Recôncavo terra de Matriarcas, do Samba e da boa Cozinha Baiana

Difícil falar do Recôncavo sem lembrar das grandes mulheres deste lugar, todas elas deixaram marcas fundamentais na cultura, traços profundos na historia do candomblé,  alem de serem as responsáveis por manter as tradições, simbolo maior de resistência e beleza.

Gaiaku Luiza, Virgínia Rodrigues, Edith do Prato, Nicinha do Samba, Dona Canô, Dona Dalva, Mãe Filhinha e tantas outras mulheres, serão sempre nossas as grandes homenageadas.

Narrativas Reconvexas 

Por que os livros de culinária quase nunca retratam a comida afro-brasileira e africana como ela merece ser tratada?” 

Foi a partir de questionamentos como esse, feitos por mulheres negras, que se desenvolveu a pesquisa de SÉRGIO ROBERTO CARDOSO, Pitadas de africanidades: culinária afro-brasileira em livros de receitas no século XX, que objetivou-se entender qual o tratamento dado à culinária afro-brasileira em publicações culinárias nacionais que circularam pelo país no século XX. Partiu-se do pressuposto de que a participação afro-brasileira na construção de discursos sobre a cultura brasileira foi negada e “embranquecida”, e que esse processo também ocorreu nos discursos sobre a culinária brasileira. 

A partir do entendimento de que esses livros são produtos e produtores das formas de pensar da sociedade brasileira, buscou-se analisar seu contexto de surgimento, seu projeto editorial, seu perfil culinário e a abordagem que foram dadas nessas publicações às preparações afro-brasileiras – em receitas, ilustrações e nos demais paratextos. 

Apresentou-se, ainda, um panorama das teorias e discussões que, em cada momento, balizavam o pensamento social sobre a formação racial brasileira, problematizando qual o impacto destas nas concepções nutricionais e gastronômicas que aludiam à culinária negra. 

Constatou-se, desse modo, que, dadas as noções raciais vigentes e a relevância atribuída ao registro escrito na formação de um discurso sobre a culinária brasileira, os grupos afro￾brasileiros não tiveram participação na formulação dessas publicações culinárias. 

Logo, a representação de seu universo culinário tornou-se diminuta, enviesada pela lógica racista e circunscrita a uma abordagem intencionalmente regionalizada e folclorizante. Assim, estimular outras abordagens faz-se necessário para conferir a real complexidade desses saberes e sabores. 

Quem não provou as receitas de dona Canô?

Mãe de Caetano e Bethânia guardava um rico patrimônio culinário.


Dona Canô morreu como viveu: da forma e no lugar que escolheu.  “Estou indo para o céu”, disse, dias antes, a um vizinho. Matriarca não apenas de sua família, mas da cidade banhada pelo Rio Subaé, que tanto lutou para despoluir, Claudionor Viana Teles Velloso foi a guardiã dos costumes do Recôncavo Baiano. Tanto de sua fé como de seu imenso e particular patrimônio culinário.

“Ao contrário do resto da Bahia, o Recôncavo ainda mantém as tradições da comida de azeite, da comida tradicional”, me disse, aos 98 anos, diante de uma fatia de bolo de limão que compartilhávamos, sentada numa poltrona de veludo grosso sob uma grande foto de Maria Bethânia na parede.

“Quando tem um almoço, vou provar, saber como está. Mas quem faz tudo com gosto e prazer é a Isaura”, dizia ela, sobre sua escudeira há mais de 40 anos. “Azeite de dendê, camarão seco, castanhas e leite de coco não faltam. Nem as frutas frescas para sucos e doces. Sempre tenho farinha de mandioca da feira, que

Caetano e Bethânia adoram, ou os mariscos que Mabel tanto gosta”, explicou, em referência à filha que, por sinal, reuniu as receitas da mãe no livro O sal é dom - receitas de mãe Canô (Melhoramentos).

Apesar das predileções, nenhum dos filhos tinha privilégios à mesa. Nem os famosos. “Não tinha esse negócio de Caetano e Bethânia quererem isso ou aquilo, não. O que um comia, todos comiam”, disse ela, lembrando que, provedora, a mãe precisava cozinhar em grandes quantidades para os oito filhos e muitos agregados da casa de quintal e corredores compridos.

Dona Edith do Prato


Edith Oliveira Nogueira foi uma percussionista e cantora brasileira. Ficou conhecida como Dona Edith do Prato por se apresentar usando uma faca e um prato como instrumentos. Cantava samba-de-roda na sua cidade natal, em geral interpretando temas de domínio público do recôncavo baiano. 

Cantora, percussionista e festeira inveterada, Edith é hoje reverenciada como uma das riquezas da cultura baiana e grande dama do samba de roda do recôncavo. Começou sua trajetória artística como cantora amadora em sua terra natal. Era sempre convidada a tocar em aniversários e carurus. O pai ao perceber a alegria e satisfação da então menina permitia. Foram nas festas que conheceu tanto o primeiro quanto o segundo marido (ambos já mortos).

