GIROBA: A BEBIDA FERMENTADA DOS TUPINAMBÁS DE OLIVENÇA

Fruto da fermentação da mandioca mansa (Manihot esculenta Cranzt), normalmente aipim ou mandioca Caravela, ambas com um nível de cianeto baixo, a partir da raiz fresca, é produzido um vinho ou cerveja ao que os Tupinambá de Olivença chamam de giroba é uma bebida branca e leitosa.

Apesar da giroba ser líquida, para os Tupinambá de Olivença é “bebida como um alimento, uma alimentação”, de uma forma muito mais literal do que acontece, por exemplo, com o leite materno, sobre o qual se diz que alimenta o nenê, mas não que se come leite materno. 

Histórica e culturalmente os índios que habitam atualmente na região de Olivença pertencem inequivocamente à grande família Tupi, ainda que não estejamos aqui a recorrer ao termo Tupi como uma categorização lingüística, mas como uma identificação social, cultural e histórica, já que os Tupinambá de Olivença não falam qualquer derivação da língua Tupi.


"Este gentio é muito amigo do vinho, assim machos como fêmeas, o qual fazem de todos os seus legumes, até da farinha que comem; mas o seu vinho principal é de uma raiz a que chamam aipim, que se coze, e depois pisam-na e tornam-na a cozer (...); a esta água e sumo destas raízes lançam em grandes potes, que para isso têm, onde este vinho se coze, e está até que se faz azedo”

(Gabriel Soares de Sousa, “Que trata do modo de comer e do beber dos tupinambás”. In: Tratado descritivo do Brasil em 1587, p. 311).

A história de ocupação e significação do território habitado pelos Tupinambá de Olivença é importante para situar a sua existência na atualidade. A região de Olivença é habitada sensivelmente por 2500 índios e 11.000 não-índios.

Olivença está hoje conectada à cidade de Ilhéus e ao pequeno centro urbano e rural de Una, a cerca de seis quilômetros ao sul, ao mesmo tempo que os índios habitantes das regiões de fronteira montanhosa têm vindo a criar relações com outros centros urbanos, entre os quais se destaca Buerarema. 

Os Tupinambá de Olivença vivem em sete localidades, junto da costa, numa faixa significativa do território, os Tupinambá são os mais exímios extrativistas de piaçaba das palmeiras que nessa região são nativas. 

O trabalho agrícola realizado pelos Tupinambá de Olivença está normalmente associado ao cultivo de mandioca. 

O processamento de mandioca para fazer farinha foi um recurso laboral de grande sucesso na década de 1960, tendo começado com a iniciativa de um fazendeiro que se apercebeu da mais-valia da mão-de-obra indígena, pro￾duzindo farinha para venda. Nessa época mais ainda do que atualmente, muitos índios fabricavam e vendiam diretamente a sua farinha.

O reconhecimento da qualidade da farinha produzida na região de Olivença e muito especificamente em Sapucaeira é uma garantia de escoamento do produto no mercado de Ilhéus.

Numa região onde a produção de mandioca é muito comum e historicamente profunda a fama ganha pela farinha dos Tupinambá de Olivença projeta-se na tabuleta de um comércio de venda de farinha num bairro popular de Ilhéus onde se chamam clientes anunciando: “vendemos farinha de Sapucaeira”

MANIVA "De comer e beber"

Alimentar-se envolve inevitavelmente ingerir um qualquer preparado de mandioca. Põe-se farinha de mandioca em água ou caldo de peixe para fazer pilão, ou para fazer escaldado, come-se farinha com coco, farinha no café, aipim cozido pela manhã.

O beiju não é apenas mais um alimento, mas um dos preferidos pelos Tupinambá, estando ligado a diversas elaborações simbólicas.

Os Tupinambás de Olivença

Os Tupinambá de Olivença vivem na região de Mata Atlântica, no sul da Bahia. Sua área situa-se a 10 quilômetros ao norte da cidade de Ilhéus e se estende da costa marítima da vila de Olivença até a Serra das Trempes e a Serra do Padeiro.

