Adorável delicia das Neves -Historia do Sorvete.
Por Isabel Sanson Portella
Há muitos mil anos atrás, em dias de calor insuportável, atravessando desertos, alguém deve ter pensado no gelo para se refrescar.
Sabe-se que os egípcios, os persas e árabes misturavam o gelo e a neve das montanhas com suco de fruta e mel e assim amenizavam o calor.
Nero, o Imperador romano, já nos anos sessenta de nossa era, mandava escravos às montanhas buscar neve e servia a seus convidados com frutas, néctar e mel.
Nas famosas festas gastronômicas de Roma todos se deliciavam, mas ninguém podia experimentar a receita fora dos limites do palácio. Assim, quando morreu Nero, o Imperador que gostava tanto do fogo quanto da neve, não se teve mais notícias das delícias geladas.
Os chineses há mais de 3000 anos já se regalavam com saborosos gelados de fruta. Inventaram também um doce que pode ser considerado uma espécie de tataravô do sorvete atual. Preparavam uma pasta à base de farinha de arroz açucarada e leite, que era depois colocada na neve para endurecer. Essa mistura gelada era muito apreciada pelos imperadores chineses. O mais difícil era conservar o gelo natural para ser usado durante o verão.
Os chineses, criativos, construíram imensos depósitos subterrâneos que chegaram a armazenar cerca de mil blocos de gelo. Marco Pólo, que viveu na China em finais do século XIII, trouxe, de regresso à Europa, algumas receitas de gelado. Além do macarrão, o navegador veneziano introduziu no ocidente os princípios da sorveteria.
A Itália passou a consumir gelados à base de frutas e, graças ao sucesso, as receitas foram se aprimorando, tornando-se mais macias e nutritivas, com o acréscimo de leite e creme. Famoso entre os italianos, o sorvete chegou à França no século XVI levado pela princesa Catarina de Medicis, que ao se casar com o duque de Orleans, levou na bagagem seu “maitre” florentino.
Durante 34 dias foram oferecidos gelados diferentes a cada refeição. A corte enlouqueceu. Sobremesas geladas e semi-geladas, feitas com creme de leite, apareciam todos os dias e algumas foram até motivo de segredo.
Dizem que o sorveteiro do reino teve sua língua cortada e foi enclausurado numa masmorra para preservar as receitas. Mas a novidade era ainda um alimento exclusivo dos nobres, pois o gelo continuava a ser trazido das montanhas, era conservado com muita dificuldade e por pouco tempo.
O sorvete era um luxo, o capricho supremo das classes mais favorecidas do qual o povo achava-se excluído.
A popularização do sorvete deu-se apenas um século mais tarde, em 1686, quando Procópio Coltelli abriu em Paris o Café Procope, que servia bebidas geladas e deliciosos sorbet.
Valendo-se da descoberta do efeito combinado de gelo e sal, que proporcionava um rápido resfriamento, possibilitando uma produção em larga escala, Procópio tornou-se responsável pela democratização dos sorvetes. E o sucesso foi tal que menos de uma década depois já havia mais de 250 sorveterias concorrentes, só em Paris.
A denominação francesa sorbet vem do árabe Chorbat, que significa “suco de frutas adoçado com açúcar e diluído em água gelada”.
Os califas de Bagdá degustavam calda de frutas servida sobre a neve, uma espécie de “raspadinha”.
Os sorbet franceses, feitos com as mais variadas frutas, deram origem ao sorvete brasileiro... Da França o sorvete ganhou a Inglaterra e logo toda a Europa. Grandes conquistadores e colonizadores da era moderna, os europeus difundiram o hábito de degustar gelados por todo o mundo. Foi assim, levado pelos colonizadores ingleses, que o sorvete chegou aos Estados Unidos onde teve enorme aceitação. A primeira fábrica de sorvetes foi inaugurada e com a invenção da refrigeração mecânica, em fins do século XIX, a produção disparou.
Os Estados Unidos tornaram-se os maiores consumidores de sorvete e o alimento passou de iguaria dos nobres a sobremesa comum de todas as famílias. Foi inclusive criado o “Dia Nacional do Sorvete” (14 de julho).
