Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana

Verbete-B-Bolacha.
Não só na Bahia, a fome foi sinônimo de criatividade e empoderamento, em todo o nordeste alimentos que tinham o
poder de saciar se proliferaram, como as bolachas e bolos pesados consumidos pelas classes mais populares.
Em cada cidade do nordeste estas bolachas assumem um nome especifico, mas sempre relacionadas com o universo das necessidades básicas.
Elas fazem parte ainda hoje não só da sua tradição, mas alavancam pequenas empresas familiares do nordeste. 

Em sua origem, os biscoitos não eram tão convidativos, resumiam-se em simples massas de farina de trigo e água, assadas sem fermento num forno rustico ou sobre pedras quentes. Geralmente eram assados duas vezes para secar
bem, prolongando o tempo de conservação.
Não eram atraentes, mas sua utilidade compensava a falta de requinte, pois, durante seculos, não havia navio que deixasse o porto sem uns suprimentos destas bolachas duras, que duravam meses e até anos.

Enquanto os navegantes mastigavam essas bolachas duras desenvolvia-se outra tradição culinário. Os cozinheiros combinavam migalhas de pão, mel, vinho e especiarias, para formar pão-de-mel não assado; também adicionavam ovos creme  e manteiga a massa de água e farinha, para criar vários tipos de doces leves. Nas residencias mais finas estes doces eram assados duas vezes também, em pratos de metal ou em moldes untados e servidos ao final dos banquetes.

Fome, sede, doença e estupro eram apenas algumas das palavras incorporadas ao cotidiano dos navegantes nos séculos XV e XVI. Fugindo de uma vida dura na Europa, centenas de homens embarcaram nas caravelas dos descobrimentos. Alguns buscavam enriquecimento rápido e fama; outros, penitência pelos pecados e oportunidade de difundir a fé em Cristo. Eram atraídos pela brisa do mar e pela aventura, encontrando uma existência repleta de surpresas nem sempre agradáveis.

Dentre os obstáculos que precisaram ser vencidos para desbravar os mares, nenhum supera a dureza do cotidiano nas caravelas. Os tripulantes eram confinados a um ridículo espaço que impedia qualquer tipo de privacidade. Os hábitos de higiene eram precários. Proliferavam insetos parasitas: pulgas, percevejos e piolhos. O mau cheiro se acumulava,
tornando-se insuportável em pouco tempo. Além disso, havia o perigo constante de naufrágio e a possibilidade de serem mal recebidos pelos nativos. Ainda assim, apesar de todas as mazelas, a vida no mar podia ser instigante: encontrar novas terras e gentes, escapar da rotina.

O rol dos produtos oficialmente embarcados incluía carne vermelha defumada, peixe seco ou salgado, favas, lentilhas, cebolas, vinagre, banha, azeite, azeitonas, farinha de trigo, laranjas, biscoitos, açúcar, mel, uvas-passas, ameixas, conservas e queijos. Também eram transportados barris de vinho e água, embora, depois de algumas semanas, o vinho se transformasse em vinagre e a água, em um fétido criadouro de larvas.
Para garantir a presença de alimento fresco, iam a bordo alguns animais vivos, principalmente galinhas, e, por vezes, bois, porcos, carneiros e cabras, brindando os embarcados com muito esterco e urina, que contribuíam para agravar o quadro de doenças entre os humanos.

O abastecimento destes navios significava um sacrifício enorme para o nosso povo, lembra Thales de Azevedo que quando Lourenço de Almada chegou aqui , no começo do seculo XIII, havia nada menos que noventa navios em nosso porto, carregando mais de mil e novecentas pessoas. 
Gregório de Mattos nos legou um retrato incisivo de tal situação pontuando com suas observações com um Cala-te
Boca(no caso ponto em boca")



DÉCIMAS Toda a cidade derrota esta fome universal, 
uns dão a culpa total à Câmara, outros à frota: 
a frota tudo abarrota dentro nos escotilhões 
a carne, o peixe, os feijões, e se a Câmara olha, e ri, 
porque anda farta até aqui, é cousa, que me não toca; 
Ponto em boca. 

