Pequeno Dicionário da Cozinha Baiana

Verbete-B Bacalhau

 "Pra quem é, Bacalhau basta" infelizmente a coisa não anda mais para tanto, mais no final do século XIX, o bacalhau era um produto bem popular, muito próximo da carne seca e exposto nas portas dos armazéns e quitandas como uma mercadoria qualquer.

Outro a registrar a irrelevância do bacalhau em  em 1939 foi Jerônimo Sodré Viana, sobre o que dizia  os negros na Bahia, sobre o bacalhau: – “Já foi meu escravo, hoje é meu senhor”.

 O comerciante Inglês Thomas Lindsay, destacou as principais regiões com as quais a cidade da Bahia e seus negociantes mercavam descrevendo uma dinâmica comercial intensa destes mercados, trazendo desde negros escravos, azeite, peixe seco e bacalhau.

Aquela época o bacalhau era um produto tão ordinário, que para um sujeitinho qualquer, um pobretão ou para arraia miúda, bacalhau bastava. É curioso como determinados produtos ou pratos migram no decorrer dos tempos do popular ao sofisticado, integrando o cardápio de requintados restaurantes. 

O porto de Salvador, durante um longo período que vai desde a fundação da cidade do Salvador, em 1549, até a transferência da capital da colônia para a cidade do Rio de Janeiro, em 1793, representou para a colônia portuguesa a principal porta de exportação, ou seja, o mais importante porto do Atlântico Sul, caracterizando a cidade do Salvador como uma das mais prósperas de toda a colônia. 

Vasconcelos (2002, p. 12) ressalta “[...] seu longo passado, e a sua riqueza durante o período colonial, quando destacava-se como porto exportador de açúcar e de fumo, e como porto de entrada de mercadorias europeias e de escravos africanos”. 

Os portugueses que vieram para suas colônias nas Américas tiveram que alterar seus hábitos alimentares. O trigo, por exemplo, foi substituído pela farinha de mandioca, o mais importante alimento das colônias. A mandioca, de origem indígena, foi adotada no continente americano por africanos e portugueses, sendo usada para fazer bolos, sopas, beijus ou simplesmente para se comer misturada ao açúcar. Além da farinha, no engenho também se consumiam: carne-seca, milho, rapadura, arroz, feijão e condimentos como pimenta e azeite de dendê. As verduras, as frutas, a manteiga e os queijos eram raros e só entravam na alimentação dos ricos. Mas não faltavam doces, que eram consumidos em grande quantidade, tanto no campo como nas cidades.


Alimentação diferente experimentaram os moradores de Recife e Olinda durante a invasão holandesa (1624-1625 e 1630-1654), uma vez que vinha da Holanda o toucinho, manteiga, azeite, vinho, aguardente, peixe seco, bacalhau, trigo, carne salgada, fava, ervilha,cevada e feijão. Tanto nas casas mais humildes como nas dos senhores de engenho, as refeições eram feitas utilizando a mão, devido à ausência de garfo, este só começando a integrar o dia a dia a partir o século XIX. Outro costume de todas as classes era o de comer sentado no chão.
Ao longo de séculos, o bacalhau transformou-se de simples gênero alimentar em símbolo da identidade portuguesa, de comida socialmente conotada com situações de abstinência e mesmo própria de pobres, em alimento caro e prestigiado no campo gastronômico. Nas páginas que se seguem iremos dar alguns contributos para entender essa metamorfose do bacalhau. Partindo da situação atual em que a identificação entre o bacalhau salgado e seco e ­Portugal e os portugueses é um dado adquirido, iremos fazer algumas incursões sobre a história do seu consumo, em que se referirá necessariamente, mas sem muito detalhe, a do abastecimento do mercado português.


A pesca do bacalhau nos séculos XVIII e XIX

A indagação sobre os testemunhos da vinculação entre os portugueses e o bacalhau conduziu-nos ao exame de materiais escritos que o tomam como objeto, entre os quais a “literatura de cordel”, ou a cerimônias paródicas, como os seus “enterros” ou “julgamentos”, que mostram o seu enraizamento e popularização.

Bacalhau comida de negros escravizados. No livro "Meninos de Engenho" do saudoso José Lins do Rego, podemos encontrar o personagem Ursulino,
senhor de engenho de coração duro para os escravos. Os dele vestiam e comiam com fartura.