A vila hoje conhecida como Olivença é o local onde, em 1680, foi fundado por missionários jesuítas um aldeamento indígena. Desde então, os Tupinambá residem no território que circunda a vila, nas proximidades do curso de vários rios, entre os quais se destacam os rios Acuípe, Pixixica, Santaninha e Una.

O território que os Tupinambá de Olivença habitam reproduz um conjunto multifacetado de uso dos recursos naturais que é intrínseco à sua forma de habitação dispersa, mas a mandioca e seus derivados ganham um lugar de destaque na sua vida. 

Alimentar-se envolve inevitavelmente ingerir um qualquer preparado de mandioca.

Põe-se farinha de mandioca em água ou caldo de peixe para fazer pilão, ou para fazer escaldado, come-se farinha com coco, farinha no café, aipim cozido pela manhã.

Em suma, o cultivo e alimentação ligados com a mandioca ocupam um lugar central na vida dos Tupinambá, inscrevendo-se em disposições alimentares que fazem desejar certos alimentos, entre estes está a cerveja de mandioca.

A manhã fatal chegava com o fim do cauim na noite anterior: bebida e comida não se

misturavam -para os Tupinambá uma coisa era cantar e beber, outra era matar e comer.

Levado ao terreiro, pintado e decorado, preso pela mussurana, o cativo esperava seu carrasco

que, portando um diadema rubro e o manto de penas de íbes vermelha, aproximava-se de sua

presa, imitando uma ave de rapina. Recebia a maça, a ibirapema, das mãos de um velho

matador, e então tinha início o famoso diálogo ritual com a vítima. (Fausto 1992: 391/392)

Giroba Ritual

"Para um tupinambá, a guerra, que implicava na captura, morte e ingestão de um cativo, significava a perpetuação da memória do grupo, o sacrifício do prisioneiro sendo a condição primordial para a manutenção da vida social do mesmo. 

A vingança, como perceberam, perspicazmente, os cronistas e missionários, constituía a forma pela qual os Tupinambá asseguravam a continuidade do ciclo vital. 

Deste modo, vingar um parente morto representava o cumprimento deste ciclo e mobilizava a sociedade como um todo.

A cauinagem consiste no ritual da preparação e posterior consumo do cauim, bebida fermentada à base de mandioca, milho ou frutas que, após serem mastigadas e postas para descansar num recipiente, atingem determinado grau de fermentação em presença da saliva. 

Os Tupinambá de Olivença, segundo sua tradição oral, em passado recente preparavam a giroba, tipo de cauim consumido durante suas festas tradicionais, A Giroba"

Maria Rosário Gonçalves de Carvalho

A giroba é quase invariavelmente preparada por mulheres e sempre a pedido de outrem. Como em muitos outros contextos ameríndios, a ligação entre quem prepara e quem consome giroba é muito freqüentemente intermediada pela relação entre esposa e esposo. 

Este fato tem levado diversos antropólogos a notar a importância desta bebida na complementaridade das relações entre sexos, particularmente no casamento.

A preparação da giroba pode ser feita por várias mulheres. Inicia-se com a raspagem do aipim, que é de seguida colocado numa panela a cozer no fogo, até que amoleça. Deixa-se depois esfriar e verte-se num pilão ou um recipiente de alumínio. 

Os Tupinambá preferem o pilão de madeira, mas nem sempre as unidades domésticas possuem um pilão suficientemente grande para amachucar a quantidade mínima de vinte litros de giroba que se faz de cada vez.

À medida que se vai pisando o aipim, junta-se água, sendo necessário ser bastante vigoroso nesta tarefa porque o aipim, depois de cozido, deita uma goma que vai grudando a massa ao tacho – tarefa facilitada com o pilão, porque a massa se descola damadeira.