Com timbre peculiar, entoa samba-de-roda como ninguém, raspa a faca no prato com maestria, numa cadência tão peculiar que esta prática lhe valeu o nome artístico.

Sua estréia artística ocorreu no início dos anos de 1970 quando os cantores e compositores César e Roberto Mendes a levaram para participar com eles em um espetáculo em Feira de Santana (BA). A coroação do seu talento aconteceria anos depois quando no teatro Castro Alves, em Salvador, BA, dividiu o palco e os aplausos com Caetano Veloso (de quem foi ama de leite), Chico Buarque e MPB4.

Dona Edith do Prato, com sua alegria, paixão pelas festas e sambas-de-roda, é uma das artistas baianas que inscreveu a cidade de Santo Amaro no mapa cultural musical da Bahia.

Morreu em Salvador no dia 08 de janeiro de 2009.

Dona Dalva do Samba

Aos 85 anos, dona Dalva Damiana dos Santos é o que podemos chamar, sem medo de ser marketeiro, de matriarca. É guardiã e reprodutora do samba de roda do Recôncavo Baiano. 

Já fez participações em shows e DVDs de Gil e Beth Carvalho, mas não larga Cachoeira, a cidade-joia do Recôncavo onde mantém suas rodas uma vez por semana. Tem a autoridade dos grandes.

Neta de escravos, preta altiva, aprendeu com a avó a fazer outro tesouro do qual é também guardiã: a maniçoba. É com essa comida ancestral, mistura de técnicas indígenas e portuguesas retemperadas pela mão africana, que Dona Dalva alimenta o povo do samba – e o povo da sua cidade.

Não é comida simples. Longe disso. 


Como uma feijoada, o prato leva carnes de porco e demais embutidos. Mas nada de feijões. A base é feita de folhas de mandioca brava trituradas e cozidas. Acabou por aí? Qual nada!

Venenosas, as folhas possuem ácido cianídrico que, se não eliminado, pode matar o comensal.“A folha tem uma maldade, se a gente não tirar a maldade dela, ela mata a gente”, diz dona Dalva.

 São quatro ou cinco lavagens de água quente até o veneno sair. Depois, um a um, os ingredientes, no total de mais de 24 horas de preparo até tudo virar uma grande pasta verde ocre com sabor das carnes. Coisa da época em que éramos obrigados a transformar o incomível em comível. Hoje, elemento de prazer e peça de identidade.

A guardiã da cultura Jeje

Gaiaku Luiza que é bisneta de africano e foi nascida e criada dentro do candomblé aonde chegou a morar dentro da Roça de Ventura. Teve contato com as velhas tias do candomblé que lhe ensinaram muita coisa. Em 1937 Gaiaku Luiza é iniciada para Oyá na nação ketu, no Ilé Ibecê Alaketu Àse Ògún Medjèdjè, do famoso Babalorixá Manoel Cerqueira de Amorin, mais conhecido como Nezinho de Ògún, ou Nezinho da Muritiba, filho-de-santo de Mãe Menininha do Gantois. Por motivos particulares, após 2 anos Gaiaku Luiza se afasta da Roça deste ilustre Babalorixá. Foi Sinhá Abali, segunda Gaiaku a governar a Roça de Ventura, quem viu que Gaiaku Luiza deveria ser iniciada no Jeje, nação de toda sua família, e não no Ketu. Assim, encarrega sua irmã-de-santo Kpòsúsì Romaninha, de sua inteira confiança, a iniciar Gaiaku Luiza no Terreiro Zòògodò Bogun Malè Hùndo, em Salvador. Em 1944, Gaiaku Luiza é iniciada na nação Jeje sendo a terceira a compor um barco de 3 vodunsìs. Seu barco foi constituído por uma Osún, um Azansú e uma Oyá.

Gaiaku Luiza foi uma das poucas Vodunsìs,  na Bahia, que ousaram abrir uma roça de candomblé jeje-mahi. 

Isso ocorreu em 1952, num período em que não era comum tal prática dentro do culto jeje. Na época, supõe-se que existiam somente dois terreiros jeje-mahi na Bahia, que eram o Zòògodò Bogun Malè Hùndo (Terreiro do Bogun), em Salvador, e a Roça de Ventura (Sejá Hundê) , em Cachoeira. Com a autorização e participação de sua mãe-de-santo Kpòsúsì  Romaninha, dona Luiza abriu um terreiro jeje-mahi, tornando-se, então, uma Gaiaku.

Texto extraído e readaptado do livro “Gaiaku Luiza e a trajetória do jeje-mahi”, escrito por Marcos Carvalho (Mejitó Marcos de Gbèsén), filho de santo de Gaiaku Luiza.

Foto: Gaiaku Luiza, sacerdotisa do candomblé jeje, em Cachoeira, com o percussionista Nana Vasconcelos.

Comentários

Postagens mais visitadas