TERREIROS DO TAMBÚ
Os batuques paulistas se caracterizaram pela forte presença do Tambu, ou Batuque de Umbigada na capital e interior. Mesmo em pequenas cidades, a existência dos tambores desde o tempo da escravidão é descrita pelos guardiães das histórias, chamados griôs.
Nos encontros que aconteciam transvestidos em festejos, os toques e cânticos falavam sobre situações como as condições de trabalho e as possibilidades de fuga, assim como sobre as diversas maneiras de manter a tradição dentro de um sistema opressor. Com o passar dos tempos, houve mudanças tanto na intencionalidade da realização do Tambu e em sua forma de execução.
Das diversas nuances, nos detivemos em dois fatores fundamentais: a produção dos tambores e suas formas de execução. Em Rio Claro o Tambu deixou de acontecer por mais de 50 anos.
O cenário que encontramos há cinco anos na cidade era desolador. A tradicional festa do batuque havia acontecido até o final da década de 60, quando membros do grupo acusaram Malvino de Oliveira de obter ganhos pessoais com a organização da festa. Diante disso os tambores foram entregues aos seus acusadores. Tal encontro era possível na dimensão que era realizado por conta dos contatos de Malvino, que trabalhava na Central Elétrica e gozava de boa reputação entre os comerciantes da cidade. Sem essa estrutura, em pouco tempo a festa deixou de acontecer. Os tambores tiveram seu fim por conta do ciúme da esposa do batuqueiro que ficou responsável pela guarda dos mesmos. Os tambores passaram a servir para promiscuidades, sendo rachados com machado e ateados ao fogo. Existem relatos sobre sua continuidade nos quintais de determinadas famílias, contudo o que verificamos foi o desconhecimento dos passos da dança e do toque de qualquer dos instrumentos por todos com mais de 40 anos. Chegamos certa vez a levar os tambores ao encontro de uma dessas famílias, onde não havia uma pessoa que soubesse tocar sequer as matracas. Dos antigos registros sobre o batuque na cidade de Rio Claro existem somente algumas fotografias de Copriva, o qual foi contratado pela polícia em 1956 para documentar a festa dos negros.
Na cidadade não há relatos sobre violenta repressão polícial desses encontros, tão pouco a apreensão dos instrumentos como ocorrido no início do seculo XX em alguns terreiros de candomblé e umbanda. Em outras cidades, a cada visita conhecíamos antigos batuqueiros, a muito afastados. Percebemos que o batuque corre na veia, e nada pode tirá-lo. É como se houvesse uma memória ancestral, que uma vez aberto seu canal de ligação, permanece por toda a vida. Assim foi com Dona Clarice, em Rio Claro, que após 60 anos nos mostrou os passos do batuque, sem nunca ter frequentado outra festa desde sua mocidade.
Assim vimos seu filho Cidão tocar o tambu, aprendido com ela no velho sofá da sala. Fizemos os tambores e reunimos os três batuqueiros que se recordavam dos toques do tambu. Promovemos encontros sistemáticos e divulgamos as atividades na comunidade. Mesmo assim, em Rio Claro nenhum outro batuqueiro além daqueles que identificamos inicialmente se apresentou.
Fizemos um tambu e quijengue para Capivari, onde após a morte de Romário Caxias, os tambores não mais puderam ser utilizados pelo não consentimento de sua viúva, a qual ficou com a posse dos mesmos. Ali assistimos a chegada da tradição. Em Tietê víamos alguns dos principais batuqueiros serem repelidos do batuque pelo precário entendimento de alguns novos membros.
Em Piracicaba havia também uma divisão entre os grupos. Decidimos buscar os principais batuqueiros de cada cidade e registrar seus toques. Além dos audios, vídeos e partituras dos toques, relatamos o processo de produção dos tambores e como ocorreu o trabalho em cada uma das comunidades participantes. Esperamos haver contribuído para que a memória permaneça. A impressão sobre o Tambu que nos fica pode ser representada em uma moda de Anecide de Toledo: Nesses vai, vai Nesse vem, vem Batuque de agora não atinge mais ninguém Antigamente era coisa do futuro Negada antigamente aguentava ponto duro.
Confira o vídeo produzido pela Associação Cultural Cachuera:
Batuque de Umbigada das cidades paulistas de Tietê, Piracicaba e Capivari - SP
Tradição artística herdada de escravos onde a forte presença africana dos tambores e da dança de umbigada funde-se ao universo caipira das modas. Revela, de forma surpreendente, a dura perseguição policial sofrida por esta manifestação afro-brasileira (55 min.). Direção: Paulo Dias e Rubens Xavier Co-produção: TV Cultura e Rede Sesc/Senac de TV.