A massa volta então ao fogo para ligar, após o que é vertida para uma vasilha. Este é o momento crucial do processo, pois é neste repouso que a bebida vai fermentar.

O fato do recipiente ser de barro ou de no passado se verter a bebida em cabaças de grandes dimensões (sobre as quais falaremos mais à frente) são os diversos elementos implicados na fermentação.

Os Tupinambá de Olivença associam a maior fermentação da bebida ao sabor mais amargo, isto é, “azedo” e por isso falam em “giroba doce” e “giroba azeda”.

Este último termo é quase um pleonasmo, já que por definição a giroba é para os Tupinambá uma bebida fermentada e azeda, mas a diferença está em que em alguns casos se adiciona açúcar. 

Os Tupinambá de Olivença fazem ainda menção especial à “giroba de três dias”, reforçando uma correlação direta entre o tempo de repouso da bebida (ao calor do clima da região, sem qualquer preocupação de refrigeração) e o aumento do grau de fermentação. Apesar de esta exposição à temperatura ambiente já assegurar uma temperatura tépida, a etapa final da preparação da giroba consiste em “esquentar” a bebida antes de beber, porque os Tupinambá de Olivença têm uma preferência muito explícita por beberem a giroba.

O Fogo e a Giroba

A relação entre o fogo e a giroba é estreita a muitos níveis. Apesar da giroba ser líquida, para os Tupinambá de Olivença é “bebida como um alimento, uma alimentação”, de uma forma muito mais literal do que acontece, por exemplo, com o leite materno, sobre o qual se diz que alimenta o nenê, mas não que se come leite materno. 

No caso da giroba as expressões usadas para descrever o seu consumo são, literalmente, “comer giroba”.

De fato, o valor nutritivo e fortificante da giroba começa por se explicar pelo fato de ser a bebida que substitui o leite materno no período de desmame.

Os viajantes europeus Léry, Thevet, Gabriel de Sousa e Montaigne fazem referência na costa brasileira no século XVI, e explicitam o fato da bebida ser aquecida antes de se beber, porque os Tupinambá preferiam tomá-la morna:

“Quando querem divertir-se e principalmente quando matam com sole￾nidade um prisioneiro de guerra para o comer, é seu costume (ao con￾trário do que fazemos com o vinho que desejamos fresco e límpido) beber o cauim amornado e a primeira coisa que fazem as mulheres é um pequeno fogo em torno dos potes de barro para aquecer a bebida”ao  este mesmo procedimento e, mais ainda, ao seu significado cultural para os Tupinambás.

Entre os Tupinambá de Olivença são múltiplas as formas de insistir nesta preferência pela bebida morna, muitas vezes afirmada sob subterfúgios “Quem quiser bebe frio, quem não quiser esquenta. Aí fica gostosa!” ou, pelo contrário, de forma peremptória: “não usamos fria, só quente mesmo!”. 

A preferência pela temperatura amornada da bebida fica bem clara tanto nas práticas atuais como nas descrições relativas ao passado: “Deixava azedar e de manhã esquentava e bebia.

Muitas são as histórias autobiográficas de adultos que recordam como na infância recuperaram de fases de maior fragilidade física com a ingestão de giroba. 

Desde que o processo de reivindicação da terra indígena Tupinambá de Olivença começou em 2003 tem vindo a aumentar o consumo de giroba nas reuniões e a expandir-se para consumidores mais jovens que não a bebiam ou preparavam usualmente.

O efeito de exo-bebida desta cerveja de mandioca fica aqui, portanto, explicitada, assim como a identificação do consumo de giroba com ocasiões de convívio de sociabilidade alargada, mas de natureza não-festiva e não-ritual.


Tem ensino superior em artes e linguagens pela Uneb. Professor formador da língua Tupy. Formado em Juristas Leigos pela AATR, artesão, agricultor, extrativista, pescador e bioconstrutor. 

@caciqueramontupinamba

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