REGISTROS DA CULINÁRIA BAIANA TRADICIONAL
O receituário apresentado por Vianna inclui pratos emblemáticos da culinária baiana, como mingaus, acarajé, vatapá e mingau de cachorro. Além das instruções culinárias, a autora descreve os costumes e as tradições associadas a esses alimentos, proporcionando uma compreensão mais profunda da cultura local. Por exemplo, ela detalha a figura das "mulheres do mingau", que percorriam as ruas de Salvador vendendo essa iguaria nas primeiras horas da manhã.
Sobre a autora
Hildegardes Cantolino Vianna nasceu em Salvador em 31 de março de 1919. Filha do acadêmico e folclorista Antônio Vianna, formou-se em Direito pela Faculdade Livre de Direito, incorporada posteriormente à Universidade Federal da Bahia (UFBA), e também diplomou-se em piano pela Escola de Música de Pedro Jatobá.Embora tenha exercido a advocacia, dedicou grande parte de sua vida ao estudo e à preservação do folclore baiano, seguindo os passos de seu pai. Hildegardes tornou-se membro da Academia de Letras da Bahia e colaborou por décadas com o jornal "A Tarde". Sua obra é reconhecida por registrar e valorizar as manifestações culturais da Bahia, contribuindo significativamente para a preservação da identidade cultural da região.
Entre suas publicações destacam-se também "Folclore Brasileiro-Bahia", onde explora as tradições e costumes do povo baiano, e "Antigamente Era Assim", um livro de memórias que retrata a vida no Brasil nas décadas de 1930 e 1940.
Através de suas obras, Hildegardes Vianna desempenhou um papel fundamental na documentação e divulgação da cultura popular baiana, assegurando que as tradições e saberes locais fossem reconhecidos e valorizados.
"O baiano da Capital e das diversas regiões do interior d a Bahia têm hábitos alimentares diferentes. Mas, em linhas gerais, o trivial simples do soteropolitano é o mais trivial possível: feijoadas (feijão-mulatinho com carne de boi – "peito" ou "chupa-molho" – um pedaço de “carne d o sertão” ou charque ); lombos (carne d e músculo inclusive a que na Bahia toma o nome de “paulista”); carnes mal-assadas, carnes ensopadas, bifes de toda espécie, de peixes frescos e salgados em escaldados, ensopados, moquecas e frituras, macarronadas, farófias etc .
Assim, embora a cidade cheira a azeite de dendê (azeite de cheiro) e em cada esquina haja uma mulher fritando acarajés; embora se avoluma aonde a d os que oferecem os famosos CARURUS; não se pode determinar, pelo menos por enquanto, até que ponto vai a influência da cozinha típica."
No texto acima, Hildegardes Vianna demonstra preocupação com as mudanças e adaptações na culinária baiana. No trecho citado, ela observa que, apesar de elementos marcantes da cozinha tradicional – como o uso do azeite de dendê, acarajés e carurus – estarem presentes e visíveis na vida cotidiana de Salvador, o trivial consumido pela maioria dos habitantes da capital reflete hábitos alimentares mais simples e genéricos, como feijoadas, carnes e macarronadas.
Ao destacar essa dicotomia, Hildegardes parece refletir sobre a tensão entre a preservação da cozinha típica baiana e a incorporação de práticas alimentares influenciadas por outras culturas ou pela modernização. Sua análise sugere uma preocupação em documentar e valorizar os traços autênticos e tradicionais da culinária baiana, que correm o risco de perder espaço ou serem diluídos nas mudanças culturais e nos hábitos contemporâneos.
DOÇARIA BAHIANA
"Um TABULEIRO antigo de COCADA trazia amendoim cozido com casca na água e sal, amendoim torrado sem casca em frigideira cheia de areia, amendoim coberto com açúcar branco, flor-da-noite (pipoca), fubá de milho torrado, adoçado com açúcar, milho debulhado e bem cozido embrulhado com pedaços de coco em folhas, amoda, queijadinha, cocadas de vários tipos, melado com coco, batata-doce cozida, beijo de estudante , bolinho de tapioca de grelha, alféloa etc
A AMODA, hoje gulodice rara, é feita com rapadura-puxa, gengibre ralado e farinha de guerra. O termo ralado entenda-se como triturado entre duas pedras próprias.
As negras vendiam estas amodas, em pequenos discos feitos com a casca do coco seco primorosamente serrados e lixados.
As QUEIJADINHAS, que ainda hoje resistem e nada levam de queijo para justificar o nome pomposo, são feitas com leite de coco ou água, açúcar ou rapadura e amendoim, ou então água, açúcar, coco ralado ou lascas miúdas de coco.
Em outros estados são chamadas de pé de moleque, porém PÉ DE MOLEQUE na Capital é uma espécie de beiju de farinha grossa, muito popular nas feiras do litoral e em algumas do sertão.
O AMENDOIM COBERTO antigo era confeitado com açúcar alvíssimo com o auxílio de uma vassourinha de piaçava.
O moderno é de açúcar escuro e feito na máquina. Por isto mesmo menos gostoso.