Os americanos inovaram: criaram o “milk shake”, em 1889; o “sundae”, novidade servida com calda e que teve o nome anterior, “sunday”(domingo), alterado para sundae, afim de evitar problemas com a igreja; o “ice cream soda”, sorvete batido com soda, e muitas delícias mais.
Em 1904 surgiu a “casquinha”, um cone de massa de biscoito usado para que o sorvete não pingasse. Dizem que um sorveteiro querendo oferecer à namorada seu gelado e não tendo um prato para isso, enrolou uma bolacha e colocou o sorvete dentro.
Daí para frente, a cada dia surgem novidades fantásticas, sorvetes que alem de deliciosos alimentam e refrescam de modo saudável.
Entrando numa fria... A primeira vez que o Brasil entrou numa gelada foi em 1834, quando aqui chegou, vindo dos Estados Unidos, um carregamento de gelo natural. Parece sempre uma impossibilidade se trazer gelo natural de tão longe, mas vale notar que em 1833, o norte-americano Frederic Tudor, de Boston, começou o seu grande negócio de exportação de gelo natural (ou seja, retirado de lagos congelados no inverno) para a Índia.
Tudor, que ficou conhecido como Ice King aperfeiçoou toda uma logística e tecnologia para o armazenamento e transporte do gelo a longa distância, o que teve ampla repercussão na imprensa à época.
Fotografias das “fazendas de gelo” nos EUA
Em Portugal, o gosto pelos gelados foi introduzido durante o século XVII pelos nobres espanhóis que mantinham o Palácio do Escorial abastecido com neve das serras próximas.
A novidade espalhou-se entre os portugueses e, em 1782, surgia a “Casa da Neve”, cuja especialidade era a confecção de gelados com neve do Montejunto.
Em 1795 a Casa da Neve mudou o nome para Café do Martinho e anos depois para Martinho da Arcada, café em funcionamento ainda nos dias de hoje.
No Brasil, mais precisamente no Sul do país, onde as temperaturas são mais baixas, surgiu a idéia do aproveitamento das geadas.
Foi o governador Dom Diogo de Souza, em Porto Alegre do início do século XIX, quem introduziu esta delícia. "Oferecendo-se uma recepção em seu simpático solar do Caminho Novo [em Porto Alegre], ocorreu-lhe proporcionar aos convidados uma surpresa agradável: fez expor às fortes geadas que então caíam (enfrentava-se à época um dos mais furiosos invernos do sul) algumas vasilhas contendo água, a que adicionara certa porção de sumo de frutas - laranja e lima possivelmente.
A uma hora da madrugada, recolhidos os recipientes nos quais o líquido gelara completamente, mandou moer parte do sólido transparente e cortar em lâminas outra parte, proporcionando aos visitantes admirados a novidade sensacional.
Reza a crônica que o requintado obséquio muito agradou aos presentes. e que damas e cavalheiros, desmanchando na boca o esquisito granizo ou lambendo as delgadas lâminas de vidro açucarado, muito se deleitaram do ... invento ".
Já no século XVIII, encontramos um livro de receitas que ensinava a fazer sorvete com o gelo natural e as artes de conservá-lo.
O Brasil, entretanto, não era, pelo tempo, país de requintes.
A receita do sorvete setecentista, de acordo com de Bulhões, era a seguinte: "Espremer-se-ão os limões azedos, que se façam uma onça de sumo, e espremer-se-ão de limões doces outro tanto com duas onças de açúcar em calda, se lançarão na sorveteira, conservando no balde à roda dois aratéis e meio de neve, ou três, e se gelará de sorte que pareça torrões de açúcar.
Já se deve advertir, que para a neve ter a força de penetrar e gelar a calda, se lhe há de deitar dois punhos de sal, e para esfriar bem não necessita dele, se quiserem a água da calda tão somente fria sem gelar "
Nota de sensação para o Rio foi, em 1834, a chegada do primeiro gelo que viera do lago Potomaque, perto de Boston. A principio o carioca recebeu-o meio ressabiado. Parecia que lhe queimava a boca.
