que a raiz de “jerobeba” podia ser encontrada na Bahia, em Pernambuco e no Rio de Janeiro192. Considerando-se, portanto, que se trata da jurubeba, conhecida atualmente como tônica e estimulante, e muito comum na região nordeste do Brasil, temos as seguintes espécies do gênero Solanum L. relacionadas a este nome popular: S. paniculatum L., S. aspero-lanatum R. & P. e S. variabile Mart. (todas da família Solanaceae193).
A espécie S. paniculatum, mencionada por G. Piso em 1658, que lhe deu o nome de Juripeba altera, é atualmente identificada como a jurubeba verdadeira. Recebe outros nomes, tais como jurupeba, juribeba, juripeba e jupeba
L. Ribeiro afirma que a “jurupeba ou jeroveva”, encontrada em Minas Gerais, é realmente a espécie S. paniculatum L.:
[...] as virtudes da raiz deste arbusto [Solanum paniculatum] são conhecidas por uma grande parte dos habitantes das Minas Gerais. É desobstruente: dissolve os grumos de sangue, que ocasionam as inflamações; expele as impuridades pelas urinas; resolve as concreções causadas pelo vírus escorbútico. Está acreditada por um dos melhores diuréticos.
J. M. C. Veloso menciona a mesma espécie em 1825 como sendo Solanum jubeba, é encontrada em estado espontâneo do Ceará ao Rio Grande do Sul. Na medicina popular de hoje, as folhas, frutos e especialmente a raiz são empregados como chás para as doenças do fígado, diabetes e icterícia, além de possuir as propriedades de tônica e estimulante do apetite, já mencionadas.
A espécie S. aspero-lanatum recebe os nomes populares de juveva, jurubeba, jurubebá e cardo-branco.
É comum de Minas Gerais e Rio de Janeiro até Santa Catarina. Tal como a espécie anterior, é utilizada no tratamento do fígado e em outras doenças.
A espécie S. variabile é popularmente conhecida como jurubeba-velame, jurubeba-da-boa e juveva. Seu epíteto específico, variabile, provém da grande variação da planta em vários locais onde cresce espontaneamente.
É encontrada nos mesmos locais citados para a espécie anterior, incluindo-se também o Rio Grande do Sul. Seu uso medicinal é análogo ao da espécie anterior (especialmente problemas de ordem hepática).
Na mesma família Solanaceae encontramos, ainda, duas subespécies200 da espécie S. fastigiatus Willd, que também re-cebem o nome de jurubeba: S. fastigiatum var. fastigiatum Willd. e S. fastigiatum var. acicularium Dunal. Ambas são encontradas espontaneamente apenas em Santa Catarina e Rio Grande do Sul201. Das informações constantes da Notícia breve dos lugares onde se achão alguns simpleces que compoem a Triaga sobredita202, mencionadas no início deste item, podemos inferir que há poucas chances destas subespécies de S. fastigiatus serem as jerubebas menciona- das na Triaga Brasílica, devido, obviamente, às disparidades geográficas existentes nas citações bibliográficas.
De qualquer forma, a “jerubeda” parece ser um acréscimo da flora brasileira, bastante difundido especialmente na região nordeste brasileira.
Os estudos com o extrato de jurubeba fazem parte da dissertação de mestrado Caracterização estrutural, atividade hepatoprotetora e metabolismo in vitro de alcaloides 3-aminoespirostanos de raízes de Solanum paniculatum L. (Solanaceae), de autoria do farmacêutico Matheus Coutinho Gazolla, orientada por Norberto Peporine Lopes, que foi defendida em junho de 2020 na FCFRP.
Usos Culinários
A jurubeba é uma planta nativa do Brasil, comum em área de queimadas, terrenos baldios e pastagens. Dela aproveita-se tudo – folhas, frutos e raízes. É mais conhecida pela sua ação no processo digestivo.
O fruto é amargo e pode ser consumido como alimento.
Como é nativa, seu cultivo é bastante fácil, adaptando-se em qualquer região. Para plantá-la basta recolher as sementes e jogar num local onde se queira cultivar. Ela cresce em forma de arbusto e pode atingir até 1 metro e meio de altura.
As folhas são bem verdes, e crescem alternadas. As flores são vistosas e lilases. O fruto é tipo baga.
A jurubeba tem propriedades cicatrizantes, combatendo lesões de pele. Deve ser preparada da seguinte maneira: adicione 1 copo de água em 1 colher (sopa) de folhas picadas.
Ferver em banho-maria por 10 minutos. Coar e misturar com 1 copo de mel. Aplica-se nas áreas lesadas da pele.
No sistema digestivo, a jurubeba estimula a produção de bile, auxiliando a digestão. Para isto deve-se colocar 30 frutos e 2 ou 3 paus de canela em 1 litro de vinho, de preferência licoroso. Deixar macerando por 10 dias. Após, filtrar e tomar 1 cálice às refeições.
Como digestivo, pode ainda ser preparado da seguinte maneira: picar e ferver 4 pedaços pequenos de raiz em 2 xícaras (chá) de água. Coar e misturar com o suco de 1 limão. Tomar 2 a 3 vezes ao dia.
Ao se tilizar internamente, sugere-se para crianças com até 5 anos 1/3 da dose, e para crianças com mais de 5 anos, a metade.
Na culinária, o sabor amargo do fruto da jurubeba pode dar um gosto especial se cozida junto com arroz. Outros preferem prepará-la em forma de conserva.
Efeitos colateraisQuando utilizado em excesso, pode causar irritação gastrointestinal.
Fontes‘‘Noções sobre o organismo humano e utilização de plantas medicinais’’, uma publicação da Universidade Estadual de Maringá.
Mais informações: e-mail matheusgazolla0608@gmail.com (Matheus Gazolla) ou npelopes@fcfrp.usp.br (Norberto Peporine)
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