Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana
Verbete-E Ensopado ou Caruru de Folhas
Das trocas culturais entre índios e negros africanos, duas culturas com bases agrícolas e coletoras, que tinham fortes conhecimentos fitoterápicos e fito alimentares é bem provável que delas tenham saído muitas comidas à base de folhas.
Segundo Manoel Querino, o Caruru de Folhas, faziam parte dos pratos puramente africanos.
Caruru de Língua de Vaca ( Talinum paniculatum) .
Ingredientes:
Serve: 15 pessoas.
4 maços de Língua de Vaca.
500 g de camarão seco
3 xícaras de água
1 xícara de castanha de caju torradas e sem casca
1 1/2 xícara de amendoim torrado sem casca
200 g de gengibre picado
2 cebolas amarelas grandes cortadas em cubos
1 xícara de azeite de dendê 2 dentes de alho picados Sal a gosto
Modo de preparo:
Lave as folhas e higienize.
Coloque o camarão, 2 xícaras de água, a castanha, o amendoim, o gengibre e a cebola no liquidificador e bata bem.
Leve uma panela com o azeite de dendê e o alho ao fogo médio e refogue por 30 segundos. Adicione o creme de camarão e o sal, refogando tudo junto por 2 minutos.
Acrescente as folhas de língua de vaca, 1 xícara de água e cozinhe por cerca de 20 minutos. Acrescente mais sal se necessário, mexa um pouco e cozinhe por mais 15 minutos até que o quiabo esteja bem cozido. Sirva com arroz branco ou arroz com coco.
O processo de miscigenação afro-indígena tinha lugar na sociedade colonial com variações regionais que dependiam da população trabalhadora, segundo os prisioneiros do Capitão Roeloff Henricus Baro em 1644, os africanos estavam integrados a aldeias indígenas e índios assimilados aos quilombos, o que produzia eventualmente uma população mestiça.
O contato e a cooperação entre africanos e ameríndios criavam sentimentos e atitudes, entre manifestações politicas e de resistência ao regime colonial.
Outro ponto como o sincretismo religioso, pode ser observado nas inter-relações afro-indígenas, espalhadas pelo Amazonas, Maranhão Pernambuco e Bahia, o “Caboclo” é reverenciado como um orixá, espíritos indígenas ou caboclos aparecem juntos como entidades da África Ocidental, inclusive nos mais tradicionais terreiros nagôs da Bahia, ele é reverenciado em sintonia com orixás, na Umbanda como símbolo de liberdade.
O termo Coá, que em Tupi quer dizer “Folha Comestível”, e possível que tenha se difundido em Angola, já no século XII, originando o termo Caruru.
Segundo Yeda Castro, o termo Caruru provem da língua Bantu, de Calulu.
Os tapuias, na qualidade de principal coletores das “drogas do sertão”, como eram chamados certas plantas-nativas e exóticas, muito utilizadas, sobretudo como especiarias e, sobretudo para fins medicinais.
Desde o século XIV, “estas drogas”, foram classificadas e descritas por Garcia da Orta no “Colóquio das simples drogas da Índia”. Sabe-se que até o século XVII não interessou a
Coroa, promover o cultivo destas plantas no Brasil, embora em 1612, Diogo de Campos Moreno, afirmasse que pelo Recôncavo baiano havia plantio de gengibre, e por volta de 1650, se tinha noticia da existência de Benjoim e de Cravo na Capitania de Porto Seguro.
Consta das cartas Regias (1667-1681) que o regente e futuro soberano do Brasil, Pedro II escrevia ao vice-rei da Índia, solicitando remessa com vistas a aclimatação no Brasil, o plantio de Canela, Pimenta, Noz Moscada, Gengibre e Cravo e “que sendo possível, venha com estas plantas, pessoa natural da terra que sabia a cultura delas”
Tudo isso terminou por vicejar em especialmente na região amazônica, além da Salsaparrilha, Anis, Copaíba, Cacau, Baunilha e outras mais de modo que pelo século XVIII se empregava grande quantidade de índios em sua extração, para o que foi vital a instalação, em 1755, da Companhia Geral de Comercio do Grão Pará e Maranhão.
Segundo Antônio Carreira no livro “As companhias pombalinas do Grão Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba” refere-se aos “gêneros e drogas que a natureza liberalmente produz nos sertões desta capitania (do Pará) sem os auxílios da indústria”, descreve o deslocamento dos índios em plena selva:
“As canoas que faziam a extração ou comercio destas admiráveis produções saiam quase todas da capital, servidas e navegadas por índios, os únicos capazes deste trabalho tanto pela experiência que tinham de navegação, como pelo conhecimento das matas dos mesmos gêneros e lugares em que eles se-produziam. (...) Feita à extração em que se gastava grande parte do ano, eram os gêneros conduzidos à capital e nela guardados até se exportarem à Metrópole.