O diplomata francês, Conde Alexis de Saint Priest, registrou em comunicado à Corte de Luís Felipe, em 1834: "Uma particularidade que quase não merecia ser relatada, mas entretanto bem singular, é a introdução do gelo no Rio de Janeiro.
Nunca fora visto aqui. Um navio americano trouxe agora um carregamento. Nos primeiros dias, ninguém o queria: julgavam os brasileiros que o gelo os queimava, mas hoje, já conseguiu grande voga e emprega-se de modo tão agradável quanto útil, neste clima".
O referido emprego era principalmente em sorvetes, vendidos a duzentos réis o copo, na Confeitaria Carceller, à rua Direita, entre Ouvidor e a igreja do Carmo.
Segundo consta, o próprio Imperador-menino teve licença para degustar a novidade.
Ficou também registrado que uma elegante senhora, ao se deliciar com o primeiro sorvete, estalando a língua de prazer e lembrando-se de que só as coisas proibidas são verdadeiramente boas, exclamou: “Que pena não ser pecado!” E a 23 de agosto de 1834 o gelo era posto à disposição do carioca, conforme o seguinte anuncio no Jornal do Commercio: Annuncio Com effeito, um Barco Americano acaba de chegar carregado de este precioso genero, para que possamos suavisar com o seu uso os ardores excessivos do verão; e para que os Srs. Professores Physiologicos o tenhão á sua disposição, para pode-lo mandar applicar em tantos casos de moléstias das quaes he milagroso específico. Desejoso Lorenzo Falla de satisfazer aos desejos manifestos pelos Srs. concorrentes que o honrão tem-se animado a fazer a compra deste carregamento, e consequentemente, todas as tardes haverá no seu estabelecimento no Largo do Paço, gelados de diferentes qualidades, tanto simples como amanteigados, e peças fortes; executará qualquer comenda que lhe venha feita para banquetes ou chás para fora de casa; e terá a toda a hora gelo para vender aos que precisarem comprar por libras, tanto no seu estabelecimento como na confeitaria do Sr. Deroche rua do Ouvidor n. 175. NB - Principiará a venda dos gelados hoje das 4 horas por diante.”
Na época não havia como conservar os sorvetes gelados, por isso tinham que ser consumidos logo após a fabricação. Os anúncios avisavam a hora exata em que seriam postos à venda e o público, ansioso para experimentar, acorria.
O gelo chegou envolto em serragem e foi enterrado em covas, tendo durado quatro meses. O depósito estava localizado onde hoje é a rua Santa Luzia.
Com o gelo natural importado, o carioca regalou-se com os gelados de frutas, principalmente preparados por confeiteiros como Lourenço Falla e Denis, e depois por Luigi Basini do Café do Cercle du Commerce.
Caju e pitanga eram as frutas preferidas, mas fazia-se muito sorvete com laranja, banana, abacaxi, tamarindo, manga, carambola, cambucá, coco e cajá.
O sorvete de chocolate era também apreciado, sendo o de baunilha mais raro.
Diz-se que o Imperador D. Pedro II preferia o sorvete de pitanga.
A moda do sorvete tão generalizada se tornou que foi motivo de escândalos: políticos acusavam seus adversários, nos pasquins de terem “dado bailes nos quais, só em sorvetes, gastou-se mais de 200$000”. O Rio oitocentista possuía ruas estreitas onde mal passavam os bondes e tílburis.
Os freqüentadores do centro do Rio eram pessoas finamente vestidas, numa exibição diária de elegância e luxo.
Era ali, no movimentado e apertado centro da cidade, que sucediam-se as casas das modistas, joalherias, livrarias, hotéis de renome e cafés onde se reunia a boemia literária.
Os cafés e confeitarias, nessa época áurea, se tornaram centro da vida cultural, literária, política e social do Rio, capital do Império e da República. Alguns cafés como o Cercle du Commerce, o Café de la Belle Hélène e o Café de la Bourse, situados entre a rua Direita e a rua do Ouvidor, tiveram importância fundamental para a boemia carioca.