Se dizem, que o Marinheiro nos precede a toda a Lei, 
porque é serviço d'El-Rei, 
concedo, que está primeiro: 
mas tenho por mais inteiro o conselho, 
que reparte com igual mão, 
igual arte por todos, jantar, e ceia: 
mas frota com tripa cheia, 
e povo com pança oca! Ponto em boca,

A fome me tem já mudo, que é muda a boca esfaimada;
 mas se a frota não traz nada," por que razão leva tudo? 
que o Povo por ser sisudo largue o ouro, 
e largue a prata a uma frota patarata, 
que entrando co'a vela cheia, o lastro que traz de areia, por lastro de açúcar troca! Ponto em boca. 

Se quando vem para cá, 
nenhum frete vem ganhar, 
 quando para lá tornar, 
o mesmo não ganhará; 
quem o açúcar lhe dá, 
perde a caixa, 
e paga o frete, 
porque o ano não promete mais negócio,
que perder o frete, por se dever, a caixa,
 porque se choca: Ponto em boca. 

Entretanto eu sem abrigo,
e o povo todo faminto ele chora, 
e eu não minto, se chorando vo-lo digo:
 tem-me cortado o embigo este nosso General, 
por isso de tanto mal lhe não ponho alguma culpa; 
mas se merece desculpa o respeito, 
a que provoca, Ponto em boca. 

Com justiça pois rne torno à Câmara Nó Senhora,
que pois me trespassa agora, 
agora leve o retorno: praza a Deus, 
que o caldo morni que a mim me fazem cear
da má vaca do jantar 
 por falta do bom pescado lhe seja em cristéis lançado;
 mas se a saúde lhes toca: Ponto em boca."

Quando nos referimos a Bolachas, massudos, por vezes com muito açúcar ou gorduras em excesso as Bolachas, tem nomes que remetem a esta cruel realidade,como: Bolachas sete capas,  Mata-fome, Coquinho (poca-zói) Biscoito de Coco, Paciencia, Bolachinhas de Goma, Sequilhos de Batata Doce.
Dos produtos estrangeiros, a farinha de trigo era um dos mais importantes, não sendo produto de luxo, pois, além da substituição da mandioca quando necessário, o trigo era essencial para a indústria local
Por muito tempo, é verdade, a falta da farinha era suprida pela mandioca, como já dizia Debret: “O emprego generalizado da farinha de mandioca em lugar da farinha de trigo fazia da profissão de padeiro uma indústria de luxo no Brasil (...)

O termo "Bolacha", assume um aspecto de manufatura popular, tradicional, vem de "bolo" (do latim "bulla", objeto esférico) com o sufixo "acha", que indica diminutivo. A palavra holandesa "koekje" significa a mesma coisa e gerou termos como "cookie" e "cracker". Para diferenciar dos biscoitos, convencionou-se que koekje e derivados são os que utilizam um componente levantador, como o fermento. 
"Biscoitos" vem do latim bis (duas vezes) + coctus (cozido) e chegou ao português pela palavra francesa "bescuit", que surgiu no século 12. O nome vem da prática de assar o alimento duas vezes para que ficasse menos úmido e durasse mais sem estragar. A prática de assar mais de uma vez se aplica à bolacha (biscoito recheado) dos dias de hoje, porque ela vai ao forno quatro vezes, tem uma forte característica de industrialização
Em 1840, existiam somente duas versões de bolachas, e atualmente existem aproximadamente duzentos tipos diferentes espalhados pelo mundo.  Mas o confeccionamento profissional do alimento surgiu no século 7 A.C entre os persas.
Brasil é o segundo maior produtor de bolachas do mundo. Em 2012, mais de 1.250 milhões de toneladas foram produzidas, exportando cerca de 52 mil toneladas. 

Durante alguns séculos, a ciência não se preocupou com a temática da fome, poucos eram os escritos sobre tal assunto, sendo que a maioria dos textos era constituída por obras somente descritivas, que não se adentravam nas questões de ordem social e econômica. Preferia-se escrever sobre as guerras, mesmo sopesando que no decurso da história, a fome sempre foi responsável pelo óbito de mais pessoas que os conflitos armados. Josué de Castro foi o primeiro autor a empregar o termo “Geografia da Fome”, em sua famosa obra na qual relatava a situação da fome no Brasil. 

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