CARURU DE FOLHA Por Cátia Garcez
Tia Iaiá era uma figura pequena, com rosto e olhos miúdos. Era uma boa ouvinte, ria fácil e possuía uma dignidade de rainha. Suas roupas eram sempre impecavelmente bem lavadas e passadas, certamente engomadas para ter aquele aspecto de ter sido tirada do guarda-roupa, mesmo estando vestida há horas. Assim ela aparecia lá em casa, acompanhada de Terezinha, prima em terceiro grau, eu creio, sempre aos sábados à tarde ou domingo depois da missa. Com bastante freqüência, no tempo que vovô morou lá em casa, para se recuperar de uma amputação da perna. Depois com menos freqüência, ela aparecia, nos abraçava com as mãos pequenas e maltratadas pelo trabalho pesado. Falava pouco, nunca se queixava, mesmo quando colocou uma ponte de safena... Era difícil saber se estava triste, pois mesmo em momentos de perdas de entes queridos, quando o nosso olhar de criança encontrava os dela era sempre um sorriso calmo e sereno que víamos, como se tivesse a convicção da efemeridade da vida. Vez por outra íamos visitá-la em sua casinha no bairro do Alegre. Residência simplória com uma porta e duas janelas.
Uma das janelas era usada como balcão para atender aos fregueses, que compravam em sua quitanda. Neste pequeno quarto se vendia tudo em varejo, do fósforo a cachaça. Lembro que ela insistia para encher as nossas mãos de amendoim coberto quando sinalizávamos a despedida. Lembrança gostosa de tia Iaiá! No entanto, o que mais ficou guardado em nossa memória foi o caruru de folha que ela oferecia no dia 01 de novembro, dia de todos os Santos. As dezoito e trinta saíamos de casa, já combinados de como trapacear quando lá chegássemos: É que o caruru de quiabo tinha pra todo mundo, mas o caruru de folha era privilégio dos amigos e parentes, com uma pequena particularidade, o prato que ela servia o caruru era um prato de doce raso e pequeno, que não saciava o nosso desejo de um ano de espera. Era proibido repetir o prato e se insistíssemos ela olhava orgulhosa de suas habilidades culinárias e desconversava com o mesmo sorriso de sempre.
Então, a cada ano fazíamos uma trapalhada na hora de devolver o prato vazio, numa tentativa fracassada de dizer depois, que não tínhamos sido servidas.
Comer caruru de folha é uma experiência ímpar.
Primeiro por que o indivíduo deve ter na sua memória a contextualização de uma história de culinária inventada para driblar a pobreza. Comidas como: maniçoba, buchada, mininico de carneiro, efó, pititinga na folha da banana, rabada, além do caruru de folha eram pratos degustados pelos pobres, que viviam na zona rural a aproveitar as sobras dos fazendeiros e hoje, em muitos lugares ainda é assim.
Os intestinos, pés e outras partes dos animais abatidos nas fazendas eram doados aos “menos favorecidos” e estes mesmos, procuravam encontrar no mato, folhas que servissem de complemento nutritivo para render o prato de cada dia. Muitas folhas apesar de ter os nomes diferentes conforme a região brasileira, ou até mesmo dentro de uma mesma região, são reconhecidas pelo sabor e o valor nutritivo, mas não são muito comuns de serem encontradas nos supermercados e feiras das capitais. Para fazer o caruru de folha apenas quatro tipo servem: minha tia Iaiá, preferia bredo, minha tia-avó Chilena preferia bertalha ou bertagem, minha mãe preferia taioba e eu faço o caruru com língua de vaca, pois é ainda, entre as quatro, a folha mais fácil de encontrar na roça. Essas folhas misturadas a outros ingredientes possibilitam uma experiência inesquecível, pois seu sabor é inigualável.
O primeiro ingrediente a ser usado é o amor pela cultura e tradição do nosso povo, senão, não haveria motivo nem para registro. No mais, reúna 250g de camarão seco de água salgada; uma xícara de castanha torrada e descascada; uma xícara de amendoim torrado e descascado; uma pitada de gengibre raspada; meia xícara de farinha de mandioca fina; três xícaras do leite tirado do coco seco; duas cebolas bem grandes; dois tomates descascados e sem sementes; meio moio de coentro; 120ml de azeite de dendê pisado na roça e uma pitada de sal. Enquanto escrevo, vou hidratando a boca com a saliva que insiste em tentar relembrar o sabor da mistura de tudo isso a três molhos grandes de língua de vaca. Pois então, preparem o avental e se distancie da panela o quanto puder, sem parar de mexer, pois o danado espirra a cada bolha de fervura. Pegue os galhos da língua de vaca, lave em água corrente por causa da areia que vem nela, tira do talo e separa na panela. Volte aos talos que ainda estiverem com um verde natural e descasque. Ponha a faca na parte mais grossa do talo e puxa a camada da pele que sai de uma extremidade a outra, corte miúdo e coloque na panela, junto das folhas; sendo que a ponta dos galhos aproveite sem descascar.