O Rio de Janeiro durante todo o século XIX viveu uma vida nitidamente parisiense. Paris era o modelo, a coqueluche, e foi a cultura francesa que imperou no gosto, no estilo e no modo vivente da época. Liam-se romances franceses, falava-se francês nos “salons”, viajava-se em paquetes de “messagerie”, não se admitia senão refeições à “francesa” com menus em francês. A influência francesa nos abriu as portas da civilização, e foi através dela que tivemos o primeiro contato com as letras, as ciências, as artes.
Em O Rio de Janeiro Imperial, Adolfo Morales de los Rios afirma que a casa comercial localizada à rua Direita (hoje Primeiro de Março) número 11, O Café Cercle du Commerce, trouxe em 1835, Luigi Basini, italiano com uma técnica nova e incrementada para refrescar os transeuntes cariocas que faziam o seu footing pelas ruas do Rio de janeiro em meados do século XIX. No dia 30 de dezembro de 1835 o Sr. Denis, proprietário do estabelecimento estampa nas páginas do Jornal do Commércio um anúncio em que tem a honra de participar aos seus fregueses e ao público em geral, que se associou, no negócio do gelo, ao Sr. Basini.
A casa ficará aberta das 10 horas da manhã às 10 da noite, oferecendo café gelado à italiana e outras iguarias com a mesma qualidade das melhores sorveterias de Nápoles. Também aprontará encomendas para fora e fica afiançada a prontidão, asseio e qualidade tanto destas como dos refrescos que se servirem nas suas salas, entre as quais há uma exclusivamente destinada às senhoras.
O sorvete pode ser considerado o precursor do movimento de liberação da mulher, pois, para saboreá-lo, as senhoras enfrentaram os preconceitos da época: invadiram bares e confeitarias, lugares até então freqüentados apenas pelos homens. Segundo Danilo Gomes em seu livro Confeitarias do Rio Antigo, o sucesso do Sr. Basini foi de tal ordem que até de Niterói vinham pessoas especialmente para tomar seus deliciosos sorvetes. E naquela época as viagens Rio-Niterói não eram tão simples.
O cotidiano do Rio de Janeiro está repleto de curiosidades que marcaram a presença do sorvete entre a população.
Luiz Edmundo, em O Rio de Janeiro de meu Tempo, transcreveu o pregão dos vendedores de sorvete: Particularmente interessante e pitoresco é o preto vendedor de sorvete, com a lata de sua mercadoria envolta em panos, sempre muito brancos e muito asseados apregoando em verso:
Sorvetinho, sorvetão Sorvetinho de tostão
Quem não tem um tostãosinho
Não toma sorvete, não!
Sorvete, Iaiá!
Não esquecer que, no verão, o sorvete também se vende em carroças que tem, incompreensivelmente, a forma de navios. Por vezes as praças coalham-se de Gamas e Cabrais, vendendo gelados em casquinha a tostão e a dois vinténs. Sorvetinho, sorvetão, Sorvetinho de ilusão! Quem não tem duzentos-réis Não toma sorvete não. Sorvete, iaiá É de quatro colidade (sic)...
Pioneiro na atividade de sorveteiro em nosso país, Luigi Barsini e seu esforço em coordenar atividades complexas numa época de dificuldades logísticas e técnicas merece ser lembrado com destaque.
Isabel Sanson Portella é carioca, museóloga e pesquisadora da História Bibliografia: FIGUEIREDO, Guilherme.
Comidas meu santo! Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1964.
GERSON, Brasil.História das Ruas do Rio.
Rio de Janeiro:Editora Brasiliana, 1965. GOMES, Danilo. Antigos cafés do Rio de Janeiro. Rio:Livraria Kosmos Editora,1989. LUIZ EDMUNDO. O Rio de Janeiro do meu tempo.5 volumes.Rio:conquista,1957.
MORALES DE LOS RIOS FILHO, Alfredo.O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro:Editora A Noite, 1946.