A ALFÉLOA era apresentada em forma de cones e canudinhos."
Esse olhar de Hildegardes reforça sua missão de preservar o folclore e a cultura local, mostrando como a alimentação é um reflexo das transformações sociais e culturais de uma região.
O texto de Hildegardes Vianna reflete sua preocupação em documentar e preservar as tradições alimentares baianas, especialmente aquelas que remetem a práticas antigas e muitas vezes esquecidas ou transformadas com o tempo. Ao descrever detalhadamente os produtos vendidos em tabuleiros de cocada e os modos de preparo dessas guloseimas, Hildegardes não apenas registra as técnicas e ingredientes, mas também os contextos culturais em que esses alimentos eram produzidos e consumidos.
Nesse trecho do livro podemos análisar:
•A tentativa de resgate histórico e cultural:
Hildegardes demonstra um esforço em recuperar a memória de alimentos tradicionais, como a amoda, as queijadinhas e o pé de moleque, que possuem significados diferentes em outras regiões do Brasil. Ao fazer isso, ela reforça as particularidades da culinária baiana e ressalta a importância de valorizar essas diferenças como parte da identidade cultural local.
•Da preservação do saber artesanal:
O texto destaca a habilidade e o cuidado envolvidos na produção dos alimentos, como a confecção das amodas em discos de casca de coco e a confecção do amendoim coberto usando uma vassourinha de piaçava. Esses detalhes ilustram como a culinária era profundamente ligada ao trabalho manual e à criatividade, contrastando com a produção industrial moderna, que, segundo Hildegardes, compromete o sabor e a essência das receitas orioriginai.
•Sua atenção às transformações:
Hildegardes critica a perda de qualidade e autenticidade nos métodos modernos de preparo, como o caso do amendoim coberto. Essa observação reflete sua preocupação com o impacto da modernização e da industrialização na gastronomia local, que tende a simplificar processos e alterar os sabores e significados culturais.
•Relação entre culinária e folclore:
A autora associa os alimentos a práticas folclóricas, como a venda nos tabuleiros e o uso de materiais e técnicas locais (areia para torrar amendoim, pedras para ralar gengibre). Isso evidencia como a comida é mais do que um ato de nutrição; é também um elo com o passado, um reflexo das tradições comunitárias e um marcador de identidade.
•Sua riqueza descritiva:
Hildegardes utiliza uma linguagem rica e detalhada, quase poética, ao descrever as guloseimas e seus preparos. Esse estilo narrativo não apenas informa, mas também evoca a atmosfera cultural e emocional associada àquelas práticas alimentares.
O texto de Hildegardes Vianna não é apenas um registro culinário; é uma defesa apaixonada da preservação das tradições culturais baianas. Ao descrever essas práticas com riqueza de detalhes, a autora reafirma a importância de valorizar o saber ancestral, resistindo às mudanças que podem comprometer a essência da culinária local. Essa visão torna sua obra um marco na documentação da cultura e da culinária popular da Bahia.
Refutando Hildegardes
Na tese As Trabalhadoras Negras nas Crônicas de Hildegardes Vianna, a autora examina como a escritora Hildegardes Vianna aborda e retrata as trabalhadoras negras em suas crônicas, focando em como essas personagens e suas realidades sociais são descritas e representadas.
As críticas à obra de Hildegardes Vianna, dentro desse contexto, podem se concentrar em alguns pontos:
•Estereótipos e Representações Simplificadas: Uma crítica comum ao trabalho de Vianna é a possibilidade de suas representações das trabalhadoras negras cair em estereótipos. Por exemplo, as personagens podem ser retratadas como figuras de submissão ou em condições de extrema pobreza, sem uma exploração mais profunda das complexidades de suas vidas e identidade.
•Visibilidade e Agência das Personagens: Outra crítica poderia ser a falta de agência nas personagens negras. Muitas vezes, elas podem ser representadas apenas como figuras passivas ou subjugadas, sem a devida exploração de suas ações ou perspectivas individuais, o que poderia enriquecer a narrativa.
•A Falta de Contextualização Histórica e Social: Embora Vianna trate de temas sociais relevantes, a falta de um maior aprofundamento histórico e social nas crônicas pode ser vista como uma limitação. A compreensão das condições de trabalho e das lutas das trabalhadoras negras poderia ser mais detalhada, ligando as personagens a contextos históricos específicos, como o pós-abolição ou as políticas de classe e raça.
•Enfoque na Dimensão Pessoal ao invés de Coletiva: Hildegardes Vianna, em suas crônicas, pode se concentrar mais nas experiências individuais das personagens, o que pode obscurecer a luta coletiva das trabalhadoras negras enquanto grupo. Uma abordagem mais integrada poderia trazer à tona a importância das lutas sociais, sindicais ou comunitárias.
Essas críticas não diminuem o valor da obra de Hildegardes Vianna, mas sim destacam pontos que poderiam ser mais explorados ou representados de maneira diferente para proporcionar uma visão mais completa e multifacetada das trabalhadoras negras.
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