Projeto de agroecologia no sul da Bahia ganha chamada pública do BNDES
Carmen Vasconcelos
carmen.vasconcelos@redebahia.com.br
Imagine a possibilidade de cultivar frutos de excelência em larga escala, respeitando a Mata Atlântica nativa, com ganhos para os pequenos agricultores e para as empresas beneficiadora do cacau.
Mais que o sonho do desenvolvimento sustentável, essa é uma realidade vivida por 140 famílias de agricultores do sul da Bahia, por meio do projeto Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) Sustentável, criado em 2020, pela organização Tabôa, em parceria com os institutos Arapyaú e Humanize e o Grupo Gaia. O projeto, inclusive, acabou de ser contemplado com o primeiro lugar na chamada pública do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para um novo modelo de financiamento dos projetos socioambientais do banco: o “BNDES Blended Finance”.
De acordo com a diretora da Arapyaú, Thaís Ferraz, com a contemplação, a ONG receberá do BNDES um aporte de R$ 4 milhões para aplicar no projeto. “A primeira etapa do projeto provou que a junção do crédito e da assistência técnica trazem melhora de renda para as famílias e melhora para o cacau. Nessa nova etapa, queremos ampliar o auxílio para 400 famílias na Bahia e na Amazônia Legal”, completa.
Vale salientar que o CRA foi concebido a partir do modelo de blended finance, que mescla recursos de investidores do mercado e de organizações filantrópicas, que contribuem para a viabilidade econômica da operação. "O blended finance vem ganhando espaço no mundo inteiro, pois mitiga riscos e consegue atrair investidores tradicionais para operações socioambientais, que costumam dar retornos de longo prazo e têm desafios sociais e ambientais complexos para lidar", afirma Thais.
Potências
Morador do assentamento Dois Riachões, localizado em Ibirapitanga, desde 2015, Rubens Costa de Jesus,34, e a esposa integram o conjunto de famílias beneficiadas pelo projeto. Ele lembra que, antes de 2019, as famílias do assentamento não acessavam crédito porque as exigências de documentação do modelo convencional de crédito agrícola os colocava numa situação bem difícil.
“Além disso, o acompanhamento técnico possibilita que a gente elabore um planejamento de investir só onde precisa, nem mais e nem menos. Assim, fica mais fácil honrar o crédito assistido, que está divido em três anos”, afirma o agricultor.
Rubens diz eu além do cacau, o programa de acompanhamento possibilita investir em diversidade de culturas, que são comercializadas em feiras agroecológicas. “Hoje, a gente trabalha com mais de 30 itens e acho que o programa deu certo porque ele se baseia nas necessidades reais do agricultor”, avalia.
Fábio Oliveira Santiago também comemora a atuação do trabalho na linha agroecológica, que possibilita uma produção maior em quantidade e qualidade. “Todo o suporte possibilita que façamos um investimento certo para não ter prejuízo adiante”, completa.
Fábio destaca que a atuação do programa permitiu que os agricultores do assentamento Dois Riachões, por exemplo, investissem na estrutura de beneficiamento das amêndoas do cacau e criassem até uma pequena fábrica de chocolate. “Conseguimos nos livrar da ação dos atravessadores e vendemos direto para as fábricas e para o público final”, comemora.
Ampliação em 2023
A expectativa dos gestores do projeto é que, ao longo do próximo ano, haja uma ampliação das famílias mapeadas e que novos critérios de participação sejam definidos. Para garantir que o projeto permaneça sustentável e que possa crescer, o projeto vem aplicando uma ferramenta que é a garantia solidária, onde as famílias de diferentes assentamentos se ajudam para garantir que o crédito investido volte a ajudar novos grupos.
Além do cacau, cultivado no sistema cabruca, os agricultores que integram o projeto também recebem suporte para investir na diversidade de culturas, como as bananas, pimenta do reino e outras (Foto: Ana Lee/Divulgação)
“O projeto possibilitou que pessoas que nunca conseguiam acessar crédito, pudessem fazer uso do recurso, então para garantir o pagamento, os vizinhos se unem para que não falte crédito para ninguém e, dessa forma, asseguramos uma inadimplência que fica inferior a 1%”, comemora Thais.
O relatório da ONG Tabôa apontou uma melhora de 38,9% na renda bruta média dos agricultores familiares que acessaram crédito na primeira rodada. O resultado é explicado pelo aumento da produtividade - que cresceu em média 36,2% - e da produção para o mercado de qualidade do cacau. Entre os que produziram cacau de qualidade, que é vendido com um prêmio sobre o preço da commodity no mercado, esse incremento foi ainda maior: 58,6%, em média. Nesse período, o número de produtores de cacau de qualidade saltou de 16 para 44, um crescimento de 157%.
"O CRA não foi feito para substituir as políticas públicas de financiamento rural, mas, sim como uma demonstração de que é possível criar processos mais inclusivos e simplificados de acesso ao crédito e, ao mesmo tempo, garantir baixa inadimplência", finaliza Roberto Vilela, diretor-executivo da Tabôa.
Para acessar os recursos, os produtores se comprometeram a não ter trabalho infantil e a preservar áreas de proteção permanente, como beira de rios e córregos,encostas e nascentes. Todos os agricultores produzem o cacau no sistema cabruca, em que o fruto é cultivado à sombra das árvores, mantendo a Mata Atlântica em pé. Estudo recente, resultado de uma parceria entre Arapyaú, Dengo Chocolates, World Resources Institute (WRI) e Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) mostrou que a cabruca é capaz de estocar, em média, 66 toneladas de carbono por hectare. Além do estoque de carbono, as cabrucas contribuem para a manutenção da biodiversidade e a oferta de água.
O programa incentivou também o empoderamento socioeconômico na agricultura familiar, com a inclusão de mulheres, jovens e assentados. Do total de beneficiados, um terço era mulheres e 75% assentados rurais. A maioria dos agricultores tinha uma propriedade de oito hectares e, quase metade, tinha jovens envolvidos na produção rural.
Fonte: Correio da Bahia 19/12/2022
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