Africanos e Baianos enriqueceram mutuamente suas culturas culinárias.

Além de ser um simbolo da presença negra no Brasil, a culinária da Bahia, também influenciou a culinária da diáspora Africana. 

A "benção papai" ou bom dia", até hoje são expressões ouvidas do outro lado do atlântico, bem como todo mês de janeiro, as tradicionais homenagens a Nosso Senhor do Bonfim que ocorrem em Salvador, podem ser festejadas no sul do Benin.

Separados por um oceano, marcados pelo estigma da escravidão, deixando claros os laços culturais que carregam em sua memória afetiva, a presença da cultura brasileira, com pratos que há séculos aproximam a Bahia da África. 



O intenso comércio de negros escravizados vindos de muitas partes da Africa, criou um fluxo de comercio entre o Brasil e a Africa, deixando fortes marcas na culinária do golfo do Benin. Pratos como a "Feijoada", a “Mouqueca” e o "Arroz doce" "Grude"; na arquitetura, nos bairros brasileiros de Lagos, Porto Novo e Uidá, que exibem os casarões do Brasil colonial; no folclore da burrinha, que é até hoje dançada no Benin, como parte das celebrações de Nosso Senhor do Bonfim; e mesmo da língua, perdida em sua maior parte, mas ainda presente no vocabulário doméstico, em palavras e expressões como "Burro" "Boa Viagem"a benção Yayá”, “Bom dia”ou “Viva Brasileru!

Nigerian Akara  Foto:Audrey Johnson

Durante o século XIX muitos afro-brasileiros retornaram à África, sobretudo para a região do Golfo do Benin (Benin, Nigéria, Togo, Gana). 

As idas e vindas de libertos entre a Bahia e Lagos seria um tema retomado nos anos 1940 pelo pesquisador norteamericano Lorenzo Turner, também o fotografo e etnólogo Pierre Verger até sua morte, em 1996, aos 94 anos, foi pioneiro na documentação dos agudás. 
Nos anos 1950, disposto a estudar o fluxo e o refluxo de escravos entre os dois continentes, Verger iniciou-se em ritos ancestrais e fotografou pessoas e eventos que expressavam uma ligação cultural viva e recíproca entre a África e o Brasil. 
Verger aprofundou a questão com mais detalhe, apontando para o grande número de africanos que saíram do Brasil, expulsos ou de modo próprio, após a Revolta dos malês e documentando a existência, nos anos 1950, de uma identidade brasileira em várias cidades do Golfo do Benim, a qual persiste até hoje.


Segundo Pierre Verger (2002), os Brasileiros que voltavam à região da África Ocidental provocavam sentimentos hostis da população local, como se pode verificar nos romances, porque se consideravam diferentes e superiores aos que lá permaneceram.

"Esses africanos e descendentes de africanos, tendo vivido no Brasil, principalmente na Bahia, voltaram para a África com costumes, hábitos, modos de vida que tinham adquirido em terra estrangeira aos quais se tinham ligado para sempre (...). Eles levaram para a África o gosto pela farinha de mandioca, pela goiabada, pelas comidas brasileiras, pelos hábitos brasileiros. 
Perpetuaram na África devoções como a do Senhor do Bonfim e festas, com danças e cantos, muito brasileiras, já mestiçadas ( VERGER, 2002, p. 632)."


Viagem de Cascudo à África Ocidental, em 1963







"Gilberto Freyre: estes retornados já estavam bastante mestiçados. "



" A história dos repatriados é tematizado por Antonio Olinto em seus romances centrados numa figura de mulher brasileira que retorna, Mariana é a protagonista do primeiro volume da trilogia de  A alma da África, que inclui A casa da água, O rei de Keto e O trono de vidro
A alma da África, que inclui A casa da água, O rei de Keto e O trono de vidro, trilogia de Olinto

As estimativas são perversas, acredita-se que em torno de 10 mil escravos libertos retornaram à África no decorrer do século XIX , os principais motivos foram a estagnação econômica, medo do estado,  de represálias por parte de revoltosos ou mesmo por voltares a ser escravizados. 
Após a Revolta dos malês em 1835, o governo provincial da Bahia chegou a cogitar a deportação de todos os africanos libertos, mas, tendo expulsado alguns considerados suspeitos de conspirar, acabou se limitando à implementação de restrições para dificultar a vida dos que ficaram. 
Essa medida foi complementada pela aplicação mais sistemática de uma lei imperial existente desde 1831, que proibia o desembarque de africanos libertos em qualquer porto nacional, a lei de 1835 procurou incentivar o africano a sair do país depois de liberto, enquanto a de 1831 impossibilitava sua volta. 
Okra Soup (Gisado de Mariscos e Quiabo e Dendê)

No imaginário da elite brasileira da época, o negro, especialmente o africano, era concebido como sinônimo de escravo, incompatível com os avanços sociais representados pela transição ao trabalho livre, enquanto a importação de trabalhadores europeus era vista como um símbolo de modernização e progresso. 
Esse crescente clima de marginalização do negro, mais intenso para o africano, teria sido o pano de fundo do movimento de retorno à África. 

Os africanos que retornaram ficaram conhecidos como Agudás, provavelmente uma corruptela de Ajudá, o antigo nome dado pelos portugueses para Uidá, onde surgiu a a primeira colônia de libertos do Brasil. 

Na nova colônia de Lagos, os agudás, conhecidos como "repatriados", passaram a constituir elites em relação à população nativa, ajudados pela familiaridade com os costumes e idiomas europeus. 
Ao sentir saudade do Brasil e tentar recriaram seus usos e costumes e, sobretudo, ao considerar que os anos passados no Brasil tinham sido os mais felizes de suas vidas, apesar do cativeiro, eles atestam que toda mudança de país desencadeia uma crise, porque as pessoas se transformam e se adaptam.

Os brasileiros e os abrasileirados que se estabeleceram na costa atlântica da África, em sua maioria era de cristãos ou cristianizados, estes últimos a praticarem a um só tempo, ou paralelamente, a religião dos orixás e aquela a que se converteram na outra margem do oceano. 
Uma velha casa de estilo afro-brasileira no Togo
Brancos e mulatos, uns poucos, e vários deles negros, nascidos na África ou no Brasil, tornaram-se, do mesmo modo que os imalês traficantes de escravos. 
Os que ficaram na Costa, nas cidades de Uidá, Aguê, Porto Novo e Badagri (mas também, nos anos seguintes, nas capitais (Cotonu, Lomé e Acra), passaram a integrar a comunidade coesa e destacada, formada por pequenos e grandes negociantes, que tiveram grande influência na vida social e econômica da região. 
Homens e mulheres, que até hoje se encontram aos milhares nessas cidades, são o elo, cada dia mais frágil, a unir importantes regiões da África ocidental ao Brasil, 

 Essa comunidade híbrida, brasileira e africana, branca e negra, escrava e escravocrata, logrou com o tempo uma notável coesão. São todos iguais, retornados, “agudás” e brasileiros, filhos de uma terra que deixaram ou que os deixou há décadas, mas que continua presente em sua memória afetiva, e que continuam a procurar em sonho, embora os sonhos, como tudo, desapareçam com o tempo. De acordo com levantamento feito pelo antropólogo e fotógrafo brasileiro Milton Guran, autor do livro Agudás, os brasileiros do Benin, há cerca de 400 sobrenomes luso-brasileiros hoje em dia no país.

Conheça a pagina Famílias Agudás.

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