Pesquisas de alunos da Uepa criam novas aplicações para produtos da Amazônia

Cada vez mais, os sabores da região são incorporados a produtos nacionais e até internacionais.


















A Amazônia é tendência na gastronomia. 
Cada vez mais, os sabores da região são incorporados a produtos nacionais e até internacionais. 
Com a intenção de não perder o protagonismo nesta questão, as instituições de ensino locais investiram na criação de cursos que aliam tecnologia e inovação aos melhores ingredientes para desenvolver produtos saborosos e com grande potencial de mercado. 
Os alunos abraçaram a ideia e o resultado disso é evidente a cada rodada de defesas de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) nos campi das instituições: iogurte grego de leite de búfala com geleia de açaí, doce de leite feito com soro do leite e geleia de cupuaçu e até mesmo uma farinha feita da casca do cupuaçu, aplicada na confecção de pães. Quem olha o Laboratório de Tecnologia de Alimentos da Universidade do Estado do Pará (Uepa) em funcionamento nem imagina os produtos deliciosos que saem dali. 

Vestidos com jalecos e toucas, munidos de beckers, tubos de ensaio e outros equipamentos tecnológicos – usados para avaliar textura, cor e aroma das combinações – os alunos trabalham formulações que prometem não apenas alavancar os sabores locais ao gosto internacional, mas, de quebra, resolver antigos problemas de reaproveitamento e sustentabilidade na indústria. A vontade de usar um ingrediente abundante no Pará e o incentivo do orientador, o professor José Lourenço, foram os motivadores do tecnólogo em alimentos Wagner Barreto, de 23 anos. “O Pará produz 37% do leite de búfala brasileiro. O produto oferece um rendimento cerca de 40% maior que o leite de vaca, o que o torna muito mais viável para produção em larga escala. Com menos perdas, o lucro é maximizado”, explica Barreto. Sua pesquisa foi desenvolvida em 2014, momento em que o iogurte do tipo grego estava em ascensão. “Era tudo tão novo que sequer havia parâmetros para produção dos iogurtes gregos”, relembra. Para aumentar o apelo regional do seu produto, Wagner decidiu aliar o iogurte grego de leite de búfala a uma geleia de açaí. O produto fez sucesso na fase de testes e o baixo custo de produção levou o tecnólogo a sugerir em sua monografia que o iogurte fizesse parte da alimentação dos alunos da rede pública municipal. “O iogurte grego de búfala apresenta três vezes mais proteínas do que o de vaca. Para fazer uma porção com 250Kcal, o custo seria de R$ 1,11”, diz. Apesar da intenção de dar prosseguimento ao projeto, a vida levou Wagner por outros caminhos. Atualmente, ele desenvolve seu projeto de mestrado, onde cria biofilmes feitos à base do colágeno de peixe. Sustentabilidade O soro do leite é considerado hoje um rejeito e seu despejo é responsável pela contaminação de diversos rios e igarapés, ao criar a demanda bioquímica de oxigênio – fenômeno denominado DBO. “O soro alimenta micro-organismos, que se reproduzem e criam esta demanda maior por oxigênio. O resultado disso é que os rios acabam ficando mais pobres e têm sua biodiversidade comprometida”, explica o tecnólogo de alimentos Adriano Lucena, de 23 anos. Para ajudar a solucionar este quadro, ele acatou sugestão da co-orientadora Suely Gomes e se uniu à colega Estela Cruz, com quem desenvolveu um doce de leite que inclui em sua formulação 30% de soro de leite. O produto formou dupla perfeita com o cupuaçu, transformando-se em um delicioso creme com grande potencial de mercado. “Na fase de análise sensorial, testamos 11 formulações diferentes do produto com 60 provadores. As boas notas obtidas deles foram uma grande motivação para nós”, conta. O trabalho deve ser publicado ainda este ano na revista Cândido Tostes, especializada em trabalhos científicos que envolvem lacticínios. Os então estudantes chegaram a pensar em buscar