Jaracatiá: seu fruto e seu doce preservando a biodiversidade

Por *Evanilda Teresinha Perissinotto Prospero 
Antes do fruto do jaracatiá ser ciência para mim, ele foi memória da infância e da vida. 
Lembro-me de minha tia entrando pela porta de minha casa em Piracicaba, vinda de São Pedro com uma tigela de doce que minha mãe adorava. 



















Demorou um pouco até que experimentasse a compota avermelhada daquela fruta diferente e carnuda que todos os anos recebíamos. Minha mãe me incentivava – “experimente, parece uma tâmara” – e, de fato, a fruta em calda, desidratada ou cristalizada lembra bastante uma tâmara, a “tâmara de jaracatiá”, como era conhecida em São Pedro. Descobri nos anos 2000, ao ver minha tia Elvira e minha mãe Luiza muito velhinhas e após ter visitado São Pedro, que ninguém sabia onde comprar a fruta e como fazer o doce pois, com o envelhecimento das doceiras antigas que dominavam a técnica desenvolvida pelos imigrantes italianos da região, o doce parou de ser confeccionado.

Resolvi começar a pesquisar e fui coletando as informações de ambas para elaborar uma receita da compota como tinha em minha memória sensorial. Estive inúmeras vezes em São Pedro tentando descobrir quem poderia me fornecer a fruta e descobri a Dona Lili e o Senhor Paulo, que me venderam os frutos por vários anos. A partir daí, fui aprendendo a confeccionar o doce. Nessa mesma época, percebi que as árvores do Jacaratiá spinosa eram raras na região e que um trabalho para valorizar essa gastronomia tradicional e essa espécie seria importante. Mais tarde, em contato com a Slow Food e seus programas, vislumbrei a relevância de proteger a tradição daquela região, que sabia utilizar os frutos e preservava a árvore do risco de extinção. 
Em outras regiões do Brasil, o doce é feito do tronco da árvore, comprometendo a continuidade da espécie – apesar de também se constituir numa tradição de algumas comunidades. 
Ao pensar e me preparar para um curso de mestrado, planejei estudar o jaracatiá, pois nas pesquisas realizadas não encontrei dados científicos e atuais que fornecessem informações físico-químicas do fruto. Surgiu então, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, onde trabalho como pesquisadora junto de minha orientadora, a Profª Dra. Marta Helena Fillet Spoto, um projeto de pesquisa importante não só pelo seu valor nutricional, mas também pelo valor histórico-cultural para a região de São Pedro-SP. 
*Evanilda Teresinha Perissinotto Prospero - especialista na área de Gastronomia do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo. Mestranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos da ESALQ-USP, foi Diretora Técnica de Serviços de Alimentação de 1981 a 2004 na mesma instituição. Autora do livro Gastronomia: Saber e Cozer, resultado de seu trabalho gastronômico. Membro do Convivium Piracicaba.
Jaracatiá (Jacaratia spinosa (Aubli) A. DC.) é uma árvore neotropical da família Caricaceae), a mesma família do mamoeiro. Originária da Mata Atlântica, a distribuição do jaracatiá abrange os estados desde Minas Gerais ao Rio Grande do Sul. Outros nomes populares: Mamoeiro-bravo, Mamoeiro-do-mato, Mamãozinho,Mamuí. Sinonímia botânica: Carica dodecaphylla Vell., Jaracatia spinosa (Aubl.) A. D

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