Breve notícias sobre a cozinha baiana.

 Por HILDEGARDES VIANNA

O que se come e o que se bebe na Bahia tem preocupado estudiosos curiosos porque falar na Cozinha Baiana, ou seja, na Cozinha Afro-brasileira,não constitui matéria tão simples como muitos julgam à primeira vista.
O baiano da Capital e das diversas regiões do interior d a Bahia têm hábitos alimentares diferentes. Mas, em linhas gerais, o trivial simples do soteropolitano é o mais trivial possível: feijoadas (feijão-mulatinho com carne de boi – "peito" ou "chupa-molho" – um pedaço de “carne d o sertão” ou charque ); lombos (carne d e músculo inclusive a que na Bahia toma o nome de “paulista”); carnes mal-assadas, carnes ensopadas, bifes de toda espécie, de peixes frescos e salgados em escaldados, ensopados, moquecas e frituras, macarronadas, farófias etc .
Assim, embora a cidade cheira a azeite de dendê (azeite de cheiro) e em cada esquina haja uma mulher fritando acarajés; embora se avoluma aonde a d os que oferecem os famosos CARURUS; não se pode determinar, pelo menos por enquanto, até que ponto vai a influência da cozinha típica.
Muitos pratos baianos são originariamente africanos.
Outros tiveram origem diversa e foram adaptados pelo engenho do negro.
A bacalhoada portuguesa, a que o azeite de dendê e o leite de coco deram novo aspecto novo sabor, bem como toda a doçaria portuguesa, que , importa para aqui, passou a ser feita com leite de coco e carimã seca em lugar da farinha do reino (trigo), são exemplos mais à mão.
As comidas de origem africana, não resta dúvida, sofreram deformação Bahia devido à necessidade de utilizar os produtos da terra, no seu reparo, e o empenho em conquistar o paladar do branco.
Assim deve ter sido com a variedade grande e de comida as de milho, arroz e feijão que provem, pod emos dizer, de uma mesma linha tronco.
Outro ponto que ainda não foi devidamente esclarecido é o do camarão seco, que na Bahia é tempero, dono de uma aparência e gosto ímpares.
Elevem já pronto das zonas ribeirinhas do Recôncavo e creio não ter similar por este país.
Quem teria ensinado ao baiano o seu preparo?

Os pescadores da Capital não se ocupam neste mister que é ainda rudimentar: torra-se o camarão, deixa-se na salmoura e depois então leva-se para escorrer na urupema e secar no sol.
Do camarão de espeto ao “cisco” todo ele tem um sabor uniforme, sem exageros d e sal.
Durante muito temp o as comidas de azeite sofreram restrições por causa de sua origem negra, só aparecendo nos lares em ocasiões especiais: tempo de Quaresma, sextas-feiras de guarda e almoços para visitantes que desejavam provar os quitutes baianos.

Mesmo assim nunca se deixava de fazer uma “frigideira” de peixe ou marisco e um “paulista” para os “bocas-ruins”.
Ainda hoje há muito baiano que não suporta o azeite de cheiro(dendê ) por uma evidente questão de preconceito social e racial.
As influências, que dia a dia a Bahia vem sofrendo com um surto de interesse turístico crescente , estão criando para a Cozinha Baiana um caráter exibicionista, dando a impressão que tudo nada em azeite e arde como pimenta.
Coisas de Tabuleiros
Para saber o que se come na Bahia, o mais prático é começar pelos famosos tabuleiros, em que muitas vezes doces, salgados e frutas se confundem.




Um TABULEIRO antigo de COCADA trazia amendoim cozido com casca na água e sal, amendoim torrado sem casca em frigideira cheia de areia, amendoim coberto com açúcar branco, flor-da-noite (pipoca), fubá de milho torrado, adoçado com açúcar, milho debulhado e bem cozido embrulhado com pedaços de coco em folhas, amoda, queijadinha, cocadas de vários tipos, melado com coco, batata-doce cozida, beijo de estudante , bolinho de tapioca de grelha, alféloa etc

A AMODA, hoje gulodice rara, é feita com rapadura-puxa, gengibre ralado e farinha de guerra.
O termo ralado entenda-se como triturado entre duas pedras próprias.
As negras vendiam estas amodas, em pequenos discos feitos com a casca do coco seco primorosamente serrados e lixados.
As QUEIJADINHAS, que ainda hoje resistem e nada levam de queijo para justificar o nome pomposo, são feitas com leite de coco ou água, açúcar ou rapadura e amendoim, ou então água, açúcar, coco ralado ou lascas miúdas de coco.
Em outros estados são chamadas de pé de moleque, porém PÉ DE MOLEQUE na Capital é uma espécie de beiju de farinha grossa, muito popular nas feiras do litoral e em algumas do sertão.
O AMENDOIM COBERTO antigo era confeitado com açúcar alvíssimo com o auxílio de uma vassourinha de piaçava.

O moderno é de açúcar escuro e feito na máquina.
Por isto mesmo menos gostoso.
A ALFÉLOA era apresentada em forma de cones e canudinhos.

O BOLINHO DE TAPIOCA assado nas brasas passou do tabuleiro para a quitanda até sumir.
O chamado tabuleiro da cocada agora é paupérrimo – cocadas, queijadinhas, amendoim torrado e cozido, batata-doce cozida, beijo de estudante (bolo d e tapioca frito na gordura e passado em canela e açúcar).
Nas casas de família, porém, a não ser nas de hábitos para mais, o cuscuz raramente é feito.
A causa é o vício de comer pão. 
Fora das regiões de coqueiros, o cuscuz é feito sem coco, com milho verde, temperado com amendoim e servido quente em talhadas amanteigadas. 
Muitos preferem este cuscuz sem o amendoim.
Hoje o tabuleiro de coisas para tomar com café rareia.
Mesmo assim ainda encontramos para comprar, com relativa facilidade , cuscuz de milho, de carimã, de tapioca, de flor de arroz , de arroz pisado, mungunzá de partir(lelê e adobró), beiju s d e t toda espécie, pamonhas de carimã e milho,canjicas, bolos d e milho e de carimã.
O cuscuz de tapioca, inhame ou d e aipim é atualmente quase que uma curiosidade histórica.

Coisas que o baiano adota também para o café, mas que não aparece nos tabuleiros com frequência, embora abundem em casas de família: banana a frita servida com canela e açúcar, banana-da terra cozida, “fatias de parida” (rabanada ao leite), aipim cozido, inhame cozido, fruta-pão cozida e amassada etc .






O TABULEIRO DE COMIDAS passou à história com o nome d e MAMÃE-BOTE e trazia panelões de mocotó, feijoada, sarapatel, vatapá, moq ca, feijão-de-leite , caruru , rabada etc.
Este tabuleiro vem resistindo apesar de ter perdido a denominação.
Os sarapatéis e vatapá são encontrados aos sábados das feiras e c casas de pasto infalivelmente .
O TABULEIRO DO ACARAJÉ e abará tem hoje a presença indefectível da "passarinha" assada vendida com molho de vinagre (pimentão, cebola,tomate, salsa, coentro, azeite doce e vinagre) e do caranguejo cozido largamente procurado como tira-gosto.

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