A chegada de Bolsonaro no inferno, por Bastião da Curiboca





Corria um dia tranquilo

Na portaria do inferno.

A fila estava pequena

Com três caboco de terno;

Um agiota, um banqueiro,

E um pastor potoqueiro

Invocando o Pai Eterno.

O capeta da guarita

Só conferia os malfeito

Numa lista bem comprida

Ia ticando, com jeito:

Ladroagem, carteirada,

Ódio, usura, mentirada,

Consciência com defeito.

Mais atrás vinha uma quenga

E um vendedor de seguro;

Pouco depois um pinguço

Ralando o chifre no muro;

Uma dupla sertaneja,

Uma barata-de-igreja,

E um tarado de pau duro.


Tudo estava nos conformes

Naquela burocracia,

Quando se ouviu ao longe

Uma estranha tropelia.

Fazendo muita poeira,

Promovendo quebradeira,

Xingando a democracia.


Na frente, boca espumando,

Tinha um tal de Capitão.

Com a mão fazia um gesto

Imitando um três-oitão;

Riso de psicopata,

Catinga de vira-lata,

E zóio de assombração.


Ele logo foi dizendo:

“Sou presidente, tá oquei?

Tenho apoio da milícia,

Da rede globo e da lei.

Vou trocar o delegado!

Eu quero um advogado,

Daqueles que eu já comprei”.


O diabo olhou o tipo

E pensou: “Lá vem encrenca!”

O cabra não vinha só,

Vinha com ele uma renca:

Tinha milico fardado,

Fazendeiro, deputado,

E jornalista em penca.


“Trezentos mil. E daí?”

Relinchava o genocida,

E era aplaudido com força

Pela claque ensandecida.

Os quatro filhos vibravam,

Enquanto compartilhavam

Da rachadinha bandida.


Puxando o coro dos males,

O general Pazuello;

Damares, Ricardo Salles,

Parecia um pesadelo!

O chanceler Araújo

Com QI de caramujo,

Paulo Guedes num camelo.


“Eu vim para destruir!”

Gritava o quase-demente.

E chegou na portaria

Querendo passar na frente.

“Não ligo pra pandemia!

Mi-mi-mi é covardia,

De quem não votou na gente!”

Capeta coçou o rosto,

E farejou confusão.

“Esse aí parece encosto,

Vou precisar de outra ação.”

E ligou prum mais chifrudo,

Mais graduado, pançudo,

Que chegou com a guarnição.


“O que está acontecendo

Nessa repartição?

Aqui é lugar decente,

Não pode haver confusão.

Não me importa a patente,

Tem de ser obediente

Em nossa jurisdição.”


O capitão gargalhou

De um jeito alucinado.

Virou-se pra sua plateia,

Soltou um berro, alterado:

“Vamos passar a boiada!

Isso aqui não é nada,

Comparado com meu gado.”

O tinhoso, experiente,

Percebeu a desvantagem.

Era muita gente bronca

Seguindo aquela visagem.

“Vou ligar pro meu Supremo.

Briga boa eu não temo,

Mas assim é sacanagem…”


Satanás estava na mesa

Comendo um leitão assado.

Quando recebeu o zap

Caiu no chão, alarmado.

“Como é que esse bandido

Que acompanho, escondido,

Veio parar desse lado?”


Vestiu a capa vermelha,

E procurou o tridente.

Passou um pente na telha

Deu um gole de aguardente.

Arriou uma jumenta

Que tinha fogo na venta,

E foi pra linha de frente.


Chegando na portaria

Viu aquela confusão.

O povo fazendo arminha,

Gritando “É o Capitão!”

Trinta pastores na grama,

Dez generais de pijama,

e o Bonner na narração.


Seguindo aquele fascista,

Tinha de tudo um pouquinho.

Acadêmico e artista,

Sílvio, Datena e Ratinho.

Racista, neonazista,

comboio de taxista

atravancando o caminho.


O Demônio encheu o peito

Com seu bafo venenoso,

E perguntou pro sujeito:

“Cê quer o que, malcheiroso?

Não pense que me engana,

A facada foi chicana,

Recurso bem vergonhoso.”


Bolsonaro então sorri,

Lembrando a maracutaia.

“Não foi ali que morri,

Bem sabe o Rodrigo Maia.

Cheguei com apoio do Moro,

Dos tucanos de alto foro,

E também do Malafaia.”


“Mas então você me explique”,

Interrogou Belzebu:

“Por que vem fazer chilique

Com esse bando de urubu?

Pra entrar tem que ter senha,

Espero que aqui não venha

Provocar um sururu.”


“É Deus acima de todos,

Brasil acima de tudo!”

Desta forma inconsequente

Blasfemou o linguarudo.

O Demo pegou a deixa,

E transmitiu sua queixa

Para o Senhor-Pai-de-Tudo.

“Mestre Supremo, desculpe,

Nessa hora incomodar.

Mas tem um cara suspeito,

Aqui a me atazanar.

É um tal de Bolsonaro,

Se não me falha o faro,

É cabra ruim pra danar.”

Deus pôs a mão na testa,

deu um suspiro profundo.

“Belzebu, tu estás comigo

Desde o início do mundo.

Sabes que não ajo errado:

Se alguém vai pro teu lado,

É porque é vagabundo!”


“Mas, Deus, será que mereço

Um castigo tão tacanho?

O cara é sociopata,

Quem segue é um povo estranho.

Aqui temos uma ordem,

Por mais que outros discordem,

É disso que eu tiro o ganho.”

“Penso que um cabra desses,

Tão seguido de pastores

De igrejas tão diversas,

Guiadas por malfeitores,

Devia ir para o limbo

E receber um carimbo

Por proclamar tais horrores!”


O Supremo, com um sorriso,

Respondeu ao Lucifer:

“É justamente por isso

Que a situação requer

um jeitinho mais profano:

Aceite o miliciano

E seja o que Deus quiser!”

O Maligno, abismado,

Achou a declaração hostil.

“Se Deus quiser, ora essa!

Onde é que já se viu?

Agora que a coisa aperta!

Se Deus quisesse, na certa,

Tinha salvado o Brasil!”


Belzebu ficou cabreiro

Com aquela situação.

Lá fora o Bozo rosnava

Incitando a multidão.

Foi quando um diabo-raso

Preocupado com o caso,

Disse: “eu tenho a solução!”


“Lá no Brasil tem um cabra

Que todo mundo respeita.

Correu cinquenta países,

E em nenhum fez desfeita.

Cabra bom de Garanhuns,

Adorado por alguns,

Temido pela direita.”

Satanás, bem curioso,

Viu uma chance bem clara.

O diabinho, orgulhoso,

Sentiu que a fala tocara.

“É Lula, meu comandante!

Sei também que o meliante

Morre de medo do cara.”


“Quero o telefone agora

Dum homem desse quilate!”

Lucifer se apresentou,

E contou qual o embate.

Lula soltou uma risada,

E falou: “Esse é barbada.

Desafia prum debate!”


O Demonho, agradecido,

Foi direto pro portão.

Com a capetada ao lado

Anunciou a intenção:

“Vamos expor nossos planos.

Se os teus não forem insanos,

Te entrego a chave e o bastão!”


Bolsonaro ouvindo aquilo

Na hora empalideceu.

O suor correu na testa

E a garganta emudeceu.

Pra escapar da desgraça

Numa nuvem de fumaça,

Depressa se escafedeu.


A multidão, sem comando,

Aos poucos se diluiu.

Os diabos festejaram

A vitória sem fuzil.

Se alguém pergunta o destino

Do capitão asinino,

Saiba que está no Brasil.





Sebastião da Curiboca

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