Há muitos mil anos atrás, em dias de calor insuportável, atravessando desertos, alguém deve ter pensado no gelo para se refrescar.
Sabe-se que os egípcios, os persas e árabes misturavam o gelo e a neve das montanhas com suco de fruta e mel e assim amenizavam o calor.
Nero, o Imperador romano, já nos anos sessenta de nossa era, mandava escravos às montanhas buscar neve e servia a seus convidados com frutas, néctar e mel.
Nas famosas festas gastronômicas de Roma todos se deliciavam, mas ninguém podia experimentar a receita fora dos limites do palácio. Assim, quando morreu Nero, o Imperador que gostava tanto do fogo quanto da neve, não se teve mais notícias das delícias geladas.
Os chineses há mais de 3000 anos já se regalavam com saborosos gelados de fruta. Inventaram também um doce que pode ser considerado uma espécie de tataravô do sorvete atual. Preparavam uma pasta à base de farinha de arroz açucarada e leite, que era depois colocada na neve para endurecer. Essa mistura gelada era muito apreciada pelos imperadores chineses. O mais difícil era conservar o gelo natural para ser usado durante o verão.
Os chineses, criativos, construíram imensos depósitos subterrâneos que chegaram a armazenar cerca de mil blocos de gelo. Marco Pólo, que viveu na China em finais do século XIII, trouxe, de regresso à Europa, algumas receitas de gelado. Além do macarrão, o navegador veneziano introduziu no ocidente os princípios da sorveteria.
A Itália passou a consumir gelados à base de frutas e, graças ao sucesso, as receitas foram se aprimorando, tornando-se mais macias e nutritivas, com o acréscimo de leite e creme. Famoso entre os italianos, o sorvete chegou à França no século XVI levado pela princesa Catarina de Medicis, que ao se casar com o duque de Orleans, levou na bagagem seu “maitre” florentino.
Durante 34 dias foram oferecidos gelados diferentes a cada refeição. A corte enlouqueceu. Sobremesas geladas e semi-geladas, feitas com creme de leite, apareciam todos os dias e algumas foram até motivo de segredo.
Dizem que o sorveteiro do reino teve sua língua cortada e foi enclausurado numa masmorra para preservar as receitas. Mas a novidade era ainda um alimento exclusivo dos nobres, pois o gelo continuava a ser trazido das montanhas, era conservado com muita dificuldade e por pouco tempo.
O sorvete era um luxo, o capricho supremo das classes mais favorecidas do qual o povo achava-se excluído.
A popularização do sorvete deu-se apenas um século mais tarde, em 1686, quando Procópio Coltelli abriu em Paris o Café Procope, que servia bebidas geladas e deliciosos sorbet.
Valendo-se da descoberta do efeito combinado de gelo e sal, que proporcionava um rápido resfriamento, possibilitando uma produção em larga escala, Procópio tornou-se responsável pela democratização dos sorvetes. E o sucesso foi tal que menos de uma década depois já havia mais de 250 sorveterias concorrentes, só em Paris.
A denominação francesa sorbet vem do árabe Chorbat, que significa “suco de frutas adoçado com açúcar e diluído em água gelada”.
Os califas de Bagdá degustavam calda de frutas servida sobre a neve, uma espécie de “raspadinha”.
Os sorbet franceses, feitos com as mais variadas frutas, deram origem ao sorvete brasileiro... Da França o sorvete ganhou a Inglaterra e logo toda a Europa. Grandes conquistadores e colonizadores da era moderna, os europeus difundiram o hábito de degustar gelados por todo o mundo. Foi assim, levado pelos colonizadores ingleses, que o sorvete chegou aos Estados Unidos onde teve enorme aceitação. A primeira fábrica de sorvetes foi inaugurada e com a invenção da refrigeração mecânica, em fins do século XIX, a produção disparou.
Os Estados Unidos tornaram-se os maiores consumidores de sorvete e o alimento passou de iguaria dos nobres a sobremesa comum de todas as famílias. Foi inclusive criado o “Dia Nacional do Sorvete” (14 de julho).