"— Negro só mesmo com barriga cheia. Era verdade que alguns que pediam cipó-de-boi. Ali mesmo no Santa Rosa, uma escrava botara uma erva venenosa no caldeirão de comida da escravatura. Quase que morria tudo de dor de barriga. 
Tinha-se inimizado com uma crioula por causa de um negro, e queria matar o resto. Os jornais, na abolição, falavam de senhores de engenho que matavam negros de relho. Ninguém hoje mata boi de macaca. Queria-se o negro gordo para o trabalho e a revenda. Não se ia botar fora um conto nem dois de réis. Aqui comiam de estragar, e na várzea, só Ursulino botava negro na corrente. Também a escravatura dele era uma desgraça. Quem tinha o seu negro fujão, vendia pro eito do Itapuá. Mandavam-se escravos para o Ursulino como hoje se bota menino na Marinha — para amansar. 
E a gente do Partido Liberal botou o nome em Ursulino de 'barão do couro cru'. Quando veio o Treze de Maio, fizeram um coco no terreiro até alta noite. Ninguém dormiu no engenho, com zabumba batendo. Levantei-me de madrugada, pra ver o gado sair para o pastoreador, e me encontrei com a negrada, de enxada no ombro: iam para o eito. E aqui ficaram comigo. Não me saiu do engenho um negro só. Para esta gente pobre a abolição não serviu de nada. Vivem hoje comendo farinha seca e trabalhando a dia. O que ganham nem dá para o bacalhau. Os meus negros enchiam a barriga com angu de milho e ceará, e não andavam nus como hoje, com os troços aparecendo. Só vim a ganhar dinheiro em açúcar com a abolição. Tudo o que fazia dantes era para comprar e vestir negros."

Na época da quaresma na Bahia, o Bacalhau assado em lascas no fogareiro era muito tipico, acompanhado do preparo do caruru e do vatapá, pratos de origem também africana, combinando os hábitos de dois continentes. 
Embora mais simples, esses produtos também não estão baratos.
Não há, nas Cartas de VilhenaLuís dos Santos Vilhenauma descrição dos produtos importados em 1798, apenas a sua origem: mercadorias gerais da Europa, de fábricas particulares, da Ásia e de Portugal. 

Alimentos importados de Portugal em 1798, segundo Thales de Azevedo:


Em troca, pois, da madeira, do açúcar, do tabaco, do algodão, dos couros e da própria farinha de mandioca, que as frotas carregavam em grande quantidade, recebíamos vinho, aguardente, azeite de oliva, cebolas, sardinhas, bacalhau, sal, chouriça, toucinho, queijos, vinagre, azeitonas e outros "gêneros molhados".50

Os produtos de Portugal já representavam pouco mais de um quarto do que vinha para a Bahia, ou seja, 26,5% do total de mercadorias. Enfim, afirmava-se o caráter secundário de Portugal em termos de produção e sua condição de satélite dos ingleses. O próprio Vilhena expressa tal situação:

Os gêneros que os estrangeiros introduzem em Portugal, são infinitamente mais, que os que dele exportam. Reexportam os portugueses para o Brasil aqueles gêneros dos estrangeiros, a quem pagam a indústria e despesas, que com a sua comissão, e avanços, carregam em conta aos
correspondentes no Brasil e este é o motivo que a metrópole jamais pode confiar, nem contar com a riqueza de suas colônias, que devendo, e podendo ser o seu Potosí, o são dos estrangeiros, nas mãos dos quais vai parar a riqueza toda das mesmas colônias, não só por este modo permitido, mas pelo hostil com que nelas estão atualmente introduzindo inumeráveis navios carregados de contrabandos.

Durante a Quaresma, já houve tempo em que a maioria das pessoas se abstinha de consumir carne, pelo menos em alguns países nos quais essa tradição religiosa era predominante. Então, meus leitores, servindo-nos ainda do livro  Arte do Cozinheiro e do Copeiro (*), editado em Lisboa na primeira metade do século XIX e cujo autor se intitula "um amigo dos progressos da civilização", trataremos agora da verdadeira estrela da culinária da Quaresma, o bacalhau, isso para Portugal ou para países, como o Brasil, em que a influência da cozinha portuguesa foi e é marcante.


Bolinho de Bacalhau
"Depois de bem remolhado [o bacalhau] cozei-o com muita água; tirai-o depois de ter dado duas fervuras, abafai-o e desfazei-o em escamas, tirando-lhe cuidadosamente todas as espinhas.
Deitai o bacalhau desfeito num gral de pedra e desfazei-o bem, ajuntando-lhe uma pouca de água da cozedura, até formar uma massa que passe no passador. Passai-o e ajuntai-lhe uma pouca de farinha, gemas de ovos batidas, salsa e cebola picada, tudo em justa proporção, de modo que façais uma massa grossa que possais tirar com a colher de ferro. Ponde uma sertã (**) ao lume com azeite, e quando este fumar e estiver bem quente, ide-lhe deitando meia colher de massa para cada bolinho, até encher a sertã. Virai-os, fritai-os e ponde-os a escorrer.
Servem-se com molho de vinagre diluído com uma gota de água e raminhos de salsa: quanto mais repassados estiverem deste molho, mais gostosos serão."

