Os processos de Fermentação na Culinaria Tradicional, Africa e Bahia.

A fermentação tem sido usada para conservar alimentos por séculos antes da invenção da pasteurização e esterilização, e cada cultura tem uma variedade de produtos fermentados como parte de sua dieta. 

Os alimentos fermentados tradicionais são feitos por processos anteriores ao registro histórico escrito e que empregam um número relativamente pequeno de espécies de bactérias, leveduras e fungos.

A comida tradicional fermentada como uma iguaria especial é um dos elementos da diversidade culinária encontrada em muitas regiões do mundo.
Segundo Fernando Carvalhaes “A indústria foi muito eficiente em convencer as pessoas de que alimentos com a acidez e com o cheiro característicos dos fermentados significariam comida estragada”.

"Há sentimentos, lembranças de colheita e facilidade com minha avó trabalhando no campo e meu pai cozinhando.
Há uma memória de não gostar deles; há uma memória de vergonha em comer minhas comidas tradicionais com pessoas que achavam que sua comida fedia, ou parecia engraçada, ou era estranha, e internalizava isso.” 

Este relato da agricultora americana Amirah Mitchell, revela à forma como foi construído sistematicamente, o discurso preconceituoso sobre as técnicas usadas pelos povos negros, no esteio do pensamento Eugenista, vigente na época pela cultura Estadonidense, que não poupou os usos e costumes, da sanha higienista também sob nossa culinária tradicional, pelo candomblé, no uso da fermentação de alimentos, que todavia seguem fazendo parte de muitos pratos e bebidas, como o Aluá, o próprio Acarajé, o milho fermentado do Acaça, dentre outras preparações.

Também não podemos deixar de mencionar o ressentimento de alguns cronistas como Luis dos Santos Vilhena, que, em suas críticas mordaz aos costumes negros da época, a falta de higiene e de água em boas condições de uso, ajudou a difundir, e cristalizar uma ideia preconceituosa, de desprezo e repulsa sobre a cultura, os hábitos e técnicas alimentares dos grupos étnicos africanos na Salvador oitocentista.

O professor de grego considera que a venda do pescado se dava
em grande desordem, pois passava por quatro ou cinco mãos, antes de
chegar aos que o compram para comer. Em sua opinião, se o governa￾dor não tivesse entregado a praça de São Bento ao Senado, que, no
local, havia implantado quitandas, ali deveria ser instalada uma praça
de pescado, da qual a Bahia ainda carecia. Mas, logo reconsidera, dizendo que “a pescadaría devera ser na beira-mar, onde os pescadores
deveram ser obrigados a ter o seu peixe exposto à venda ao povo, por
uma ou duas horas depois que desembarcassem, pois que o calor não
permite maior demora”.
Não era incomum, no Brasil, o apodrecimento de peixe em regiões de grande produção.
Até hoje, a inexistência de
frigoríficos para o armazenamento de peixe é um problema para os pescadores artesanais. Vilhena queria mais: seria necessário punir quem
vendesse em outro lugar, que não a praia, em especial as negras regateiras
(vendedoras ambulantes).
Negócio privativo das ganhadeiras, elas
vendiam o peixe “a outras negras, para tornarem a vender, e a esta passagem chamam carambola”. 
E o peixe ficava caro, porque existia ainda outro embaraço: antes de chegar ao porto, os oficiais inferiores, a
pretexto de se destinarem a oficiais superiores, arrebatavam, com vio￾lência, o peixe dos pescadores e o entregavam para as ganhadeiras ou
outras negras, “com quem tem seus tratos, e comércios”.

O português dos Santos Vilhena notou que: "das casas mais opulentas desta cidade, onde andam os contratos, e negociações de maior porte, saem oito, dez, e mais negras a vender pelas ruas a pregão as cousas mais insignificantes, e vis; como sejam iguarias de diversas qualidades, mocotós, isto é mão de vaca, carurus, vatapás, mingau, pamonha, canjica, isto é papa de milho, acaçá, acarajé, bobó, arroz de coco, feijão de coco, angu, pão-de-ló de arroz, roletes de cana, queimados isto é rebuscados a 8 por um vintém, e doces de infinitas qualidade.."
Jeferson Bacelar 

Vilhena foi bem analisado pelo antropólogo-historiador Jeferson Bacelar, num texto intitulado “A Comida dos Baianos no Sabor Amargo de Vilhena”, que em algum momento deve vir a publico.
Bacelar mostra como, em meados do século XVIII a Bahia já sofria uma inflexão importante, pois os cativos nascidos no Brasil já eram maioria, num processo de crioulização marcado pela maior adoção de costumes locais e, consequentemente, um progressivo afastamento dos padrões culturais das várias etnias africanas transplantadas. Afastavam-se especialmente dos padrões tribais praticados pelos iorubanos, os gbe-falantes, os haussás e outros povos da região da chamada Costa da Mina (Gana, Togo, Benin e Nigéria).

