Pequeno Dicionário da Cozinha Baiana

Verbete-C Caruru de Folha
Kosi Ewé, Kosi Òrìsà


O caruru é muito mais que uma comida, é um evento, muito relacionado à comida votiva do Candomblé, ele já fez parte da mesa do dia-a-dia do baiano.
Pouca gente sabe mas o Caruru tem muita importância também como preparação com uma serie de folhas hoje não comuns de se encontrar nas mesas da Bahia.
O Quiabo ou Kimbombó na cultura angolana, sempre foi o elemento fundamental do Caruru, tem valor de principal ingrediente, ele é tem muita importância também como preparação com uma serie de folhas hoje não comuns de se encontrar nas mesas da Bahia.

Segundo Manoel Querino, ele faziam parte dos pratos puramente africanos, "as folhas de Bertalha, o Bredo, as folhas de Quioiô, de *Mostardade Azedinha, também faziam parte da preparação dos Carurus de Folha, refogadas com cebolas, camarão seco e defumado e condimentadas com malagueta, eram muito comuns até o final do século XX.

Kosi Ewé, Kosi Òrìsà (Não tem folha, não tem Orixá, não tem Festa, não tem Nada)

O Caruru de Folha, tem consistência cremosa e viscosa eram servidas puras ou como guarnição e acompanhamentos para pratos como o xinxim de galinha e a deliciosa farinha de mandioca.

As plantas sempre tiveram importância significativa na cultura de matriz afro-brasileira, não só nas praticas religiosas, como terapêuticas mais principalmente alimentícias.

Há um grande numero de mulheres catadoras destas plantas que tem pouco valor comercial, mas fundamentais na manutenção da liturgia dos povos tradicionais dos terreiros de Candomblé. 
A pressão do crescimento demográfico e da especulação imobiliário aliado à diminuição dos ambientes naturais, além da perda de referencias dos receituários tradicionais, vem paulatinamente pondo fim a uma cultura onde o alimento e as praticas religiosas exercem um elo aglutinador e coletivista.
Além dos Santos Gêmeos, os Ibejis, outro Caruru muito importante na Bahia, é dedicado a Oyá ou Iansã, que sincreticamente tem na figura da Santa Barbara sua expressão.
Muito famoso foi em outros tempos o Caruru ofertado pelos comerciantes do mercado, que leva seu nome na Baixa dos Sapateiros, mas que ainda hoje mobiliza no dia 04 de Dezembro muita gente ao Largo do Pelourinho em procissão.
Um mundo de pessoas todas vestidas a caráter,nos tons de vermelho, saem as ruas a saldar a santa dos raios e trovoes, entidade de força e poderes.
A Rhol(rede de hortos de plantas medicinais e litúrgicas) vem desenvolvendo um belo trabalho no sentido de dirimir a problemática da produção destas folhas e verduras, em ações no Recôncavo e na Região metropolitana, com a implantação de hortos agroecológicos, com centros de beneficiamento para virtual abastecimento para os demais terreiros que fazem parte da rede mobilizadora, incentivando a economia solidaria e o associativismo.










Poucos sabem mais a culinária baiana faz sucesso desde séculos atrás veja este anuncio do seculo XIX da A Soeieté Nationale d'Aclimatation em Paris.

“A Semana”, escrita no “Jornal do Comércio”, do Rio, pelo ilustre homem de letras, nosso conterrâneo, Constando Alves, com a sub-epigrafe "Glórias nacionais”, e a propósito do sucesso que pratos da culinária brasileira obtiveram num banquete em Paris.
Confira aqui
É como segue: 
“A Soeieté Nationale d'Aclimatation houve por bem incluir no cardápio cosmopolita do seu recente banquete anual pratos genuinamente brasileiros. Quem se incumbiu do encargo, tão cheio de responsabilidades, de organizar esta lista que eu não ouso chamar menu (para não assanhar contra mim os defensores do vernáculo)— já recebeu dos convivas, a quem felicitou, agradecimentos de inegável sinceridade. Muito pôde mentir a boca quando fala. 
Mas o que ela não pode fingir é a água que lhe vem da gula deliciada por obras primas da arte culinária, é o encanto com que saboreia maravilhas criadas por cozinheiros, dignos pela sua benemerência, de subirem a categoria dos deuses. 
Tiveram também o sou regalo do bom de Brasileiros, porque, naquela mesa parisiense, figuraram honrosamente nos quitutes capazes de arrancar unânimes aplausos. Naquela mesa, posta num salão da cidade que distribuo a glória, houve para bem criar um concurso universal de comedorias. Países entraram com píteos característicos, e o Brasil não se saiu mal, não voltou do certame cabisbaixo, vertendo lágrimas de fel sobre uma terrina desprezada. 
Não, aquilo com que contribuiu para o êxito da Testa, recebeu honrarias especiais de estômagos maravilhados.  Nem era para menos. Quem escolheu os pratos que devia representar a nossa cozinha, tem dedo! Tirou do nosso guarda-comidas jóias preciosas. 
O que lá apareceu sob o pseudônimo de timbales de mollusques et de crustaces três appreciés au Brésil, é a famosa frigideira de siris mole, a qual, sem exagero, cabe a denominação de divina. E que direi eu do Vatapá, a mais prodigiosa invenção do gênio da Bahia? 
Lá estava ele, ciente do seu valor, certo de não ser vencido por preparava o seu complicado macarrão, que lhe causava mais orgulho que o Barbeiro de Servilha. 
Espalhada pelo mundo a fama da nossa cozinha, quantos estrangeiros não viriam aqui, simplesmente para comer?
Não deixariam de amar a nossa natureza; ela porém, passaria ao papel secundário de fornecer o elemento decorativo para o almoço ou o jantar. Almoçar no alto do Corcovado, jantar à sombra de mangueiras majestosas, que prazer! 
Mas a mesa, rústica ou pomposa, seria o principal. E a panela do vatapá, consagrado pelo consenso unânime dos povos,—ficaria mais alta que as nossas montanhas. 
Quando saíssem daqui, lambendo os beiços, os viajantes não teriam palavras azedas para os hóspedes e levariam impressões intensas.
A gratidão do paladar é mais duradoira que a de outros sentidos. Música que entra por um ouvido pôde sair pelo outro. 
A visão de uma paisagem esmorece na memória frágil.
Mas a reminiscência de um bom vatapá é eterna.
*Latipá ou Iatipá substantivo masculino mostarda refogada, aromatizadas com malagueta, camarões secos, cebolas e sal, e refogadas em dendê;[É alimento votivo do orixá Omolu]

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