percorria todos os espaços da casa, um vazio profundo, a perplexidade diante do inusitado fato, de que o lugar, antes alegre e cheio de vida, hoje, retumbava um ar sepulcral, e de profunda tristeza, o medo simulado das quatro paredes, agora, determinava os limites.

contam que, pior que o canto das sereias, é seu silêncio tumular, o silêncio que inibiu Ulices nas turbulências marinhas, que das águas tranquilas esperava muito pouco, há que se supor ventos da morte, da devastação, do ocaso, que veio à enfrentar, com destemor, e como homem do mar, sabia, que demasiada tranquilidade, precede à dor, e seu inefável sentimento de aniquilação.

eram almas vagas, que em sua condição de não existência palpável, todavia, ocupavam os cantos, as quadras, as vísceras da habitação, tornando insuportável qualquer sentido à vida, a vida daquela casa vazia, que não refletia, o que outrora à definia.

em frente ao beiral, portas e janelas coloniais, em branco pálido, sombreados pela velha mangueira, e pelo velho bouganvile, uma cadeira de palhinha, dois troços de um velho remo, um colfo, e apetrechos do pescador, redes de nylon e as agulhas provavelmente a espera das hábeis mãos para serem cozidas, nas tramas engenhosas, do velho pescador.

um resto de rede que ainda esperava o corpo quente, as paredes, caiadas de um branco sujo, que à patina do tempo revelava, tinha uma beleza enternecedora.

do boqueirão, avistava-se a longa borda da praia, quase virgem, à casa hoje, contrastava com a víviida natureza, à tarde caía como um manto, cigarras davam um tom do desespero e tensão, revoada de andorinhas com suas jaquetas de velório, e o enigmático canto do jaú, bicho preguiçoso e funesto, seria um malagoro?

o cheiro acre charuto barato, às manchas do fogão a lenha, as borras de café no canto da pia, e a tosca imagem da rainha do mar, compunham um cenário intimista e reservado, de alguém que preserva com zelo sua intimidade, a pesar do olor de mirra e canfora, do incenso, que se sentia sempre ao final da tarde, voltavam sempre a minha memória, como que uma espécie de sinal de sua nobreza e presença.

velho lobo do mar, marujo aguerrido e temente, homem de fibra e resguardo, diziam ser neto de escravos, que sua desconfiança provinha das agruras sofridas pelo avó, que seu casco duro, era uma defesa as iniquidades vividas na infância, sabe lá quanta perversidade pode ter sofrido pobre homem, que ensimesmado, encontrou resiliência intuitiva, aprendendo com seu ofício, ser destemido na quilha da jangada, infalível no arpão, na bainha do canivete.

a sensação de liberdade, o mar e seus arroubos temporais, fazia recordar seu temperamento, por vezes docil e sociável, entornando afeto, vez por outra, quebrando em ebuliçõe repentinas, lhe rendiam um sorriso de canto de boca, seria a Lua?, e seus efeitos cíclicos, o tempo virou seu humor, perguntavam os companheiros de lida, sem compreender a natureza de suas emoções, quais quer que fossem as respostas, não abalavam a inteireza do corpulento pescador, muito pelo contrário, de equilíbrio ele entendia bem, seria insuspeita está afirmação ...(segue)


 #ElucubraçõesDoLoko

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