Premio Jabuti-Categoria Gastronomia

“O País das Bananas” (Companhia Editora Nacional, São Paulo, 2014), de autoria do JA Dias Lopes, ganhou o Prêmio Jabuti deste ano, na categoria gastronomia, junto
com dois outros livros. 
Os demais são “Gente do Mar – Vida e Gastronomia dos Pescadores Brasileiros”, de Ricardo Maranhão; e “À Francesa: A Belle Époque do Comer e do Beber no Recife”, de Frederico de Oliveira Toscano.

O Jabuti é o mais importante prêmio literário do Brasil. Lançado em 1958, foi idealizado por Edgard Cavalheiro quando presidia a Câmara Brasileira do Livro. Começou com a categoria literatura. Hoje, contempla desde romance até livro didático. Em 2015, recebeu 2.573 inscrições de todo o país.


Decano da escrita gastronômica, JA. Dias Lopes, é um contador nato, no livro conta histórias sobre como a feijoada, o sanduíche de Bauru, o brigadeiro e outros pratos clássicos vieram parar nas mesas dos brasileiros.
“Gente do Mar – Vida e Gastronomia dos Pescadores Brasileiros"- Ricardo Maranhão
O historiador Ricardo Maranhão e o fotógrafo Fabio Colombini percorreram o litoral do Brasil, desde o Pará até o Rio Grande do Sul, enfrentando estradas precárias e pequenas embarcações, para conhecer 25 comunidades de pescadores. O resultado dessa pesquisa, que durou um ano e meio, é o livro Gente do mar. A obra, com textos em português e inglês, resgata as atividades de pesca e as práticas gastronômicas desses grupos que há séculos constroem com uma série de conhecimentos e práticas que respeitam o meio-ambiente.

Ricardo Maranhão ressalta que a cultura desses homens do mar, vinculada a uma ocupação discreta e respeitosa do meio ambiente, possui uma riqueza capaz de ensinar aos brasileiros um “modus vivendi” mais próximo à natureza. “Infelizmente, em muitos lugares de nosso litoral, o turismo predatório e as técnicas de pesca industrial vem expulsando inúmeras famílias de pescadores e descaracterizando sua existência”, completa, Maranhão. O livro mostra que existe uma realidade que pode ser aproveitada por um turismo inteligente, utilizando a sabedoria dessa gente do mar em um Brasil tão rico de diversidades.

Gente do Mar foi realizado com apoio da Lei Rouanet e patrocínio do Banco Volkswagen.

Sobre os autores

Ricardo Maranhão é doutor em História pela USP, ex-professor da UNICAMP, professor de História da Gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, foi palestrante em universidades do Canadá, da França, da Bélgica, da Holanda e da Alemanha. É autor e/ou organizador de 23 livros publicados de História e de dezenas de artigos em publicações especializadas, além de livros específicos sobre História da Gastronomia, como The Arab Influence in Brazilian Life (ed. Global, Prêmio Cookbook Award de Paris, 2011); publicou também, em parceria com Vallandro Keating, Caminhos da conquista – A formação do espaço brasileiro e Diário de navegação – Pero Lopes e a expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1532), ambos pela Terceiro Nome.

Arquiteto formado pela FAU-USP e fotógrafo autodidata, o paulistano Fabio Colombini há 30 anos registra os diferentes ecossistemas brasileiros. Dentre os prêmios que recebeu destacam-se os da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Fundação SOS Mata Atlântica, do World Calendar Awards (Illinois – EUA) e do National Geographic Channel, além do Prêmio Verde das Américas – Greenmeeting, recebido em 2011 pela contribuição para o desenvolvimento e preservação ambiental. É conselheiro da Associação de Fotógrafos de Natureza (AFNATURA) e suas imagens compõem o acervo dos institutos Moreira Salles e Itaú Cultural.


