"Eu vou contar uma história, uma história de espantar".

Para falar sobre Patrícia Ellen Rodrigues Nicolau, 44 anos, tomo licença à Jorge Amado, na frase inicia o livro Cacau, o maior romance acerca da formação da zona cacaueira da Bahia, publicado em 1943.
Ela é paulista de Campinas mas baiana de coração.
Sua avó, nasceu em Nazaré das Farinhas, e seu Avô de Feira de Santana, ambos desde cedo lhe ensinaram a importância e o valor dos quintais, das matas, dos cuidados com a alimentação, e todo seu entorno.


Ali estava plantada a semente!
Foi assim que... o universo dos alimentos despertou novas sensações em Pat, aguçando seus interesses, fomentando questionamentos mais básicos- de onde vêm, com nasceram, quem colhe... perguntas que fazer lembrar a personagem Sofia, e das suas descobertas de um universo novo e cheio de perspectivas em sua vida, lembrando que, ha época não havia internet, ainda assim, e por tantas duvidas, as suas eram bem resolvidas.
Desde criança fez muitos experimentos na cozinha, sem o advento do Youtube, exercitou bem suas propostas, pensada antes de execução, sempre levando a serio, o planejamento de quantidades de insumos, tudo estava aliado ao iniciar qualquer proposta de produção.
Entre erros e acertos, lá eu estava ela, aprendendo sempre, pois como diria sua velha avó:
"Do erro alheio, tiro prudente conselho".

Fez sua primeira aula de chocolataria, aos 11 anos, com uma mulher magnífica, cheia de saberes, mas, infelizmente, já aposentada do ofício de chocolateira que herdou de sua avô.
"Ficamos um mês juntas e, muito do que aprendi naquela imersão, me soam a pé do ouvido quando estou produzindo, depois dessa temporada a minha relação com o chocolate foi além do esperado e quero ir mais além."
Dos aprendizados com minha vó - que juntas, em 1990, usamos o bulbo da taioba para produzir o recheio de um bombom e deu super certo.
Vi essa receita ser campeã aqui no Rio em 2016.

Hoje, Pat Nicolau tem uma pequena produção artesanal, que atende de forma personalizada, ainda ainda lembra dos conselhos da sua querida avó, que sabia despertar o interesse de cada neto na mesa, despertando os sabores em todos, mas tendo a capacidade de ser individual no trato.

"Desenvolvi uma capacidade técnica instintiva, de compreender o gosto de cada cliente, devolvendo a ele o que ha de melhor em termos do que preparo"


Ainda encontra tempo para pesquisar e escrever sobre cacau e chocolate, sinal que não perde essa chama da busca da Sofia.
Das aulas de culinária que frequentei durante toda a minha adolescência entre senhoras e recém casadas, eu era a mascote, falo de um tempo onde a gastronomia no Brasil, não era pensada como nos moldes de hoje.
Das contribuições de doceiras que me chamavam para colaborar nas produções, durante o meu período de férias, e que foi onde peguei ritmo e malícia culinária.

Pat alimenta a ideia de um projeto voltado às mulheres de comunidades, que se interessem por aprender empreender a lidar com chocolate, além disso mantem o projeto - Eu, você e o cacau - destinado à crianças e adolescentes de comunidades cariocas, um trabalha de modo interdisciplinar, que trabalha a trajetória do cacau e chocolate através dos tempos.
Ambos os projetos estão fora de operação em função da pandemia mas enquanto isso, buscando por apoio para retomar e poder contemplar outras mães e crianças com o aprendizado dessa iguaria maravilhosa.

Descolonizando seu Chocolate.
"Nascia ali, uma proposta bem diferente das quais aprendi em escolas de Confeitaria Clássica."

"Um dia, muitos anos antes, quando a floresta cobria muito mais terra, quando se estendia em todas as direções, quando os homens ainda não pensavam em derrubar as árvores para plantar a árvore do cacau que todavia não chegara da Amazônia."
Jorge Amado


"Das viagens que fiz pela região Norte do Brasil, visitando lugares de memória alimentar e observando os costumes e trato que as pessoas têm com o alimento, isso engrandeceu demais e, na mesma época, eu voltei para Campinas e fui aluna de Carlos Alberto Dória, que me colocou para pensar no chocolate que eu estava pensando em oferecer.
Depois disso, sentei e fiz uma pesquisa profunda, mapeando roças de cacau e as possibilidades desse novo olhar cacaueiro para o Brasil, nesse momento a Bahia se recuperava da avalanche Vassoura de Bruxa e tudo passou a ter outro rumo.
Fiz muitas relações no sul da Bahia, conversando com muitos cacauicultores e avaliando as possibilidades de uso dos seus chocolates."

Com as visitas ao Norte e Nordeste, as aulas do Dória, uma pesquisa profunda dos Astecas à Bahia, um repertório enxuto mas bastante apurado sobre frutas e raízes africanas e tudo que foi introduzido no Brasil através do tripé alimentar, Brasil - África - Portugal, não me restavam dúvidas, eu tinha que fazer uma chocolataria artesanal pra lá de brasileira, coisa que eu não via muito, quando criança.
Com o monopólio da Kopenhagen, a cópia das bombonieres européias falava mais alto e encantavam os olhos.


"Minha produção é totalmente artesanal e prezo muito por isso, leva mais tempo mas o sabor é reconhecido em cada mordida.
Cítricos, frutas, especiarias e raízes nacionais são bases fundamentais que compõem os meus processos e a minha rede de produtores agroecológicos nunca me deixam na mão.
Os chocolates que uso vêm de parceiros de longas datas do sul da Bahia."

Eu prezo muito pelo fortalecimento do cacau e a manutenção agroecológica das roças, porque o Brasil faz um chocolate espetacular, muito mais que os europeus, porque se preserva aqui a segurança alimentar da produção.
Quando falamos de um chocolate "tree to bar", isso significa muita coisa e, se pararmos para pensar, é um luxo ter um chocolate desses tão próximo de nós!
Para além de lembrar que o cacau é americano, devemos lembrar também que a ideia do chocolate vem daqui e não nasceu na Europa! Nós usávamos o modo artesanal de fazer e aí tínhamos a bebida "xocolatl" e essa bebida foi transformada em outras possibilidades por um mundo já com maquinários, gastronomia efervescente, químicos, confeiteiros...
O nosso cacau tomou rumos evolutivos e isso nos beneficia muito!
Depois da grande praga da Vassoura de bruxa, que devastou os cacaueiros da região sul da Bahia, houve um movimento de retomada muito grande de várias vertentes ligadas à recuperação de solo, fisiologia pós colheita, modos de fermentação controlada, muitas outras ideias e pessoas conectadas a esse propósito e desejosas para fazer a grande mudança acontecer e tomar corpo.

E, finalmente, depois de muito trabalho, temos um novo contexto cacaueiro vindo de uma fundamentação ideológica que preza para o avanço e solidez das roças que existentes no Brasil, porque não se pensava cacau e chocolate como se pensa hoje em dia e já entendemos que unidos somos mais.
Com essa conquista toda, mesmo que seja um processo que ainda está caminhando e com o resgate de fazer prevalecer essa história lindíssima, eu não poderia optar por outra escolha senão estar por perto!

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