Os americanos inovaram: criaram o “milk shake”, em 1889; o “sundae”, novidade servida com calda e que teve o nome anterior, “sunday”(domingo), alterado para sundae, afim de evitar problemas com a igreja; o “ice cream soda”, sorvete batido com soda, e muitas delícias mais.
Em 1904 surgiu a “casquinha”, um cone de massa de biscoito usado para que o sorvete não pingasse. Dizem que um sorveteiro querendo oferecer à namorada seu gelado e não tendo um prato para isso, enrolou uma bolacha e colocou o sorvete dentro.
Daí para frente, a cada dia surgem novidades fantásticas, sorvetes que alem de deliciosos alimentam e refrescam de modo saudável.
Entrando numa fria... A primeira vez que o Brasil entrou numa gelada foi em 1834, quando aqui chegou, vindo dos Estados Unidos, um carregamento de gelo natural. Parece sempre uma impossibilidade se trazer gelo natural de tão longe, mas vale notar que em 1833, o norte-americano Frederic Tudor, de Boston, começou o seu grande negócio de exportação de gelo natural (ou seja, retirado de lagos congelados no inverno) para a Índia.
Tudor, que ficou conhecido como Ice King aperfeiçoou toda uma logística e tecnologia para o armazenamento e transporte do gelo a longa distância, o que teve ampla repercussão na imprensa à época.
Fotografias das “fazendas de gelo” nos EUA
Em Portugal, o gosto pelos gelados foi introduzido durante o século XVII pelos nobres espanhóis que mantinham o Palácio do Escorial abastecido com neve das serras próximas.
A novidade espalhou-se entre os portugueses e, em 1782, surgia a “Casa da Neve”, cuja especialidade era a confecção de gelados com neve do Montejunto.
Em 1795 a Casa da Neve mudou o nome para Café do Martinho e anos depois para Martinho da Arcada, café em funcionamento ainda nos dias de hoje.
No Brasil, mais precisamente no Sul do país, onde as temperaturas são mais baixas, surgiu a idéia do aproveitamento das geadas.
Foi o governador Dom Diogo de Souza, em Porto Alegre do início do século XIX, quem introduziu esta delícia. "Oferecendo-se uma recepção em seu simpático solar do Caminho Novo [em Porto Alegre], ocorreu-lhe proporcionar aos convidados uma surpresa agradável: fez expor às fortes geadas que então caíam (enfrentava-se à época um dos mais furiosos invernos do sul) algumas vasilhas contendo água, a que adicionara certa porção de sumo de frutas - laranja e lima possivelmente.
A uma hora da madrugada, recolhidos os recipientes nos quais o líquido gelara completamente, mandou moer parte do sólido transparente e cortar em lâminas outra parte, proporcionando aos visitantes admirados a novidade sensacional.
Reza a crônica que o requintado obséquio muito agradou aos presentes. e que damas e cavalheiros, desmanchando na boca o esquisito granizo ou lambendo as delgadas lâminas de vidro açucarado, muito se deleitaram do ... invento ".
Já no século XVIII, encontramos um livro de receitas que ensinava a fazer sorvete com o gelo natural e as artes de conservá-lo.
O Brasil, entretanto, não era, pelo tempo, país de requintes.
A receita do sorvete setecentista, de acordo com de Bulhões, era a seguinte: "Espremer-se-ão os limões azedos, que se façam uma onça de sumo, e espremer-se-ão de limões doces outro tanto com duas onças de açúcar em calda, se lançarão na sorveteira, conservando no balde à roda dois aratéis e meio de neve, ou três, e se gelará de sorte que pareça torrões de açúcar.
Já se deve advertir, que para a neve ter a força de penetrar e gelar a calda, se lhe há de deitar dois punhos de sal, e para esfriar bem não necessita dele, se quiserem a água da calda tão somente fria sem gelar "
Nota de sensação para o Rio foi, em 1834, a chegada do primeiro gelo que viera do lago Potomaque, perto de Boston. A principio o carioca recebeu-o meio ressabiado. Parecia que lhe queimava a boca.
