MULHERES CARAMBOLA EMPRENDEDORISMO E PRECARIADO

Esta imagem retrata duas mulheres negras em um contexto do Brasil colonial ou imperial. A mulher à esquerda está em pé, com um cesto cheio de frutas equilibrado sobre a cabeça e uma criança nas costas, ilustrando uma cena típica do trabalho das ganhadeiras — mulheres escravizadas ou libertas que trabalhavam vendendo alimentos, roupas ou outros produtos como forma de sustento. A outra mulher, sentada e vestida de maneira mais elaborada, pode representar uma forra (mulher negra liberta), o que indica diferentes níveis de condição social dentro da população negra na época.

Essas mulheres, muitas vezes chamadas de "mulheres carambolas" em contextos pejorativos, desempenharam um papel importante na economia e resistiram às adversidades sociais e raciais. A presença de um cesto de frutas reforça a conexão com o comércio ambulante, essencial para a subsistência dessas mulheres e suas comunidades.

O termo "mulheres carambola" surgiu como uma expressão pejorativa para descrever mulheres negras que trabalhavam como vendedoras ambulantes no Brasil, especialmente no século XIX. 

Algumas explicações possíveis para o uso desse termo:

Associação à carambola como fruta popular e acessível: A carambola é uma fruta comum, de fácil cultivo, e muitas vezes vista como "simples". A associação pode ter sido uma tentativa de reduzir a importância dessas mulheres trabalhadoras, ligando-as a algo comum e pouco valorizado.

Cor da pele: É possível que a cor amarelada ou bronzeada da carambola tenha sido comparada, de forma racista, ao tom de pele das mulheres negras que trabalhavam sob o sol nas ruas.

Desvalorização do trabalho informal: Essas mulheres eram figuras centrais no abastecimento das cidades, mas, por serem negras e atuarem fora do mercado formal, eram alvo de preconceitos. A alcunha poderia ser uma forma de zombaria ou tentativa de inferiorizar seu trabalho.

Essas mulheres muitas vezes enfrentavam discriminação racial e de classe, sendo vistas de maneira depreciativa pela sociedade elitista da época. A associação ao termo "carambola" pode estar ligada à ideia de algo exótico ou ao fato de carregarem tabuleiros com frutas e outros produtos, destacando-se nos espaços públicos dominados por homens brancos ou mulheres brancas em papéis diferentes.

No contexto histórico, essas mulheres desempenharam um papel fundamental na economia urbana, atuando como ganhadeiras — termo que designava aquelas que trabalhavam no comércio informal, muitas vezes para sustentar a si mesmas e suas famílias, sendo escravizadas ou libertas. As ganhadeiras eram vistas como símbolos de resistência e autonomia, embora frequentemente marginalizadas devido às dinâmicas de gênero, raça e classe da sociedade escravista brasileira.

A historiadora Cecília Moreira Soares, em suas pesquisas, traz uma contribuição importante para o estudo das ganhadeiras e das mulheres carambolas no Brasil do século XIX. Segundo suas análises, as ganhadeiras eram mulheres negras, tanto escravizadas quanto libertas, que desempenhavam trabalhos de "ganho", ou seja, vendiam produtos como alimentos, roupas e peixes nas ruas ou mercados urbanos. 

A autora ressalta que essas atividades eram uma forma de resistência econômica e social, pois permitiam que essas mulheres garantissem o sustento próprio e de suas famílias, em um contexto de marginalização e opressão escravista.

Soares também destaca a habilidade dessas mulheres em comercializar seus produtos, muitas vezes equilibrando tabuleiros na cabeça, e suas origens africanas, onde o comércio era tradicionalmente uma atividade feminina. Esse protagonismo nas ruas contribuiu para o surgimento de termos como "mulheres carambolas" em referência à circulação ativa e constante delas pelos centros urbanos. O termo pode ter sido associado à agilidade e à natureza de sua presença comercial vibrante, adaptada ao ritmo da cidade e à necessidade de sobrevivência.

Essas práticas também reforçaram uma rede de solidariedade entre mulheres negras, criando um ambiente de resistência e troca cultural que se perpetua historicamente. Essa memória é preservada, por exemplo, por grupos como as Ganhadeiras de Itapuã, que celebram essa tradição por meio da música e da cultura oral, mantendo viva a lembrança dessas mulheres e de suas lutas no Brasil colonial e imperial.

Empreendedorismo e precariado

A relação entre as ganhadeiras negras do século XIX e o empreendedorismo precário contemporâneo está na forma como ambas as situações emergem de contextos de desigualdade, exclusão social e falta de Ausência de Proteção Social

As ganhadeiras, assim como trabalhadores do empreendedorismo precário hoje, não contavam com amparo do Estado, como direitos trabalhistas, previdência ou segurança financeira. Seu sustento dependia unicamente de seu esforço diário.
Mas é preciso não confundir estratégias de sobrevivência com empreendedorismo.
Embora ambos possam envolver o mesmo ponto de partida, o empreendedorismo exige uma visão de longo prazo e um desejo de inovação, enquanto as estratégias de sobrevivência são realtivas às necessidades imediatas. 
É fundamental reconhecer essa diferença, especialmente em políticas públicas, para apoiar adequadamente cada perfil.

Trabalho Informal e Autônomo
As ganhadeiras atuavam fora das estruturas formais da economia, vendendo produtos ou serviços para sobreviver. Hoje, vemos isso em trabalhadores informais, como vendedores ambulantes, entregadores de aplicativos e autônomos que enfrentam a precarização.

Exploração e Desigualdade
No caso das ganhadeiras, parte de seus ganhos era confiscada por seus senhores. No empreendedorismo precário moderno, embora não haja escravidão formal, há exploração por meio de baixas remunerações, ausência de garantias e lucros desproporcionais para intermediários ou plataformas.

Protagonismo Feminino e Resiliência
As mulheres continuam sendo maioria no empreendedorismo precário, como eram entre as ganhadeiras. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que, historicamente, elas enfrentam maiores barreiras no acesso ao mercado formal de trabalho e ainda acumulam responsabilidades domésticas.

Criação de Redes de Solidariedade
Assim como as ganhadeiras se apoiavam mutuamente para resistir às adversidades, no empreendedorismo precário atual vemos cooperativas, redes comunitárias e organizações de trabalhadores informais que buscam se proteger e conquistar melhores condições.

Diferenças Fundamentais

Contexto histórico: As ganhadeiras ou mulheres carambolas estavam inseridas em um sistema de escravidão formal, enquanto o empreendedorismo precário ocorre em um sistema capitalista globalizado.

Hoje, a precarização é muitas vezes intermediada por plataformas digitais, que modernizam e intensificam o controle e a exploração do trabalho.

A história das ganhadeiras negras ajuda a entender como práticas de sobrevivência em contextos adversos são uma constante nas camadas mais vulneráveis da sociedade. No entanto, é importante destacar que essas práticas, tanto no século XIX quanto hoje, não devem ser romantizadas. A informalidade e a precarização não são opções ideais, mas sim resultados de exclusões históricas e estruturais que perpetuam a desigualdade.

Assim, discutir as ganhadeiras em paralelo ao empreendedorismo precário é um convite a refletir sobre como superar essas condições, promovendo políticas públicas que garantam direitos, dignidade e oportunidades reais para os trabalhadores vulneráveis.


https://pt.scribd.com/document/372651353/SOARES-Cecilia-Moreira-AS-GANHADEIRAS-MULHER-E-RESISTENCIA-NEGRA-EM-SALVADOR-NO-SECULO-XIX-pdf


@elcocineroloko




Comentários

Postagens mais visitadas