Coloque água na panela com as folhas e talos descascados, cortados e lavador; a quantidade suficiente para cobrir a superfície das folhas e leve ao foco para ferver.
Enquanto isso triture no liquidificador aos poucos e proporcionalmente a farinha de mandioca, o amendoim, a castanha e o camarão formando um pó fino.
Separe numa panela grande. Bata ainda com um terço de xícara de água no liquidificador: tomate, cebola, raspa de gengibre, coentro e sal. Fora do fogo, misture tudo isso e junte ao pó mexendo com uma colher de pau, acrescentando o leite de coco até formar uma massa lisa, sem bola e sem caroço. Reserve. Terminando esta tarefa, volte às folhas. Estas devem dá apenas uma fervura no fogo e então, escorra no escorredor. Ali mesmo, prense um pouco para que saia 70% da água da fervura. Deixe esfriar e coloque aos poucos no liquidificador e triture rapidamente e em pequenas quantidades. Após terminar este processo junte essa papa à massa, misture bastante com a colher de pau e leve ao fogo. Quando estiver em ponto de fervura coloque o azeite.
O segredo é não parar de mexer, passando sempre a colher de pau no fundo e lado da panela.
O ponto para retirar do fogo se dá quando inclinar levemente a panela e o caruru, soltar da lateral e fundo, deixando aquele espaço limpo.
No mais, é ter paciência e se proteger para não se queimar quando o danado espirrar no fogo. Essa delícia pode ser servida com frango cozido e arroz branco escorrido e como neste caso não estamos driblando a miséria, coloque um bom vinho para acompanhar e bom apetite! O texto é um relato da memória da autora que aproveita e fornece a receita do caruru de folha, prato típico da zona rural no nordeste brasileiro
Das trocas culturais entre índios e negros africanos, duas culturas com bases agrícolas e coletoras, que tinham fortes conhecimentos fitoterápicos e fito alimentares é bem provável que delas tenham saído muitas comidas à base de folhas.
Segundo Manoel Querino, o Caruru de Folhas, faziam parte dos pratos puramente africanos.
Caruru de Língua de Vaca ( Talinum paniculatum) .
Ingredientes:
Serve: 15 pessoas.
4 maços de Língua de Vaca.
500 g de camarão seco
3 xícaras de água
1 xícara de castanha de caju torradas e sem casca
1 1/2 xícara de amendoim torrado sem casca
200 g de gengibre picado
2 cebolas amarelas grandes cortadas em cubos
1 xícara de azeite de dendê 2 dentes de alho picados Sal a gosto
Modo de preparo:
Lave as folhas e higienize.
Coloque o camarão, 2 xícaras de água, a castanha, o amendoim, o gengibre e a cebola no liquidificador e bata bem.
Leve uma panela com o azeite de dendê e o alho ao fogo médio e refogue por 30 segundos. Adicione o creme de camarão e o sal, refogando tudo junto por 2 minutos.
Acrescente as folhas de língua de vaca, 1 xícara de água e cozinhe por cerca de 20 minutos. Acrescente mais sal se necessário, mexa um pouco e cozinhe por mais 15 minutos até que o quiabo esteja bem cozido. Sirva com arroz branco ou arroz com coco.
O processo de miscigenação afro-indígena tinha lugar na sociedade colonial com variações regionais que dependiam da população trabalhadora, segundo os prisioneiros do Capitão Roeloff Henricus Baro em 1644, os africanos estavam integrados a aldeias indígenas e índios assimilados aos quilombos, o que produzia eventualmente uma população mestiça.
O contato e a cooperação entre africanos e ameríndios criavam sentimentos e atitudes, entre manifestações politicas e de resistência ao regime colonial.
Outro ponto como o sincretismo religioso, pode ser observado nas inter-relações afro-indígenas, espalhadas pelo Amazonas, Maranhão Pernambuco e Bahia, o “Caboclo” é reverenciado como um orixá, espíritos indígenas ou caboclos aparecem juntos como entidades da África Ocidental, inclusive nos mais tradicionais terreiros nagôs da Bahia, ele é reverenciado em sintonia com orixás, na Umbanda como símbolo de liberdade.
