O centenário de um gigante Pernambucano

O poeta João Cabral de Melo Neto, pertencia a uma família ilustre:seu irmão é o historiador Evaldo Cabral de Melo, era primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre.

Embora tenha sido diplomata durante metade de sua vida e frequentado alguns dos melhores restaurantes do Velho Continente, em capitais como Paris, Madri, Londres e Genebra, nas décadas de 1960 a 1980, e do Rio de Janeiro, a então capital federal, entre 1940 e 50, o escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto, que de gourmet não tinha nada, cultivava hábitos simples à mesa. Considerava-se, segundo suas próprias palavras, um “comensal primitivo”.

Nascido em Recife, em 9 de janeiro de 1920, há exatos 100 anos, o autor de Morte e Vida Severina refestelava-se com os sabores afetivos de sua infância guardados na memória e fazia questão de exaltar a culinária de sua terra natal de raízes sertanejas e a boa mesa e doçaria portugueses.

João Cabral de Melo Neto adorava fichários, caderninhos, bloquinhos de anotações, um desses cadernos, ele começou a fazer rascunhos daquilo que um dia pretendia transformar em um longo poema chamado A Casa de Farinha. 

O texto tensiona dois polos sobre a incerteza da atividade da Casa de Farinha entre dois grupos-personagens: as raspadoras ( otimistas) e as raladoras (pessimistas). 

As raspadoras são as responsáveis por descascar a mandioca, limpar a mandioca e a realidade, despir o mundo da rudeza da terra enquanto as raladoras a destroem a uma massa informe. 

Ele escreve: "- E aqui estamos, as raspadeiras / despindo o mundo do feio / O mundo tem mãos de terra / calos na vida e nos dedos. / O que nos cabe é fazer / com que o sujo que nos veio / Possa ser a carne branca / que exige ——-".

Por trás do fechamento da casa de farinha está o Doutor Sudene, personagem em referência ao programa do governo de Juscelino Kubitschek criado em 1959 para o desenvolvimento do nordeste. 

Luís Pimentel no ensaio diz: "como sabemos, - e melhor sabia o diplomata João Cabral -, nem sempre o progresso chega para ajudar o homem a progredir (…) especialmente no tocante a formas tão peculiares de produção de bens de consumo". E para uma reflexão sobre o Brasil, "a casa de farinha" se assenta na tensão entre tradição e progresso, um futuro incerto lastimado pelas raladoras ou esperançoso pelas raspadoras.

Sobre o paladar de João Cabral de Melo Neto:

Eram os sabores da infância de João Cabral de Melo Neto nascido em 09 de Janeiro de 1920, que mais lhe apraziam. Inez conta que quando o pai visitava o Recife, a terra natal, matava a saudade das comidas que lhe davam prazer: bolo de rolo, doce de banana de rodinha, pirão, carne de sol, inhame, (para ele inhame era o cará), macaxeira, jerimum, queijo de coalho, melado, tapioca, entre outras. 

O Cozido era das receitas preferidas e quanto à culinária do mundo, Portugal lhe confortava. Na visão de Inez quando criança, o pai gostava de coisas esquisitas como miolo e couve de Bruxelas. 

Avesso às saladas, disse certa vez que "não era cavalo nem burro para comer folhas", com exceção à couve e ao espinafre feitos com ovos.

O engenho de açúcar foi referência em muitas de suas obras, e disse em uma entrevista que o cheiro da garapa fica pra sempre na memória dos que um dia viveram num engenho. Mas Inez, assegura: "Ele não era um gourmet, comia para manter-se em pé".

Leia entrevista João Cabral de Melo Neto a Antonio Carlos Secchin. A conversa foi registrada em 4 de novembro de 1980 e integra o livro João Cabral de ponta a ponta, que será lançado em breve pela Cepe (Companhia Editora de Pernambuco) em comemoração ao centenário de nascimento do poeta pernambucano. https://www.revistapessoa.com/artigo/3100/joao-cabral-de-ponta-a-ponta

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