O ritual da gastronomia como valor sócio cultural.

As sociedades ocidentais, na modernidade subestimaram o rito como um símbolo e um valor sócio, politico afetivo e religioso.

Na idade moderna com a consolidação da objetividade pura, coisas como a cozinha, os trabalhos manuais, que faziam parte do universo de civilizações ditas “atrasadas” foram consideradas meramente necessidades básicas, deixando de
fazer parte do universo filosófico e simbólico como um valor. Em algumas regiões da Ásia e África, estes símbolos se mantiveram, veja, por exemplo, a cerimonia do Chá para os Japoneses, ela transcende uma experiência básica, adentrando costumes, estética, processos muito mais complexos.

Difícil datar quando se instituiu a tradição do o Caruru de Sete meninos, acredito que,  o mais importante não é encontrar datas especificas, mas como ele se consolida como e porque se tornou uma tradição e quais seus desdobramentos.

















Bom lembrar que o que dá identidade a determinada comida, não é a origem dos ingredientes combinados, mas todo o complexo conjunto de combinações entre estes elementos, porque estas maneiras obedecem a determinados ritos que lhe dão sentido e como tal apresentam algo de novo e criativo. 
Além do mais falamos de uma cultura eminentemente oral, e subjugada como a africana, que chegou ao Brasil, de forma arbitraria, e teve que impor códigos de proximidade para continuar existindo. 
Assim buscar precisar datas, é algo a meu ver, descontextualizar o essencial, entendendo a culinária como algo parado, amorfo ou fechado, se o próprio tempo se incumbiu de dinamiza-lo.
“As continuações, recriações, ou tão em moda no linguajar gastronômico (releituras) “Grifo meu”,  e invenções na comida-de santo, orientam-se por um conjunto de saberes, técnicas e maneiras ligadas a uma matriz cultural, que se revisita a todo o tempo, se articula através de sentimentos, e da intima relação coma natureza, onde o sagrado é elemento constitutivo da vida da comunidade acompanha as pessoas muito antes do seu nascimento e depois da sua morte”(Vilson Caetano 327 A cozinha e os Truques)

Voltando a ritualização, alguns elementos no Caruru de Sete Meninos ou dos Meninos ou mesmo de Cosminho, reflete claramente uma oposição até uma negação a não romper definitivamente com uma cultura ritualizada, que a cada dia mais se faz presente, imposta pela vertiginosa ocidentalização e individualização que sofremos todos os dias.
A cozinha é um lugar de ritual, como bem assinalou Roger Bastide:
A cozinha não é feita unicamente por mãos peritas; a cozinha nela põe, com suas mãos, também o coração-Como o diz- Isto é, seus complexos, traumatismos, recalques, e pensamentos secretos. Se ela não permite que estranhos nela penetrem no seu local de trabalho, não é apenas por ser ele um santuário do qual ela é a sacerdotisa, e a cozinha uma religião a qual ela celebra o ritual. “É também porque ela ai esta inteiramente nua” (Bastide, 1951:21)

Se fizermos uma leitura rápida em artigos de jornais de alguns anos atrás, veremos o quanto à imprensa tem importância neste sentido, talvez na busca de uma sociedade mais “paritária” com “novos códigos de modernidade” sempre esgueirando um olhar tendencioso, num pouco esforço de compreensão da importância simbólica destes ritos.
Sempre com um cuidado dubio em não se comprometer, mas dando sua nefasta contribuição depreciativa ou um olhar economicista, se atendo ao aumento nos preços dos elementos do preparo em épocas das festas.
A igreja católica teve uma forte contribuição negativa no sentido desta dessacralização do ritual alimentar, a cultura Judaica Cristã, esta historicamente ligada à ideia de abstinência, moderação e sacrifício, um paradoxo ao prazer físico que pode vir da alimentação, ai resta um ponto muito importante com relação ao Candomblé, que tem características filosóficas bem distintas, preconiza exatamente o inverso, vê a mesa e o ato de comer, como o compartilhamento do prazer coletivo, o que fica muito claro na cerimonia do Caruru.
Dou-me ao direito de fazer alguns grifos, sem embasamento teórico mais aprofundado, e que possa servir de prova mais contundente, mas como pesquisador e cozinheiro, tomo a liberdade de fazê-lo, sobre a questão ritualística e de sentido estético, sobre o Caruru de Sete Meninos.
Por puro exercício de elucubração, que vão me conduzindo de forma aleatória e perceptiva e puramente empírica, que refletem claramente a possível proximidade entre as trocas de informações entre oriente e ocidente, muito já se provou que são pertinentes, através da lusofonia. Observo claramente entre a cultura hindu do “Curry Completo”, semelhanças com o “Caruru de Cosme”, por diversos detalhes podemos analisar mais detalhadamente.
A forma de apresentar a comida, a circularidade no consumo do alimento (clara alusão ao Caruru de Sete Meninos), todos em volta de uma bacia ou gamela, a semelhança ente itens alimentícios servidos, ressaltam o valor coletivista e agregador.
Observe que o Caruru de Sete Meninos, é um coletivo de ingredientes e suas formas de preparo, na realidade são varias comidas que perfazer um prato único, sendo assim, respondo a sua pergunta sobre se o Caruru é um prato sacrificial do candomblé, pois cada comida pertencente a este único prato tem o poder de alimentar um ou mais Orixá. A comida-de Santo, diferencia-se, assim daquela do dia-a-dia, Uma coisa é cozinhar o Inhame para Oxalá, quando variam os tamanhos e a forma das raízes, os procedimentos para sua feitura e por fim as palavras ditas para encantar, de um mero Inhame com manteiga, preparado para o café da Manhã. Na realidade ele seria a potencialização do mesmo, uma espécie de Superoferenda (Coco, Inhame, Ovos, Quiabo, Milhos diversos, Pipoca, Farinhas, Abobora, Rapadura, Cana, Feijões dos mais diversos tipos, banhados em azeite de Palma, Mel, ) que remete claramente a cultura primitiva da colheita, uma ode ao feminino e seu poder multiplicador, típico de culturas agrarias como a africana e a hindu.
Outro dado que merece minha atenção, é sobre a feira e ou produtos agrícolas contidos nesta comida.
 Segundo Verger e Bastide, as feiras sempre estiveram ligadas a cultura africana, os mercados Nagôs do baixo Benin, que se reproduziram nas ruas da Bahia, um local sacralizado á Exu, e seus ancestrais, sendo ele a entidade da comunicação, do despudor, um local das mais diversas trocas, socialização, nada interessante a cultura Ocidental, Judaico Cristã, ainda sobre a importância do ritual, vai dizer Mary Douglas:
“Como um animal social, o homem, é um animal ritual”. Se o ritual é suprimido de uma forma, ele aparece inesperadamente em outras, tão mais fortes quanto mais intensas for à interação social. (Douglas, 1986:80)


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