Pequeno Dicionario da Cozinha Baiana.

Verbete-N Nego 
Bom Nego, Neguinho, termos politicamente incorretos em dias de hoje, mas que refletem a forma como era tratado o alimento, resquícios dos falares africanos na nossa linguagem do dia-a-dia. 

O Nego Bom é um doce artesanal feito á base de banana e rapadura, pulverizado com açúcar refinado, embalado em papel celofane translucido, vendidos nas caixas de baleiros e tabuleiros. 
Neste doce típico da Bahia, podemos identificar a forte presença da cultura açucareira, além de certa irreverencia na apropriação dos signos étnicos do negro, a cor, a macieis, e doçura, além da sensualização da figura do negro, “Comer um Nego Bom”, num sentido antropofágico é apropriar-se de atributos erótico e sensual, aspectos relativos à perversa cultura marcada pelo trabalho escravo do canavial. 


A forma de preparo dos doces caseiros no Brasil, ou melhor, “Doces de Tachos”, nos remete a maestria da doçaria portuguesa, onde a presença da Cana Sacarina teve importância significativa, não só pelo requinte das suas preparações e técnicas utilizadas, muito influenciadas pelo alto poder de estocagem e conservação do açúcar. 
Pode-se afirmar que desde o século XVI a cultura da Cana de Açúcar, sendo incorporado à nossa economia, grande suporte econômico do processo escravista, além de fonte financeira das grandes navegações. 
Plantando e moendo o ouro liquido a Cana, chegou a terras brasileiras proveniente da Ilha da Madeira, a primeira noticia data de 1533 o fabrico de açúcar em São Paulo, na Capitania de Martin Afonso, estendendo-se em seguida por todo o litoral do nordeste, da Bahia ao Maranhão, passando a ser moeda com preço equivalente ao valor do ouro. 
Pode-se dizer que a profusão de doces e compotas que fazem parte do grande acervo da doçaria brasileira, deve-se em grande parte as descobertas da utilização do açúcar, além da grande variedade de frutas do novo mundo. 

Doces de Banana, Goiaba, Caju foram as poucos fazendo parte das mesas locais, e inserindo em outras culturas o habito da sua utilização, como o caso do Figo, do Marmelo em alguns países como Portugal, os Reinos hispânicos (a Espanha só foi unificada no final do século XV), nas cidade-Estados italianas, na França e na Inglaterra, nobres ou ricos comerciantes dando baús com açúcar como presente, algo considerado um presente de luxo. 
O açúcar também era usado como remédio para problemas no estômago, intestinos, fígado e outros males. 
Xaropes. Beberagens e lambedores, sempre fizeram parte das cozinhas como forma de amainar os catarros e maus do estomago. Além do fato de ser usado como medicamento, o açúcar também era usado no preparo de alimentos e bebidas, afinal era uma das especiarias das Índias. 

Agrado do Ibejis 
Na cultura baiana é muito comum encontrar doces ligados a preceitos religiosos, balas de mel, são fartamente distribuídos na época das festas dos sete irmãos. 

Os Ibejis tem apreço pelo sabor doce do mel, tradição que remonta a cultura Ioruba. 
Na África mourisca, os árabes atravessavam o Estreito de Gibraltar e adentraram o que hoje é o sul da Espanha. 
Nos séculos seguintes eles expandiram seus domínios na península Ibérica, governado grandes partes dos atuais territórios de Portugal e Espanha, e com essa colonização, eles implantaram o cultivo de novas plantas: laranjas, limões, chá, inclusive a cana-de-açúcar. 
Os árabes que se miscigenaram nesse tempo com povos berberes do norte da África, passaram a serem chamados pelos espanhóis e portugueses de mouros. 
Na Itália, Grécia e na Terra Santa, os europeus chamavam os árabes também de sarracenos. 
"A civilização do açúcar teve suas santas; suas mulheres, grandes sofredoras, que humilhadas, repugnadas, maltratadas, criaram filhos numerosos, às vezes os seus e os das outras mulheres mais felizes que elas; cuidaram das feridas dos escravos; dos negros velhos; dos moradores doentes dos engenhos. (...) Teve as suas Dona Mariazinhas, Donas Francisquinhas, Donas Mariquinhas que desde meninas, desde a Primeira Comunhão, não fizeram senão cuidar dos maridos, dos filhos, dos escravos, dos santos." 
 Gilberto Freyre 

O açúcar por muito tempo foi usado na Europa como medicamento, nesse caso, os médicos recitavam o seu consumo puro, ou o mesmo era usado como ingrediente no fabrico de poções, pastas, beberagens, etc. 

Embora propriamente não possua propriedades curativas eficientes, o açúcar com seu alto teor de sacarose é um energético natural. "Servia de remédio, de emplastro, de moeda e até de agente para a magia negra, com bruxedos e quiromancias." 
Segundo Thevet, "les Anciens estimerent for le sucre de l'Arabie, pour se qu'il estoit souverain... en médecines, mais aujord'huy la volupté est augmentée jusques là que l'on ne saurait faire si petit banquet que toutes les saulces ne soyent sucrées, et aucune Pois les viandes". (AMARAL, 1958, p. 327). 


Na Arte
A obra “40 Nego Bom é um Real”Jonathas de Andrade conta a história de um doce. Baseado na produção do nego bom, ele mostra como a realidade social, política e ideológica no Brasil prefere-se esquecer questões polêmicas. 
Seu trabalho é inspirado por uma variedade de documentos históricos. A instalação foi inspirada por um vendedor de rua, divulgando seus doces de banana a gritos. 

Como um antropólogo, o artista desenha uma fábrica de doces fictícia com quarenta operários. 
A obra divide-se em duas partes. Serigrafias coloridas e pinturas em uma tabela mostra pessoas trabalhando em aparente harmonia na produção do doce. 
A segunda parte consiste de imagens individuais dos trabalhadores. O texto que acompanha as obras apresenta uma cena menos bem-humorada e expõe a falsa realidade das relações de trabalho. 
Andrade sutilmente revela um racismo que está profundamente enraizado na cultura brasileira. Por baixo, isso executa um grande papel nas dinâmicas sociais e relações de poder que são frequentemente fundados na camaradagem e educação. 
 Jonathas de Andrade baseou sua narrativa e idioma visual no livro “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freire. 
Na obra, Freire descreve e ilustra as relações entre colonizadores, escravos e índios à luz do caldeirão cultural brasileiro. Essa teoria ainda é predominante hoje, apesar de polêmica, visto que passa por cima de uma democracia perversa fundada no racismo.

Comentários

  1. Ótimo texto! Gostaria de saber o porque é também chamado de “atum de banana”
    Fiquei
    Curioso ao comprar

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