À Francesa: A Belle Époque do Comer e do Beber no Recife”, de Frederico de Oliveira Toscano.
À francesa: a Belle Époque do comer e do beber no Recife, lançado em dezembro pela Cepe Editora. A obra aborda o Recife na virada do século XIX para o XX, quando os primeiros restaurantes começam a se instalar na cidade, então influenciada pelos francesismos que ditavam comportamentos sociais.
Há pouca coisa além do purè aqui grafado com o circunflexo final purê. Talvez apenas o suflê de domingo preparado na casa da tia e o nome – apenas o nome – do pãozinho comum e cotidiano. Embora quase imperceptível, menos declamada que as contribuições das três propaladas raças de fundação do povo brasileiro, não é menor a ascendência francesa nos hábitos do comer e do beber do Recife (e de resto, do Brasil). Nada menor: a hegemonia cultural francesa da virada do século 19 até os primeiros tempos do século 20 foi fundamental para criar e pavimentar uma sociabilidade pernambucana ao redor da mesa.
É isso o que investiga e procura trazer de trás da cortina grossa do esquecido, o gastrônomo e historiador Frederico de Oliveira Toscano. Atualmente matriculado como aluno do Doutorado em História da Universidade de São Paulo, o pernambucano lança, hoje, no Recife, o bem sucedido fruto de seu trabalho de mestrado pela Universidade Federal de Pernambuco. Com edição primorosa da Companhia Editora de Pernambuco (338 págs.) À francesa – A Belle Époque do comer e do beber no Recife reconstrói historicamente, com prosa ágil e coloquial, ensaísmo sociológico e originalidade argumentativa, os anos em que a França começou a ensinar ao pernambucano a comer fora de casa. Ainda que tardia e indiretamente.
“Tão comum na atualidade, o hábito de comer fora é, sob uma perspectiva histórica, um recém-nascido. A novidade só chegou ao Recife na virada do século 19 para o 20, vindo da Europa para revolucionar o cotidiano local, moldar a sociedade, criar um espaço de sociabilidade para as mulheres e até para estimular o então jovem sociólogo Gilberto Freyre a iniciar sua cruzada pela valorização do regionalismo”, diz o historiador.
Na transição entre os séculos 19 e 20, o Recife viveu, segundo Toscano, um francesismo sem precedentes. Sob influência da Paris que tinha alargado suas avenidas, higienizado seus becos e alargado a vida pública com cafés elegantes e lojas de roupas onde, agora, não apenas a aristocaria tinha direito a um cotidiano estetizado. “Até hoje, o Recife é uma sociedade ainda relativamente provinciana. Não que a cidade fosse de fato moderna, mas havia, no período, um discurso muito presente de busca pela modernidade”, diz o autor. E essa modernidade desejada se manifestava, dentre outros, no rito de sair de casa para escolher pratos e bebidas em sequência num restaurante.
“A gente tenta sempre separar o discurso e as representações do que de fato estava acontecendo. Essa elite financeira e intelectual enxergava nesse francesismo uma escalada civilizatória”, comenta. O que não seria inédito no mundo, naturalmente: no clássico O processo civilizatório, o sociólogo alemão Norbert Elias diz que o surgimento de uma ética e de uma etiqueta de mesa foi fundamental para surgir o espírito social do Renascimento.
Com influência assumida da historiadora inglesa Rebecca Spang, autora de A invenção do restaurante,  Frederico Toscano se debruçou sobre os jornais e revistas do começo do século passado para reconstituir o Recife que febrilmente trocava o nome das hospedarias pelo francesismo hôtel com salões de alimentação, estabelecimentos dispostos inclusive ao longo do Rio Capibaribe onde o público elegante podia tomar um chiquérrimo e quase inédito sorvete observando os botos nas águas límpidas. “O uso dos gelos nos trópicos foi um artigo de grande distinção social”, diz ele.
Era o mesmo Recife que via surgir seus primeiros cafés e restaurantes como promessa dessa elegância civilizatória. “No Recife dos anos 1900 a 1930, os rótulos “francês” ou “à francesa” eram garantia de público e davam ao restauranteur o direito quase divino de cobrar mais”, diz.
O livro, portanto, é menos sobre uma contribuição em forma de artigo, como a farinha de mandioca indígena ou o azeite luso, e mais sobre a propagação na cidade dessa instituição francesa, o restaurante. “Na esteira da importação desses estabelecimentos, o Recife adota também novas formas de fazer, servir e apreciar comida – mesmo que não sempre de forma real, mas invariavelmente nas aparências”.
Não foi um hábito disseminado sem resistências: “As pessoas que saíam para comer fora acabavam mal-faladas. Se você morava no Recife, tinha uma mulher para fazer comida para você. Se saísse, devia ser por que tinha uma mulher da rua. Se fosse mulher, então, estava perdida”, diz ele. Aos franceses, lembra Toscano, agradecemos, portanto, a possibilidade de abrir um cardápio.
No prefácio de À francesa - A Belle Époque do comer e do beber no Recife, o sociólogo paulistano Carlos Alberto Dória brinda a obra de Frederico Toscano por, além da contribuição historiográfica, atacar o cânone sobre o qual se apoia o grosso da história da alimentação no Brasil.
“O enfrentamento das ideias de Gilberto Freyre e Câmara Cascudo com que Frederico Toscano nos brinda é acompanhado, simultaneamente, por uma perspectiva alvissareira de renovação da história e sociologia alimentar. Alguém sempre precisa começar, mostrar que não é um bicho de sete cabeças enfrentar a cultura canônica”, afirma o autor de Formação da culinária brasileira.
Nos últimos capítulos, Toscano se detém em desconstruir o pensamento canônico de Freyre, posteriormente alargado por Cascudo, de que a cozinha brasileira se estabeleceu sobre o tripé mítico das três “raças” fundantes.
“Não podemos pensar de forma alguma em um triângulo equilátero. Estamos falando de três vértices em que um era o dominador e outros, dominados. A gente não deixa de reconhecer as trocas culturais, mas não podemos deixar de entender que o escravo e o índio não tinham voz”, diz o autor. “Além de não poder pensar no equilíbrio desse triângulo, temos uma sociabilidade gastronômica que não tina origem nesse triângulo. Comer fora de casa é uma coisa fortíssima, muito emblemática, e que Freyre não mencionou”, diz. Ele e Cascudo são pensadores importantíssimos, sem os quais não estaria aberta a porta que temos hoje para discutir”, relativiza.
O advento dos restaurantes francófilos no Recife, afirma Frederico Toscano, foi fundamental para que o Freyre egresso do exterior tomasse a culinária como ponto de partida para seu discurso regionalista. “Quando ele volta, encontra um Recife muito cheio de influências, subalterno ao que vinha de fora. Começa a discorrer sobre os perigos da desnacionalização do paladar e a dizer que a cozinha pernambucana é uma grande cozinha, não tem que ser influenciada”, diz ele, lembrando que o “francesismo” chega ao Brasil com o filtro dos portugueses, notadamente após a vinda da família real com a corte para o Rio de Janeiro.

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