Livro resgata pratos dos cadernos de receita do início do século 20
Pesquisadora reuniu mais de 50 receitas de doces e salgados passadas de geração em geração no livro 'Doces Lembranças: Cadernos de receita e comensalidade'
Partindo da deliciosa ideia de que a comida pode contar tantas histórias quanto há de grãos de arroz em uma garfada, a professora e pesquisadora Solange Demeterco debruçou-se sobre 576 receitas de salgados e 1.625 de doces em cadernos de receita de mulheres que viveram – e cozinharam muito – de 1900 a 1950.
Para entender o que comia o curitibano naqueles idos, em que os imigrantes já estavam integrados à economia e sociedade e também os primeiros restaurantes surgiam após o boom do café no norte do Paraná, a trajetória da pesquisadora pulou da graduação em Ciências Sociais para um mestrado e doutorado em História da Alimentação.
Hoje é professora de Sociologia, Sociedade Contemporânea e História e Cultura da Gastronomia no curso de Gastronomia da Opet.
A tese virou o livro “Doces Lembranças: Cadernos de receita e comensalidade”, publicado em 2016 pela editora curitibana Máquina de Escrever, e reúne mais de 50 receitas encontradas em 34 cadernos guardados há tantas décadas por cozinheiras de mão cheia.
A maioria dos preparos que replicou no livro, como sugere o título, são de sobremesas, como sorvetes, pudins e principalmente bolos, porque é preciso de mais precisão nos ingredientes e medidas. Porém, algumas são escritas como lembretes: apenas uma lista de ingredientes ou sequência de passos sem precisão de quantidades. “Mais do que receitas, nestes cadernos há poesias, anotações diversas, dicas de economia doméstica, enfim, pedaços do universo daquelas pessoas naquele tempo”, conta Solange.
Como professora, em seus estudos e pesquisa nas disciplinas ela e defende que o alimento, a partir do momento em que é considerado comida, vira um produto cultural. “Pode-se recontar a história da humanidade por meio do alimento.
Na gastronomia é fundamental que se conheça os fundamentos sociais e históricos ligados à produção, distribuição e consumo de alimentos.
Os alunos precisam conhecer a história da cozinha, vista tanto como o conjunto dos hábitos e padrões alimentares de um grupo ou país, quanto como espaço privilegiado para se analisar as mudanças e permanências que marcam a gastronomia”.
A escolha por cadernos de receita não foi por acaso.
“São repositórios de histórias de famílias que mantêm tradições ligadas aos hábitos alimentares. Encontrei não só receitas que ao longo do tempo se tornaram importantes para o universo pesquisado, mas também histórias de momentos das mulheres e famílias curitibanas”, diz Solange.
No início do século 20, o cenário era mais inibidor pra uma mulher participar da vida pública, então suas identidades eram construídas no âmbito do lar.
“A questão de gênero apareceu com força na pesquisa porque o conhecimento culinário muitas vezes era o que ajudava essas mulheres, que em sua maioria não trabalhava fora de casa. Por meio da execução de uma receita cujo conhecimento só elas detinham, estabeleciam uma relação e poder em seu grupo social.
Elas se sentiram muito animadas quando perceberam que alguém estava valorizando aquele conhecimento que elas tinham e que por meio dele poderiam ser reconhecidas”, comenta.
O trabalho de pesquisa lhe rendeu situações inesquecíveis, como ser recebida com bolos, cafés e outros quitutes, que as senhoras, entre seus 65 e 75 anos, preparavam especialmente para receber Solange. “Foi notória também a mudança que algumas delas mostraram em seu estado de ânimo.
Foram aos poucos se arrumando mais para me esperar, preparavam o “cenário” e já deixavam seus cadernos na mesa para que eu pudesse trabalhar. Eu tinha que pesquisar em suas casas porque tinham muito receio que eu perdesse ou danificasse o material”, conta. “Suas histórias estão muito ligadas à história da família: marido, filhos, netos. Se uma determinada receita era a preferida do marido e havia se tornado uma referência importante para a família, quando ficavam viúvas deixavam de executar porque “não tinha mais graça”.
E por causa desse afeto relacionado é que se observou a predominância de doces nos cadernos de receitas”, diz.
*** Serviço A tese está disponível no acervo da UFPR no link. Já o livro é encontrado nas Livrarias Curitiba pelo valor de R$ 72.
