A fábula do cego Hermann Hesse


Durante os primeiros anos do hospital para cegos, como se sabe, todos os reclusos tinham os mesmos direitos e as suas pequenas questões eram resolvidas por maioria simples, colocando-os em votação. Com o tato, eles sabiam distinguir moedas de cobre e prata, e nunca foi o caso de qualquer um deles confundir o vinho Moselle com o vinho da Borgonha.

Seus narizes eram muito mais sensíveis do que seus vizinhos videntes. Sobre os quatro sentidos conseguiram estabelecer raciocínios brilhantes, isto é, sabiam deles o quanto há para saber, e assim viveram calmos e felizes na medida em que tal coisa é possível para os cegos.

Infelizmente, aconteceu então que um de seus professores declarou a alegação de saber algo concreto sobre o sentido da visão. Ele fez discursos, agitou-se o mais que pôde, ganhou seguidores e, finalmente, conseguiu se tornar o chefe do Clã dos Cegos. Ele fazia palestras sobre o mundo das cores e, a partir daí, tudo começou a dar errado.

Este primeiro ditador de cegos começou criando um círculo restrito de conselheiros, por meio do qual assumiu todas as esmolas. 

A partir de então ninguém mais poderia se opor a ele, e ele determinou que as roupas de todos os cegos eram brancas. Eles acreditaram e falavam muito sobre suas lindas roupas brancas, embora nenhum deles usasse essa cor. Então o mundo zombou deles, então eles reclamaram com o ditador.

Ele os recebeu de muito mau humor, tratou-os como inovadores, libertinos e rebeldes que adotaram as opiniões tolas das pessoas que enxergavam. Eram rebeldes porque, sem precedentes, ousavam duvidar da infalibilidade de seu chefe. Essa questão levou ao surgimento de dois partidos.

Para acalmar o ânimo, o alto príncipe dos cegos emitiu um novo édito, declarando que as roupas dos cegos eram vermelhas. Mas isso também não era verdade; nenhum cego usava vestes vermelhas. 

A zombaria aumentou e a comunidade cega reclamava cada vez mais. O chefe ficou furioso e outros também. A batalha durou muito tempo e não houve paz até que os cegos decidiram suspender temporariamente todo o julgamento sobre as cores.

Um surdo que leu essa história admitiu que o erro do cego consistiu em ousar comentar as cores. De sua parte, porém, manteve a convicção de que os surdos eram as únicas pessoas autorizadas a opinar sobre a música.


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Autor : Herman Hesse. Título :  Mundo pequeno . Editora : Navona. Venda :  Amazon  e  Book House

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