Comunidade Quilombola produz peças através da tradição do trançado

Com auxílio de projeto, artesãos realizam produtos com palha de ouricuri, extraída de planta originária do Brasil


Artesanato de trançado é passado na comunidade de geração em geração Divulgação Casa&Jardim

Por Jennifer de Carvalho

Se tem algo que faz parte das raízes do povoado Quilombola de Alagamar, em Sergipe, é a palha de ouricuri. Extraída de uma palmeira nativa do Brasil – mais especificamente da Caatinga –, o material é responsável pelo desenvolvimento de trançados por moradores da região. Aliás, esse artesanato é algo que passa de geração em geração.

Aos 71 anos, a artesã Iramilde da Anunciação Santos carrega em sua memória momentos em que, ainda pequena, via sua mãe, avó e pai realizarem chapéus com a palha. A ideia da peça era servir como protetor contra o sol. “Quando saiam do colégio, as meninas se juntavam em calçadas, debaixo de sombras ou árvores para fazer a trança”, relata.

Atualmente, as pessoas da comunidade – incluindo homens – continuam se reunindo para desenvolverem uma peça, seja na casa de um morador, seja em uma praça nos arredores do povoado Quilombola.

A tradição do trançado e a simplicidade da palha de ouricuri foram uns dos aspectos que chamaram a atenção da designer Zizi Carderari. A partir do Projeto Sertões, de autoria da designer, o material se tornou fonte para novas peças, como bolsas e uma variedade de cestos para guardar desde roupas até pães.

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Zizi explica que o objetivo do projeto é possibilitar uma troca de aprendizado, com transparência sobre o processo de desenvolvimento dos produtos e a inserção de itens com a alma brasileira em um mercado justo. “Essa parceria de designers e artesãos é saudável porque as ideias se cruzam.”

Para a artesã Maria Doralice Santos Hora, que também cresceu com o trançado, o artesanato ajuda na sobrevivência de cada um. Além de gostar e usar até mesmo como uma distração, ela ressalta a atividade como um complemento de renda e uma fonte de conhecimento. Ela destaca que o projeto ajudou não só na criação de peças diferentes, como também no aumento da procura pelos itens.

Como é feito o trançado?

Da extração até a costura de um item, há um processo longo e cuidadoso com a palha. Doralice explica que o material é retirado de uma espécie de "olho" na árvore. A princípio, a palha possui uma coloração verde, sendo preciso deixá-la no sol entre sete e 15 dias para desenvolver um tom esbranquiçado.

Quando as peças são adquiridas com um aspecto amarelado, isso significa que a palha está envelhecida. Inclusive, a artesã lembra que muitas pessoas preferem produtos com essa cor justamente porque não ocorrerão mais mudanças.

Além do ar de aconchego que as peças podem passar para um ambiente, a palha de ouricuri é maleável. Aliás, Zizi evidencia que itens feitos à mão estimulam até mesmo partes sensoriais. “Cestos de palha ou vasos de barro, por exemplo, trazem a energia de quem fez”. Para a designer, em meio a um modo de vida individualista, esse compartilhamento humano é importante.

Inclusive, nessa parceria da designer com grupos de artesãos da região, Zizi auxilia na parte de formatos e volumes dos objetos, sem mexer em sua pureza. O próprio projeto foi inspirado em sua vida familiar. “Uma das coisas que minha avó sempre aproveitou foi a sacaria de algodão.”

Quando falamos de sertões, falamos de nós mesmos. O sertão mora dentro de nós, é o nosso interior e raiz

— Zizi Carderari

Fonte: Casa&Jardim


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