O termo Coá, que em Tupi quer dizer “Folha Comestível”, e possível que tenha se difundido em Angola, já no século XII, originando o termo Caruru.
Segundo Yeda Castro, o termo Caruru provem da língua Bantu, de Calulu.
Os tapuias, na qualidade de principal coletores das “drogas do sertão”, como eram chamados certas plantas-nativas e exóticas, muito utilizadas, sobretudo como especiarias e, sobretudo para fins medicinais.
Desde o século XIV, “estas drogas”, foram classificadas e descritas por Garcia da Orta no “Colóquio das simples drogas da Índia”. Sabe-se que até o século XVII não interessou a
Coroa, promover o cultivo destas plantas no Brasil, embora em 1612, Diogo de Campos Moreno, afirmasse que pelo Recôncavo baiano havia plantio de gengibre, e por volta de 1650, se tinha noticia da existência de Benjoim e de Cravo na Capitania de Porto Seguro.
Consta das cartas Regias (1667-1681) que o regente e futuro soberano do Brasil, Pedro II escrevia ao vice-rei da Índia, solicitando remessa com vistas a aclimatação no Brasil, o plantio de Canela, Pimenta, Noz Moscada, Gengibre e Cravo e “que sendo possível, venha com estas plantas, pessoa natural da terra que sabia a cultura delas”
Tudo isso terminou por vicejar em especialmente na região amazônica, além da Salsaparrilha, Anis, Copaíba, Cacau, Baunilha e outras mais de modo que pelo século XVIII se empregava grande quantidade de índios em sua extração, para o que foi vital a instalação, em 1755, da Companhia Geral de Comercio do Grão Pará e Maranhão.
Segundo Antônio Carreira no livro “As companhias pombalinas do Grão Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraíba” refere-se aos “gêneros e drogas que a natureza liberalmente produz nos sertões desta capitania (do Pará) sem os auxílios da indústria”, descreve o deslocamento dos índios em plena selva:
“As canoas que faziam a extração ou comercio destas admiráveis produções saiam quase todas da capital, servidas e navegadas por índios, os únicos capazes deste trabalho tanto pela experiência que tinham de navegação, como pelo conhecimento das matas dos mesmos gêneros e lugares em que eles se-produziam. (...) Feita à extração em que se gastava grande parte do ano, eram os gêneros conduzidos à capital e nela guardados até se exportarem à Metrópole.
CARURU DE FOLHA Por Cátia Garcez
Tia Iaiá era uma figura pequena, com rosto e olhos miúdos. Era uma boa ouvinte, ria fácil e possuía uma dignidade de rainha. Suas roupas eram sempre impecavelmente bem lavadas e passadas, certamente engomadas para ter aquele aspecto de ter sido tirada do guarda-roupa, mesmo estando vestida há horas. Assim ela aparecia lá em casa, acompanhada de Terezinha, prima em terceiro grau, eu creio, sempre aos sábados à tarde ou domingo depois da missa. Com bastante freqüência, no tempo que vovô morou lá em casa, para se recuperar de uma amputação da perna. Depois com menos freqüência, ela aparecia, nos abraçava com as mãos pequenas e maltratadas pelo trabalho pesado. Falava pouco, nunca se queixava, mesmo quando colocou uma ponte de safena... Era difícil saber se estava triste, pois mesmo em momentos de perdas de entes queridos, quando o nosso olhar de criança encontrava os dela era sempre um sorriso calmo e sereno que víamos, como se tivesse a convicção da efemeridade da vida. Vez por outra íamos visitá-la em sua casinha no bairro do Alegre. Residência simplória com uma porta e duas janelas.
Uma das janelas era usada como balcão para atender aos fregueses, que compravam em sua quitanda. Neste pequeno quarto se vendia tudo em varejo, do fósforo a cachaça. Lembro que ela insistia para encher as nossas mãos de amendoim coberto quando sinalizávamos a despedida. Lembrança gostosa de tia Iaiá! No entanto, o que mais ficou guardado em nossa memória foi o caruru de folha que ela oferecia no dia 01 de novembro, dia de todos os Santos. As dezoito e trinta saíamos de casa, já combinados de como trapacear quando lá chegássemos: É que o caruru de quiabo tinha pra todo mundo, mas o caruru de folha era privilégio dos amigos e parentes, com uma pequena particularidade, o prato que ela servia o caruru era um prato de doce raso e pequeno, que não saciava o nosso desejo de um ano de espera. Era proibido repetir o prato e se insistíssemos ela olhava orgulhosa de suas habilidades culinárias e desconversava com o mesmo sorriso de sempre.
