A Comida e as Cidades

“As coisas “devem pertencer a quem as ama”, uma verdade confiada pelo Nelson Saúte fotografo e ensaísta africano, que no livro “Desenrascando a Vida”, estabelece uma bela metáfora com a sua cidade Maputo, quando afirma, “As Cidades pertencem á quem as ama”“.


Tal qual Maputo para Saúte, a minha cidade me pertence e tomo-a, porque a amo e também a tudo que se relaciona a ela, sua gente, sua historia, suas comidas me pertencem.
Os excessos de exagero provem do fascínio que representa a Bahia, tudo na Bahia tem um que de inexplicável, de possível, que fere e enjaula, mas que também liberta e salva, que alegra e vibra fruto da resiliência, em não se entregar.
Uma cidade que grita de beleza e alegra-se para além da pobreza, e onde a luz exerce um desatinado equilíbrio de cores,que nós remetemos claramente a riqueza da sua cozinha.
Outrora gloriosa, onde negras mercavam iguarias em alguidares, hoje reduzida a uma copia pífia do que outrora pôde ser.
Bons tempos àqueles onde a culinária baiana, transbordava em originalidade em matizes alaranjados oriundos do Dendê, pedra mor da cultura da Costa D’África, trazido de além-mar.
Rica em criação e pulsante em técnicas primitivas, hoje relegadas ao segundo plano como material fluido de comercio exótico/turístico/mercantil ao que foi
exposto.
A irresponsabilidade com que é tratada pelo poder, em barganhas pelo vil metal, faz paralelo metafórico na relação com a cidade da Bahia, terra de poucos donos e muitos interesses.
Falar de comida é falar de Cidade, o que comemos, como comemosestá intimamente interligado, e a negligencia com que ambas são tratadas, denota o pouco interesse que se dá a elas, usufruindo todo sumo criativo, com a nossa permissão acrítica, sem o merecido retorno como compensação, ou no mínimo uma tosca maquilagem pálida, que não reflete tal nobreza.
As cidades incharam e nossa cozinha já não goza de criadores, onde haviam praças arborizadas, cede-se lugar ao árido cimento, passeio transforma-se em canteiros de carros e a alegria festiva das baianas com seus Acarajés e Abarás, deu lugar a uma estrangeira cozinha.
Faz-se necessário repensar tanto uma forma quanto a outra. Penso que meu trabalho como Chef, tem muito de comunicador, trazendo pautas positivas para o aprofundamento discursivo, além de despertar o interesse por um tema tão abrangente, é fundamental a busca de algumas vertentes:
1)    Não basta ser cozinheiro ou Chef, temos que ser antes de tudo Cidadãos, que veem neste patrimônio um símbolo de importância e identidade.
2)    Resinificar termos como “Regional” hoje tão estigmatizado na sua raiz significativa, adequando-o às novas perspectivas contemporâneas, sem perder o sentido coletivo estrutural característico da nossa cozinha.
3)    Necessitamos criadores capazes de compreender e comprometer-se com a importância da nossa gastronomia e suas raízes fundadoras, e dar sangue novo,inserindo produtos, valorizando criações com elementos do nosso “terroir” além-claro de muita pesquisa, senso estético e capacidade transformadora.
Seguindo este ponto de vista cabe a nos, preservar, manter e amar este patrimônio, nossa cozinha, nossa cidade e nossa gente.

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