FILME ABORDA MUDANÇAS DE CULTURA ALIMENTAR NO VALE DO JEQUITINHONHA
Por Paulo Henrique Silva
Curta-metragem "Candeeiro do Vale" é uma das atrações do Matula Film Festival, que acontece no Cine Theatro Brasil
A descoberta de lítio – mineral fundamental neste momento de transição energética – vem provocando profundas transformações na região do Vale do Jequitinhonha. Com a chegada de empresas estrangeiras, o preço do leite que serve de base para uma iguaria típica como o requeijão moreno foi às alturas, e um simples café da manhã ganhou ingredientes incomuns, mais afeitos a paladares europeus.
“É um momento bastante delicado, com a modificação de toda uma cultura alimentar”, afirma Daniela Fernandes, que não pensou duas vezes antes de pegar a câmera e registrar in loco os hábitos da região. O resultado é o curta “Candeeiro do Vale”, que ela dirigiu ao lado de Marcella Cabral. O filme é um dos grandes destaques do Matula Film Festival, que acontecerá hoje e amanhã, no terraço do Cine Theatro Brasil.
“O Matula está sempre instigando a produção e divulgação da cultura alimentar, e o filme é uma forma de registrar esse momento do Vale. A gente sentiu a necessidade urgente de fazer esse registro porque a gente não sabe como serão os próximos anos. É uma visão bem pessimista, mas a gente sabe que, daqui a um tempo, não haverá mais essa cultura alimentar local, por causa do lítio”, lamenta Daniela.
A diretora – e também coordenadora do Matula – assinala que as modificações já estão em andamento, após “a população dobrar de tamanho, com a vinda de estrangeiros, que não têm, obviamente, a cultura alimentar nossa”. Desta maneira, um outro tipo de costume ligado à alimentação está se impondo à tradição, sem falar que a exploração do lítio também vem acontecendo em plantações indígenas.
“Candeeiro do Vale” é o primeiro produto audiovisual com o selo do Matula. “Na verdade, ele é o piloto de um projeto. A ideia é levar uma formação de audiovisual para as comunidades para que elas possam fazer seus registros. É o audiovisual em prol da cultura alimentar”, explica Daniela, que colocou nas mãos do crítico de cinema e jornalista gastronômico Guilherme Lobão a definição curatorial do Matula.
“A cada edição, o Matula busca um recorte curatorial de filmes que está associado a aspectos estéticos e geográficos, tanto do cinema quanto da comida. Para esta edição, fizemos algo que batizamos de ‘Comida Popular’, que nasce do desejo de celebrar não só a comida popular, mas também o cinema popular. Como a gente está em Minas, tudo isso se amarra com o bar”, registra Lobão.
A programação será aberta com “Bar Esperança”, longa de Hugo Carvana lançado em 1983, e se encerrará com o recente “Saideira”, filmado em terras mineiras. “A seleção também optou por buscar obras inéditas da temática gastronômica, e trouxemos parte da produção seriada ‘Terra Viva’, que apresenta vivências de agroextrativistas nos cantos mais remotos do Brasil”, comenta o curador.
Paulo Henrique Silva é redator do caderno Magazine, com cerca de 30 anos de experiência em cobertura de cultura e esportes. Fundador da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), também foi presidente da associação por dois mandatos, entre 2015 e 2019. É organizador do livro "Trajetória da Crítica de Cinema no Brasil" e da coleção "100 Melhores Filmes"
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