Transcrição de artigo sobre as Panc 1897 "Hervas uteis que habitam no Cafezal"

 Matéria de jornal de Itu SP de 1897 sobre "PANCS" Hervas úteis Obras Raras Usp

Hervas uteis que habitam no Cafezal

0 presente artiguete não entra directamente na matéria que sóe fornecerá uma revista agrícola os seus assumptos, dum interesse mais elevado para o progresso da lavoura ; como , porém , por outro lado, não vemos inseripto sobre a bandeira dessa redacção o (desdenhoso» de, minimis, etc.,por isso temos razão para esperar que o admitirá em suas columnas a par com certas outras modestas contribuições que, não se afastando demasiadamente do programma proposto, em todo caso cocorram para varialo.

Para o lavrador o que passamos a escrever nada provavelmente encerra de novo nem digno de grande nota; mas como a Revista Agrícola tambem se pode lisongear de ter leitores entre o publico mais leigo na matéria, fica o nosso artigo dedicado a estes a guisa d ’uma despretenciosa curiosidade no dominio agricola. 

Abordem os pois o nosso asumpto que trata de diversas hervas «bravas» e, entre tanto, uteis que se mostram habituaes ou, antes , quase infaliveis companheirassatellites do «astro» café.

Quando liamos como na Andalusia, durante a fome que lá reinou alguns mezes, grande numero de indivíduos chegaram a extremidade de se nutrirem das hervas silvestres que podessem apanhar pelas mattas e pelos campos, veio nos á lem brança que se tal succedesse na America do Sul, região certamente de recursos naturaes bem superiores, como haveríamos de nos arranjar? tal hypothese que felizmente, pelo menos aqui em S. Paulo, parece que não ha de tão cedo ter base real, conduziu nos a organisar mentalmente uma lista de todas as hervas e outros vegetaes, que como alimenticios no seu estado silvestre conhecemos, e cujo numero não é muito pequeno, embora a maior parte esteja em menosprezo, por que outras cultivadas na horta e possuindo as mesmas propriedades são naturalmente de mais facil a equisição para rico como para pobre; as fruetas silvestres bem se vê que não levamos em conta,  pois que têm cada uma o seo periodo mais ou menos ephemero.

E’ assim que, para por ora não divagarmos muito, só no cafezal, apezar das 5 a 7 limpas que se dão por anno, sempre nasce algum «raatinho», sendo uma grande porcentagem das hervas, que o compoem, ao mesmo tempo de crescimento rapido e de emprego util; é numericamente preponderante e quasi sempre o detestavei «picão» (do genero «bichens», fam. Sinantherear) que transforma em ouriços ou palileiro ambulante á pessoa que com elle vier em contacto, e ainda assim possue suas propriedades medinedicinaes, como tambem a herva de Santa Maria, da fam. das Salsolaceas, de insetifuga reputação. 

Passemos, porém, as comestiveis, que são mais numerosas e que o colono que volta da roça costuma apanhar e trazer comsigo para t ornar a frugal refeição, que o espera, um pouco mais variada itf) « m e n u » e ao mesmo tempo mais salutar.

São as seguintes: a mostarda, a beldroéga , a serralha, o alimeirão, o carurú, o carigijú, o juquery e quem sabe se mais alguma que não nos occorre, e as quase se apreseníam cada uma por sua vez com diversas variedades mais ou menos distinctas.

A mostarda crucifera , universalmente conhecida, e nào confundir com a arvore, a mostarda de qüe falia a escriptura, e que, originando desse humilde germen, chega a fornecer sombra aos rebanhos ; a mostarda dos cafezaes, dos terreiros etc. é uma planta herbaceia que não passa de meio metro; nos veio provavelmente da Europa, de Poriugal, como tambem a maior parte das outras especies de que aqui tratamos; bastando muitas vezes (ainda que nem sempre) para verificara origem e indagar a etymologia do nome.


A beldroéga (Portulaca oleracea)', plantinha assaz humilde com suas folhas ovaes ou cuneiformese carnosas e florzinhas encarnadas, é entretanto tão tenaz quanto prolifera, não nos parece muito saborosa, sendo entretanto herva de reconhecidas propriedades hygiemcas, para não dizer rigorosamente medicinaes.'

A serralha (Sonclius olcraccus) é uma synanteria ou composita, derivando evidentemente o seu nome de ter o contorno da folha recortado igualmente em dentes de serra, e pode se afirmar que constitue a herva de mesa predilecta no interior, apezar de ser em vida duma côr graucescente e depois de cosida apparecer com um verde escuro olivaceo, pouco correcto; sendo porém a sua superioridade proclamada de consenso commun entre gregos e troianos, não ha como não acceital o dogma, apezar de não se poder estar de pleno accordo.