O diplomata francês, Conde Alexis de Saint Priest, registrou em comunicado à Corte de Luís Felipe, em 1834: "Uma particularidade que quase não merecia ser relatada, mas entretanto bem singular, é a introdução do gelo no Rio de Janeiro.
Nunca fora visto aqui. Um navio americano trouxe agora um carregamento. Nos primeiros dias, ninguém o queria: julgavam os brasileiros que o gelo os queimava, mas hoje, já conseguiu grande voga e emprega-se de modo tão agradável quanto útil, neste clima".
O referido emprego era principalmente em sorvetes, vendidos a duzentos réis o copo, na Confeitaria Carceller, à rua Direita, entre Ouvidor e a igreja do Carmo.
Segundo consta, o próprio Imperador-menino teve licença para degustar a novidade.
Ficou também registrado que uma elegante senhora, ao se deliciar com o primeiro sorvete, estalando a língua de prazer e lembrando-se de que só as coisas proibidas são verdadeiramente boas, exclamou: “Que pena não ser pecado!” E a 23 de agosto de 1834 o gelo era posto à disposição do carioca, conforme o seguinte anuncio no Jornal do Commercio: Annuncio Com effeito, um Barco Americano acaba de chegar carregado de este precioso genero, para que possamos suavisar com o seu uso os ardores excessivos do verão; e para que os Srs. Professores Physiologicos o tenhão á sua disposição, para pode-lo mandar applicar em tantos casos de moléstias das quaes he milagroso específico. Desejoso Lorenzo Falla de satisfazer aos desejos manifestos pelos Srs. concorrentes que o honrão tem-se animado a fazer a compra deste carregamento, e consequentemente, todas as tardes haverá no seu estabelecimento no Largo do Paço, gelados de diferentes qualidades, tanto simples como amanteigados, e peças fortes; executará qualquer comenda que lhe venha feita para banquetes ou chás para fora de casa; e terá a toda a hora gelo para vender aos que precisarem comprar por libras, tanto no seu estabelecimento como na confeitaria do Sr. Deroche rua do Ouvidor n. 175. NB - Principiará a venda dos gelados hoje das 4 horas por diante.”
Na época não havia como conservar os sorvetes gelados, por isso tinham que ser consumidos logo após a fabricação. Os anúncios avisavam a hora exata em que seriam postos à venda e o público, ansioso para experimentar, acorria.
O gelo chegou envolto em serragem e foi enterrado em covas, tendo durado quatro meses. O depósito estava localizado onde hoje é a rua Santa Luzia.
Com o gelo natural importado, o carioca regalou-se com os gelados de frutas, principalmente preparados por confeiteiros como Lourenço Falla e Denis, e depois por Luigi Basini do Café do Cercle du Commerce.
Caju e pitanga eram as frutas preferidas, mas fazia-se muito sorvete com laranja, banana, abacaxi, tamarindo, manga, carambola, cambucá, coco e cajá.
O sorvete de chocolate era também apreciado, sendo o de baunilha mais raro.
Diz-se que o Imperador D. Pedro II preferia o sorvete de pitanga.
A moda do sorvete tão generalizada se tornou que foi motivo de escândalos: políticos acusavam seus adversários, nos pasquins de terem “dado bailes nos quais, só em sorvetes, gastou-se mais de 200$000”. O Rio oitocentista possuía ruas estreitas onde mal passavam os bondes e tílburis.
Os freqüentadores do centro do Rio eram pessoas finamente vestidas, numa exibição diária de elegância e luxo.
Era ali, no movimentado e apertado centro da cidade, que sucediam-se as casas das modistas, joalherias, livrarias, hotéis de renome e cafés onde se reunia a boemia literária.
Os cafés e confeitarias, nessa época áurea, se tornaram centro da vida cultural, literária, política e social do Rio, capital do Império e da República. Alguns cafés como o Cercle du Commerce, o Café de la Belle Hélène e o Café de la Bourse, situados entre a rua Direita e a rua do Ouvidor, tiveram importância fundamental para a boemia carioca.
