O Jogo da Dissimulação Discussões e elucubração sobre espaços de poder e hierarquias nas cozinhas

Muitos são os pontos de vista que podem ser observados neste micro-cosmo, que é uma cozinha.
Relações de gênero e poder, inter-relações sociais de todos os tipos e vínculos, tençoes que se desenvolvem cotidianamente neste ambiente onde a contradição não é puro acaso.

Espaço onde se trabalha a estética, um ambiente magico/químico onde se processam uma serie de modificações, em contra partida afloram a competição e sentimentos de inferioridade e subjugo. Muitas vezes insalubre e com temperaturas altas, além de emocionalmente tenso, o cozinheiro é condicionado a trabalhar sob pressão,
Sempre que penso este tema das relações de poder e gastronomia, me recordo do filme "Estomago", que tem sua temática central a estrutura de poder, e sua relação com o espaço em que ocupam os indivíduos influenciados, tanto o dominador quanto o dominado. Neste caso, a estrutura de poder tem dois eixos, no caso a gastronomia e o sexo, que no decorrer da trama, vai ser incisiva para mostrar quem come quem. Leia tambem:Cozinha: espaço de relações sociais, da Marilu Albano da Silva
Devorar para não ser devorado, esta é a máxima de muitas cozinhas, que acabam sendo um micro-cosmo das relações de subalternidade que estabelecemos na nossa vida cotidiana. Busco com lente de aumento por muitas vezes um aprofundamento discursivo neste campo, pois acredito que ai resiste muitos das dificuldades em termos profissionais, formar pessoas de qualidade, passa necessariamente por um compromisso cidadão, um pacto tácito, não entre pessoas, mas o que cada profissional espera da sua profissão e da qualidade do seu trabalho e consequentemente com relação a sua vida.
Pode o ato criativo estar subjugado ao poder, há vida para alem disso? O que hoje chamamos de chef, esta figura empoada, e com certificado de marketing, referencia cultural recente, tem capacidade para fazer frente as novas proposições que demandam a profissão? E porque nos seduz tanto esta imagem coercitiva do chef em detrimento de posturas de liderança, porque ha um incentivo ideológico neste sentido?
Wlamira R. de Albuquerque
Muitas destas questões me interessam muito mais que a receita da moda ou do que sai no jornal diário sobre o tema gastronomia, este afã louco por protagonismo que não melhora a qualidade das nossas cozinhas.
Gostaria de sugerir uma boa leitura que pode nos esclarecer muito sobre estes ´pontos, o livro "O Jogo da Dissimulação" da professora *Wlamira R. de Albuquerque, que faz um analise apurada dos anos de incerteza que cercaram a Abolição nas ultimas décadas do seculo XIX, na Bahia principalmente, um registro muito bom sem necessariamente buscar algozes ou vitimados, mas sim o lugar de cada um em quanto pessoa.
Deixo aqui um breve fragmento do texto para aguçar o paladar de quem pretende aprofundar mais sobre o tema:
O texto faz referencia a escrita um tanto irônica do grande jurista, abolicionista e republicano baiano Rui Barbosa, sobre as relações de poder de negros libertos e a monarquia imperial:
"Porque lá estavam os que foram da servidão do cafezal para a servidão da policia.
Mas não esqueçam os aliciadores dos novos janízaros, que a bandeira destes fâmulos armados de sultão é a marmita;que os chefes das companhias se honram com a divisa de mestres cozinheiros , e que o primeiro oficial alardeia o titulo de mordomo distribuidor de sopa".
*Wlamyra R. de Albuquerque é doutora em História Social e professora da Ufba.

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