uma patente, mas decidiram que o compartilhamento das informações seguia mais o espírito da pesquisa. “Como temos o objetivo de combater o desperdício e evitar a contaminação, achamos melhor publicar como domínio público mesmo, para que qualquer interessado possa desenvolver o produto e contribuir para o meio ambiente”, conclui. Cupuaçu A mesma vontade de combater o desperdício na indústria alimentícia tomou as estudantes de Tecnologia de Alimentos da Uepa em Marabá, Ranielle Nascimento, de 25 anos, e Yasmim Souza, de 21 anos. Elas elevaram o aproveitamento do fruto do cupuaçu a 100% desenvolvendo uma farinha feita da casca da fruta, aplicada a produtos de panificação. “As sementes já eram usadas para fazer o cupulate, que tem produção industrial. A polpa também tem uma ampla gama de usos. Sobrava somente a casca, que descobrimos ser riquíssima em fibras”, observa Ranielle. Após secagem e moagem, as cascas foram completamente aproveitadas na feitura da farinha. Para o trabalho, esse produto foi usado na confecção de pão de forma. “Quando testamos o pão, as pessoas elogiaram bastante o sabor. Uma das pessoas, que é diabética, disse que não costumava consumir pão por ter restrições ao consumo de carboidratos, e que estava feliz em poder consumi-lo sem culpa. Ficou com aparência e textura muito semelhantes ao pão integral tradicional”, lembra a graduanda, que acaba de apresentar os resultados da pesquisa na defesa de seu TCC. “Queríamos uma oportunidade de mostrar o potencial dos nossos produtos regionais para produção em larga escala. O cupuaçu segue os mesmos passos do açaí e começa a despontar internacionalmente. Desta forma, esperamos contribuir também para a redução do desperdício em maior escala”, acrescenta. Proteção Intelectual O debate sobre a propriedade intelectual se acendeu quando o interesse pela produção regional cresceu, na última década. A Amazônia virou vedete e as instituições de pesquisa e ensino se valeram da lei Federal de nº 10.973 – conhecida como Lei da Inovação – para criarem seus Núcleos de Inovação e Transferência de Tecnologia (NITT), que fazem a ponte entre pesquisadores e os órgãos de patente. A coordenadora de Propriedade Intelectual do NITT/Uepa, Adriana Maués, avisa: a busca pela proteção do produto ou serviço desenvolvido deve ser feita enquanto o trabalho ainda está em fase de pesquisa. Por ser algo recente – o Núcleo da Uepa iniciou atividades em 2013 – muitos alunos e professores ainda desconhecem os pormenores do trabalho ali realizado. “No ano passado, fizemos um roteiro de palestras nos campi para explicar nosso funcionamento. O retorno foi bastante positivo. Desde então, já recebemos 17 demandas para pesquisa”, conta a coordenadora. O processo de obtenção da patente é longo e começa com a verificação dos requisitos de patenteabilidade. “Avaliamos se o objeto da patente é de fato uma novidade, se contém atividade inventiva e se ele pode ser produzido industrialmente. A partir do preenchimento destes requisitos, submetemos o invento ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), que buscará se há algo semelhante registrado”, resume. As taxas são cobertas pela instituição que, caso a patente seja obtida, terá uma porcentagem nos eventuais ganhos trazidos pelo invento, por ser considerada por lei uma parceira no desenvolvimento do produto. Os alunos e professores devem atentar para o momento correto de buscar o auxílio do NITT. “O ideal é que o pesquisador nos procure assim que tiver resultados positivos na fase de testes, desta forma poderemos proteger o invento durante os trâmites de registro da patente. Caso o conteúdo seja apresentado em artigos científicos, matérias na mídia ou mesmo em bancas de defesa de TCC, o conhecimento será adicionado ao domínio público imediatamente, perdendo a possibilidade de registro”, ressalta Maués.

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