O Rio de Janeiro durante todo o século XIX viveu uma vida nitidamente parisiense. Paris era o modelo, a coqueluche, e foi a cultura francesa que imperou no gosto, no estilo e no modo vivente da época. Liam-se romances franceses, falava-se francês nos “salons”, viajava-se em paquetes de “messagerie”, não se admitia senão refeições à “francesa” com menus em francês. A influência francesa nos abriu as portas da civilização, e foi através dela que tivemos o primeiro contato com as letras, as ciências, as artes.
Em O Rio de Janeiro Imperial, Adolfo Morales de los Rios afirma que a casa comercial localizada à rua Direita (hoje Primeiro de Março) número 11, O Café Cercle du Commerce, trouxe em 1835, Luigi Basini, italiano com uma técnica nova e incrementada para refrescar os transeuntes cariocas que faziam o seu footing pelas ruas do Rio de janeiro em meados do século XIX. No dia 30 de dezembro de 1835 o Sr. Denis, proprietário do estabelecimento estampa nas páginas do Jornal do Commércio um anúncio em que tem a honra de participar aos seus fregueses e ao público em geral, que se associou, no negócio do gelo, ao Sr. Basini.
A casa ficará aberta das 10 horas da manhã às 10 da noite, oferecendo café gelado à italiana e outras iguarias com a mesma qualidade das melhores sorveterias de Nápoles. Também aprontará encomendas para fora e fica afiançada a prontidão, asseio e qualidade tanto destas como dos refrescos que se servirem nas suas salas, entre as quais há uma exclusivamente destinada às senhoras.
O sorvete pode ser considerado o precursor do movimento de liberação da mulher, pois, para saboreá-lo, as senhoras enfrentaram os preconceitos da época: invadiram bares e confeitarias, lugares até então freqüentados apenas pelos homens. Segundo Danilo Gomes em seu livro Confeitarias do Rio Antigo, o sucesso do Sr. Basini foi de tal ordem que até de Niterói vinham pessoas especialmente para tomar seus deliciosos sorvetes. E naquela época as viagens Rio-Niterói não eram tão simples.
O cotidiano do Rio de Janeiro está repleto de curiosidades que marcaram a presença do sorvete entre a população.
Luiz Edmundo, em O Rio de Janeiro de meu Tempo, transcreveu o pregão dos vendedores de sorvete: Particularmente interessante e pitoresco é o preto vendedor de sorvete, com a lata de sua mercadoria envolta em panos, sempre muito brancos e muito asseados apregoando em verso:
Sorvetinho, sorvetão Sorvetinho de tostão
Quem não tem um tostãosinho
Não toma sorvete, não!
Sorvete, Iaiá!
Não esquecer que, no verão, o sorvete também se vende em carroças que tem, incompreensivelmente, a forma de navios. Por vezes as praças coalham-se de Gamas e Cabrais, vendendo gelados em casquinha a tostão e a dois vinténs. Sorvetinho, sorvetão, Sorvetinho de ilusão! Quem não tem duzentos-réis Não toma sorvete não. Sorvete, iaiá É de quatro colidade (sic)...
Pioneiro na atividade de sorveteiro em nosso país, Luigi Barsini e seu esforço em coordenar atividades complexas numa época de dificuldades logísticas e técnicas merece ser lembrado com destaque.
Isabel Sanson Portella é carioca, museóloga e pesquisadora da História Bibliografia: FIGUEIREDO, Guilherme.
Comidas meu santo! Rio de Janeiro:Civilização Brasileira,1964.
GERSON, Brasil.História das Ruas do Rio.
Rio de Janeiro:Editora Brasiliana, 1965. GOMES, Danilo. Antigos cafés do Rio de Janeiro. Rio:Livraria Kosmos Editora,1989. LUIZ EDMUNDO. O Rio de Janeiro do meu tempo.5 volumes.Rio:conquista,1957.
MORALES DE LOS RIOS FILHO, Alfredo.O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro:Editora A Noite, 1946.
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