Passa a considerar que, apesar de muito saboroso, o bacalhau não é conveniente a todos, por se tratar, segundo ele, de um peixe de "fibra mui dura", apesar de ser "no interior do reino" (refere-se a Portugal, claro), "o peixe que há na quaresma e nos dias de jejum". Expõe, então, sua ideia mais exótica: o bacalhau traz uma despesa considerável, devendo ser substituído por gado bovino. Mas demos a palavra a ele mesmo, para que esclareça livremente seu raciocínio:
"Seria para desejar que, em vez de comprarmos todos os anos 3:500,000 cruzados de bacalhau, que vem a ser 291.666 moedas de ouro, equivalentes a 29.166 bois gordos e belos, reputados a dez moedas cada um, nós criássemos estes bois em nossas terras desertas, e que os comêssemos, bem entendido, depois de impetrar uma bula para isto."

A coisa chega a ser engraçada, até pela perspectiva de acabar envolvendo o papa na questão (para emitir a bula que viria a autorizar o consumo dos bois em lugar do bacalhau na quaresma). 
Hoje o consumo do bacalhau preocupa os ambientalistas - não haverá, em pouco tempo, peixe suficiente para sustentar o crescente consumo mundial - enquanto que os bois, além de precisarem de uma enorme e antiecológica quantidade de água, acabam sendo sacrificados para um consumo de carne que não é nada saudável.

Receitas Afro-Baianas
Molho Bori-Bori

Ingredientes:
3 Espigas de milho verde
100 gm de pimenta biquinho
2 cebola pequena
2 pimentões verdes
1 limão Taiti
(50ml) 2 colheres de sopa de dendê.
1 pitada de pimenta defumada
  
Preparo:
Limpar as espigas de milho verde, e com a faca cortar os grãos, tendo o cuidado de não tirar o sabugo.
Colocar para cozinhar por cerca de 30 minutos com sal e uma pitada de açúcar.
Levar a boca do fogo os pimentões, e assa-los, colocar em um saco plástico. Depois de frio, limpara as peles e a semente.
Limpar as pimentas eseparar as sementes, picar uma cebola e refogar em 2 colheres de sopa de dendê, acrescentar as pimentas e por 3 minutos deixe tudo misturar.
 Levar ao liquidificador este refogado, os pimentões e o milho cozido. Ir acrescentando a agua do cozimento do milho se for necessário, para uma consistência cremosa, mas não muito espeça.
Retificar o sal, acrescentar a pitada de pimenta defumada,ralar casca de limão verde, e misturar tudo, guardar em recipiente hermético na geladeira.
Servir sobre peixe assado, ou pincelar sobre frango para assar, fica maravilhoso acompanhado de arroz de coco.


Emoriô
Ingredientes:
500 ml de Milho Branco cozidos
2 litros de caldo para cozer o milho branco*
5 maxixes em rodelinhas
300 gm de bacalhau dessalgado em lascas

2 cebolas em tiras
200 ml de leite de coco fresco
1 cabeça de alho
1 molho de coentro
4 tomates
200 gr de toucinho frito
3 colher de sopa de azeite de dendê

Modo de Preparo:
Colocar o milho cozido de molho de véspera. No dia seguinte cozer no caldo do bacalhau, por cerca de 30 minutos, separar.
Par o Bacalhau:
Depois de demolhado o bacalhau, levar ao fogo direto, para sapecar, flocar em lascas.
Refogar as tirinhas de cebola em azeite de cheiro (Dendê).
Acrescentar o bacalhau tendo o cuidado de não despedaçar. Separar.
Refogar no óleo do torresmo, os alhos picados, os coentros e os tomates sem pele nem sementes, bem picadinhos e por fim as rodelinhas de maxixe.
Por ultimo misturar ao refogado o bacalhau, tendo o cuidado para não romper o bacalhau.
Depois do milho bem cozido, acrescentar o leite de coco, retificar o sal e a pimenta, deixar espeçar um pouco, mas mantendo o caldo, cobrir com o bacalhau refogado e sobre ele a farofinha de coco,levar forno numa vasilha de barro, só para dourar a farofa.

*Para o caldo de bacalhau:
Cozer em uma panela alta, 2 litros de agua, as peles e as espinhas do bacalhau, cebolas, cebolinha, e coar ao final. 9 cuidado para não ficar salgado) O caldo deve ficar meio gelatinoso.

Roletes de Banana e Bacalhau
Ingredientes:
2 dúzias de banana da terra
1 kg de bacalhau demolhado
Dendê o quanto baste para fritar os roletes.
2 cebolas e 3 dentes de alho
300 gm de inhame em purê.
1 litro de leite de castanha de caju, feito com 2ml de leite de Coco
Modo de Preparo:
Tirar as cascas da banana da terra, e cortar em tiras no sentido longitudinal.
Fritar em azeite de dendê.
Faça o recheio: Refogue cebolas e o alho, acrescente o bacalhau e o purê de inhame, até dar um ponto cremoso macio, retifique o tempero.
Recheie as tirinhas de banana, com o auxilio de um papel alumínio, como se fosse uma linguiça. Devem ficar como canelones.
Coloque num refratário, cobrindo com o leite de castanha e leve ao forno até ficar um pouco gratinado.


A comida dos baianos no sabor amargo de Vilhena 
Jeferson Bacelar

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