Nos encontros que aconteciam transvestidos em festejos, os toques e cânticos falavam sobre situações como as condições de trabalho e as possibilidades de fuga, assim como sobre as diversas maneiras de manter a tradição dentro de um sistema opressor. Com o passar dos tempos, houve mudanças tanto na intencionalidade da realização do Tambu e em sua forma de execução.
Das diversas nuances, nos detivemos em dois fatores fundamentais: a produção dos tambores e suas formas de execução. Em Rio Claro o Tambu deixou de acontecer por mais de 50 anos.
O cenário que encontramos há cinco anos na cidade era desolador. A tradicional festa do batuque havia acontecido até o final da década de 60, quando membros do grupo acusaram Malvino de Oliveira de obter ganhos pessoais com a organização da festa. Diante disso os tambores foram entregues aos seus acusadores. Tal encontro era possível na dimensão que era realizado por conta dos contatos de Malvino, que trabalhava na Central Elétrica e gozava de boa reputação entre os comerciantes da cidade. Sem essa estrutura, em pouco tempo a festa deixou de acontecer. Os tambores tiveram seu fim por conta do ciúme da esposa do batuqueiro que ficou responsável pela guarda dos mesmos. Os tambores passaram a servir para promiscuidades, sendo rachados com machado e ateados ao fogo. Existem relatos sobre sua continuidade nos quintais de determinadas famílias, contudo o que verificamos foi o desconhecimento dos passos da dança e do toque de qualquer dos instrumentos por todos com mais de 40 anos. Chegamos certa vez a levar os tambores ao encontro de uma dessas famílias, onde não havia uma pessoa que soubesse tocar sequer as matracas. Dos antigos registros sobre o batuque na cidade de Rio Claro existem somente algumas fotografias de Copriva, o qual foi contratado pela polícia em 1956 para documentar a festa dos negros.
Na cidadade não há relatos sobre violenta repressão polícial desses encontros, tão pouco a apreensão dos instrumentos como ocorrido no início do seculo XX em alguns terreiros de candomblé e umbanda. Em outras cidades, a cada visita conhecíamos antigos batuqueiros, a muito afastados. Percebemos que o batuque corre na veia, e nada pode tirá-lo. É como se houvesse uma memória ancestral, que uma vez aberto seu canal de ligação, permanece por toda a vida. Assim foi com Dona Clarice, em Rio Claro, que após 60 anos nos mostrou os passos do batuque, sem nunca ter frequentado outra festa desde sua mocidade.
Assim vimos seu filho Cidão tocar o tambu, aprendido com ela no velho sofá da sala. Fizemos os tambores e reunimos os três batuqueiros que se recordavam dos toques do tambu. Promovemos encontros sistemáticos e divulgamos as atividades na comunidade. Mesmo assim, em Rio Claro nenhum outro batuqueiro além daqueles que identificamos inicialmente se apresentou.
Fizemos um tambu e quijengue para Capivari, onde após a morte de Romário Caxias, os tambores não mais puderam ser utilizados pelo não consentimento de sua viúva, a qual ficou com a posse dos mesmos. Ali assistimos a chegada da tradição. Em Tietê víamos alguns dos principais batuqueiros serem repelidos do batuque pelo precário entendimento de alguns novos membros.
Em Piracicaba havia também uma divisão entre os grupos. Decidimos buscar os principais batuqueiros de cada cidade e registrar seus toques. Além dos audios, vídeos e partituras dos toques, relatamos o processo de produção dos tambores e como ocorreu o trabalho em cada uma das comunidades participantes. Esperamos haver contribuído para que a memória permaneça. A impressão sobre o Tambu que nos fica pode ser representada em uma moda de Anecide de Toledo: Nesses vai, vai Nesse vem, vem Batuque de agora não atinge mais ninguém Antigamente era coisa do futuro Negada antigamente aguentava ponto duro.
Confira o vídeo produzido pela Associação Cultural Cachuera:
Batuque de Umbigada das cidades paulistas de Tietê, Piracicaba e Capivari - SP
Tradição artística herdada de escravos onde a forte presença africana dos tambores e da dança de umbigada funde-se ao universo caipira das modas. Revela, de forma surpreendente, a dura perseguição policial sofrida por esta manifestação afro-brasileira (55 min.). Direção: Paulo Dias e Rubens Xavier Co-produção: TV Cultura e Rede Sesc/Senac de TV.
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