A’ mesma familia pertence o almeirão (Lapsara communis ?), de hábitos dilferentes, tendo as folhas de margem inteira, distantemente denteada ou apenas sinuadas, lanceoladas e longamente acuminadas de côr bem verde, huinifusas e caulinares, caule ramificado com ramos erectoso trazendo o pequeno capitulo fioral de côr amarella. 

Esta especie é vulgarissima, considerada praga, e é entretanto perfeitamente comestível e até saborosa, convindo somente escolher as folhas novas para evitar uma certa rigidez dos talos.

Muito conhecido e apreciado é por toda parte o carurú, da familia das amarantaceas, de que ha diversas especies e variedades; é tão conhecido que dispensa qualquer descripção, e, se por acaso o francez vos gabar muito alto o seu «épinard », deveis convidalo para provar pri meiro o nosso nacional carurü . 

Uma coisa a notar neste sentido é que na combinação com outros ingredientes culinários é que ambas estas hervas adquiriram fama, tanto o espinhafre europeu (que aliás já comemos mais de uma vez nos hoteis de*S. Paulo), como o carurü , ou «Bredo» nacional ; porque , sendo preparadas do mesmo modo primitivo que a maior parte das outras hervas comestíveis,nada offerecem de muito particular.

Chegámos afinal á duas hervas de vastissimas famhia solanacea, que, a parte de venenosas, inclue ímmenso numero de especies uteis ou ultilissimas.

O carigijú, cujo nome especifico não conhecemos, é uma pequena planta herbácea, de folhas curtamente lanceoladis, quasi rhumboides, (florzinhas brancas um tanto corvmbosas e frutinhas negra, que as crianças cornem, constituindo as folhas uma boa herva do mesa.


A 2° solanacea é o Juquery (Solanum oleraceum, Velloso ; juceri Munt), muito differente de todas as outras mencionadas, porque é planta passante, a mdente , que para seu arrimo parecedecidida preferencia á arvore de café, razão porque um lugar lhe cabe neste nosso artigo. 

É além disto por outros títulos um vegetal muito bem caractensado pelos espinhos que o cobrem, pelas follas grandes e compostas, pelos corymbos ou panículas de flores brancas e, campaneladas, pêndulas, e as fructas esphericas, grandes de duas vezes ura diametro de jaboticaba e bonitamente marmoreada de alaranjado e branco.

Esta especie tema sua fama, e até planta-se ás vezes na horta, como merece por mais de um titulo.

Emfim, todas as especies de que acabamos de tratar, encontrara-se tambem fóra do cafezal, mas dão a esta preferencia por que o seu rapido desenvolvimento lhe permitte de completar um cyclo da vegetação entre duas limpas succéssivas, e é exactamente o que lhes convem porque si se deixasse o cafezal sujar mais, outro matto bravo mais robustamente constituido, dentro em pouco as supplanlaria.

A herva culinaria mais universalmente estimada é entre todas inconteslavelmente a couve, que justamente pela sua facil cultura é superior as outras todas reunidas, isso não ha que negar; mas não costuma, pelo menos neste paiz extraviar-se fóra dos quintaes, e portanto não entra no nosso assumpto ; já é porém alguma cousa o fado que só o cafezal, e duranteo anno todo, nos fornece nada menos de 7 especies, com outras palavras, uma para cada dia da semana: querer mais seria ser poucó agradecido á mãe natureza.

Para quem, porém, não se der por satisfeito temos o prazer de rematar o nosso escripto com a aífirmação que as supra mencionadas hervas, a par do seu valor alimenticio para o homem, também  

constitue um excedente pasto para diversos gados, como por exemplo o suino, que dizem ser muito avido principalmente do carurú, tanto que ha até uma especie com o nome vulgar de «carurú de porco». 

As pessoas pois que por não disporem de espaço criam estes animaes em chiqueiro, para os verem sadios e nedios devem lhes variar de vez em quando a uniformidade do sustento cora uma boa ração de hervas frescas, sobretudo desta ultima especie que não será difíicil obter porque nasce espontanea por toda parte, e onde apparece é sempre em abundancia.

_ A.H.


http://www.obrasraras.usp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/5834/A_Cidade_de_Ytu_ano4_n327_1897.pdf?sequence=1


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