Então, a cada ano fazíamos uma trapalhada na hora de devolver o prato vazio, numa tentativa fracassada de dizer depois, que não tínhamos sido servidas.
Comer caruru de folha é uma experiência ímpar.
Primeiro por que o indivíduo deve ter na sua memória a contextualização de uma história de culinária inventada para driblar a pobreza. Comidas como: maniçoba, buchada, mininico de carneiro, efó, pititinga na folha da banana, rabada, além do caruru de folha eram pratos degustados pelos pobres, que viviam na zona rural a aproveitar as sobras dos fazendeiros e hoje, em muitos lugares ainda é assim.
Os intestinos, pés e outras partes dos animais abatidos nas fazendas eram doados aos “menos favorecidos” e estes mesmos, procuravam encontrar no mato, folhas que servissem de complemento nutritivo para render o prato de cada dia. Muitas folhas apesar de ter os nomes diferentes conforme a região brasileira, ou até mesmo dentro de uma mesma região, são reconhecidas pelo sabor e o valor nutritivo, mas não são muito comuns de serem encontradas nos supermercados e feiras das capitais. Para fazer o caruru de folha apenas quatro tipo servem: minha tia Iaiá, preferia bredo, minha tia-avó Chilena preferia bertalha ou bertagem, minha mãe preferia taioba e eu faço o caruru com língua de vaca, pois é ainda, entre as quatro, a folha mais fácil de encontrar na roça. Essas folhas misturadas a outros ingredientes possibilitam uma experiência inesquecível, pois seu sabor é inigualável.
O primeiro ingrediente a ser usado é o amor pela cultura e tradição do nosso povo, senão, não haveria motivo nem para registro. No mais, reúna 250g de camarão seco de água salgada; uma xícara de castanha torrada e descascada; uma xícara de amendoim torrado e descascado; uma pitada de gengibre raspada; meia xícara de farinha de mandioca fina; três xícaras do leite tirado do coco seco; duas cebolas bem grandes; dois tomates descascados e sem sementes; meio moio de coentro; 120ml de azeite de dendê pisado na roça e uma pitada de sal. Enquanto escrevo, vou hidratando a boca com a saliva que insiste em tentar relembrar o sabor da mistura de tudo isso a três molhos grandes de língua de vaca. Pois então, preparem o avental e se distancie da panela o quanto puder, sem parar de mexer, pois o danado espirra a cada bolha de fervura. Pegue os galhos da língua de vaca, lave em água corrente por causa da areia que vem nela, tira do talo e separa na panela. Volte aos talos que ainda estiverem com um verde natural e descasque. Ponha a faca na parte mais grossa do talo e puxa a camada da pele que sai de uma extremidade a outra, corte miúdo e coloque na panela, junto das folhas; sendo que a ponta dos galhos aproveite sem descascar.
Coloque água na panela com as folhas e talos descascados, cortados e lavador; a quantidade suficiente para cobrir a superfície das folhas e leve ao foco para ferver.
Enquanto isso triture no liquidificador aos poucos e proporcionalmente a farinha de mandioca, o amendoim, a castanha e o camarão formando um pó fino.
Separe numa panela grande. Bata ainda com um terço de xícara de água no liquidificador: tomate, cebola, raspa de gengibre, coentro e sal. Fora do fogo, misture tudo isso e junte ao pó mexendo com uma colher de pau, acrescentando o leite de coco até formar uma massa lisa, sem bola e sem caroço. Reserve. Terminando esta tarefa, volte às folhas. Estas devem dá apenas uma fervura no fogo e então, escorra no escorredor. Ali mesmo, prense um pouco para que saia 70% da água da fervura. Deixe esfriar e coloque aos poucos no liquidificador e triture rapidamente e em pequenas quantidades. Após terminar este processo junte essa papa à massa, misture bastante com a colher de pau e leve ao fogo. Quando estiver em ponto de fervura coloque o azeite.
O segredo é não parar de mexer, passando sempre a colher de pau no fundo e lado da panela.
O ponto para retirar do fogo se dá quando inclinar levemente a panela e o caruru, soltar da lateral e fundo, deixando aquele espaço limpo.
No mais, é ter paciência e se proteger para não se queimar quando o danado espirrar no fogo. Essa delícia pode ser servida com frango cozido e arroz branco escorrido e como neste caso não estamos driblando a miséria, coloque um bom vinho para acompanhar e bom apetite! O texto é um relato da memória da autora que aproveita e fornece a receita do caruru de folha, prato típico da zona rural no nordeste brasileiro
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