Na foto: Konrahd Karam/Divulgação O “bolo de laranja à minha moda” é uma das receitas que estão no livro “Doces Lembranças”, ela foi encontrada em um caderno de receitas de 1932. |
Partindo da deliciosa ideia de que a comida pode contar tantas histórias quanto há de grãos de arroz em uma garfada, a professora e pesquisadora Solange Demeterco debruçou-se sobre 576 receitas de salgados e 1.625 de doces em cadernos de receita de mulheres que viveram – e cozinharam muito – de 1900 a 1950.
Para entender o que comia o curitibano naqueles idos, em que os imigrantes já estavam integrados à economia e sociedade e também os primeiros restaurantes surgiam após o boom do café no norte do Paraná, a trajetória da pesquisadora pulou da graduação em Ciências Sociais para um mestrado e doutorado em História da Alimentação.
Hoje é professora de Sociologia, Sociedade Contemporânea e História e Cultura da Gastronomia no curso de Gastronomia da Opet.
A tese virou o livro “Doces Lembranças: Cadernos de receita e comensalidade”, publicado em 2016 pela editora curitibana Máquina de Escrever, e reúne mais de 50 receitas encontradas em 34 cadernos guardados há tantas décadas por cozinheiras de mão cheia.
A maioria dos preparos que replicou no livro, como sugere o título, são de sobremesas, como sorvetes, pudins e principalmente bolos, porque é preciso de mais precisão nos ingredientes e medidas. Porém, algumas são escritas como lembretes: apenas uma lista de ingredientes ou sequência de passos sem precisão de quantidades. “Mais do que receitas, nestes cadernos há poesias, anotações diversas, dicas de economia doméstica, enfim, pedaços do universo daquelas pessoas naquele tempo”, conta Solange.
Como professora, em seus estudos e pesquisa nas disciplinas ela e defende que o alimento, a partir do momento em que é considerado comida, vira um produto cultural. “Pode-se recontar a história da humanidade por meio do alimento.
Na gastronomia é fundamental que se conheça os fundamentos sociais e históricos ligados à produção, distribuição e consumo de alimentos.
Os alunos precisam conhecer a história da cozinha, vista tanto como o conjunto dos hábitos e padrões alimentares de um grupo ou país, quanto como espaço privilegiado para se analisar as mudanças e permanências que marcam a gastronomia”.
A escolha por cadernos de receita não foi por acaso.
“São repositórios de histórias de famílias que mantêm tradições ligadas aos hábitos alimentares. Encontrei não só receitas que ao longo do tempo se tornaram importantes para o universo pesquisado, mas também histórias de momentos das mulheres e famílias curitibanas”, diz Solange.
No início do século 20, o cenário era mais inibidor pra uma mulher participar da vida pública, então suas identidades eram construídas no âmbito do lar.
“A questão de gênero apareceu com força na pesquisa porque o conhecimento culinário muitas vezes era o que ajudava essas mulheres, que em sua maioria não trabalhava fora de casa. Por meio da execução de uma receita cujo conhecimento só elas detinham, estabeleciam uma relação e poder em seu grupo social.
Elas se sentiram muito animadas quando perceberam que alguém estava valorizando aquele conhecimento que elas tinham e que por meio dele poderiam ser reconhecidas”, comenta.
O trabalho de pesquisa lhe rendeu situações inesquecíveis, como ser recebida com bolos, cafés e outros quitutes, que as senhoras, entre seus 65 e 75 anos, preparavam especialmente para receber Solange. “Foi notória também a mudança que algumas delas mostraram em seu estado de ânimo.
Foram aos poucos se arrumando mais para me esperar, preparavam o “cenário” e já deixavam seus cadernos na mesa para que eu pudesse trabalhar. Eu tinha que pesquisar em suas casas porque tinham muito receio que eu perdesse ou danificasse o material”, conta. “Suas histórias estão muito ligadas à história da família: marido, filhos, netos. Se uma determinada receita era a preferida do marido e havia se tornado uma referência importante para a família, quando ficavam viúvas deixavam de executar porque “não tinha mais graça”.
E por causa desse afeto relacionado é que se observou a predominância de doces nos cadernos de receitas”, diz.
*** Serviço A tese está disponível no acervo da UFPR no link. Já o livro é encontrado nas Livrarias Curitiba pelo valor de R$ 72.
Comentários
Postar um comentário