Alimentos Tradicionais Fermentados 
Os alimentos fermentados tradicionais são feitos por processos anteriores ao registro histórico escrito e que empregam um número relativamente pequeno de espécies de bactérias, leveduras e fungos.

No processamento de alimentos, a fermentação é a conversão de carboidratos em álcool ou ácidos orgânicos usando microorganismos – leveduras ou bactérias – sob condições anaeróbicas (livres de oxigênio). 
A fermentação geralmente implica que a ação dos microrganismos é desejada. 
A ciência da fermentação é conhecida como zimologia ou zimurgia.
O termo "fermentação" às vezes se refere especificamente à conversão química de açúcares em etanol, produzindo bebidas alcoólicas como vinho, cerveja e cidra.
Processos semelhantes ocorrem na fermentação do pão (CO 2 produzido pela atividade das leveduras) e na preservação de alimentos ácidos com a produção de ácido lático, como no chucrute e no iogurte .

Em vários países Africanos, os processos tradicionais de fermentação proporcionam um meio de conservação dos alimentos, melhorando a vida útil e acrescentando nutrientes aos produtos alimentares.
Como acontece com qualquer alimento fermentado, a microbiota alimentar associada é de grande importância e interesse.
Estudos recentes sobre o microbioma de alimentos fermentados africanos usando técnicas de sequenciamento de DNA de alto rendimento revelaram a presença de diversas populações microbianas de interesse fundamental, tecnológico e comercial que poderiam ser aproveitadas para melhorar ainda mais a saúde, a segurança alimentar e a qualidade. 
Os efeitos conservantes dos alimentos fermentados são particularmente importantes na África, considerando as condições climáticas tropicais em grandes regiões dos continentes.
O clima torna a preservação de produtos agrícolas frescos, como leite, frutas e hortaliças, muito desafiadora, resultando em relatos de perda de mais de 70% de alguns produtos anualmente. 
A deterioração pós-colheita de alimentos frescos é geralmente aumentada pela poluição e contaminação ambiental que resulta em apodrecimento físico, deterioração estética do ambiente e mau odor, tornando o alimento impróprio para consumo.
Alimentos fermentados representam um componente significativo da variada gama de dietas africanas, com alimentos individuais sendo atribuídos, por exemplo, como alimentos básicos, condimentos ou bebidas.
Os alimentos também podem ser classificados de acordo com as matérias-primas utilizadas para sua produção. Estes incluem produtos à base de tubérculos (por exemplo, “Fufu”, “Lafun” e “Gari”); produtos à base de cereais (por exemplo, “Ogi”, “Burukutu”, “Kunnu-zaki” e “Pito”); produtos à base de leguminosas (por exemplo, “Iru” ou “Dawadawa”, “Ogiri” e “Ugba”); produtos à base de bebidas (por exemplo, "Emu", "Oguro") e produtos à base de laticínios (por exemplo, "Fura", "Nunu", "Wara-Kishi")




Produtos fermentados de tubérculos



Tubérculos como mandioca ( Manihot esculenta ), inhame ( Dioscorea alata ) e batata-doce ( Ipomoea batatas ) são alimentos ricos em amido comuns.
Eles são ricos em carboidratos e geralmente são cultivados para consumo em famílias africanas individuais. 
As políticas governamentais em muitos países africanos também apoiam a produção de mandioca e produtos fermentados de mandioca como alternativa aos produtos importados de trigo e arroz. 
Os produtos fermentados de mandioca comumente consumidos em países africanos incluem aqueles produzidos a partir dos tubérculos (frescos ou secos), folhas de mandioca, pasta moída ou produtos fritos granulados 20.
Os tubérculos são geralmente descascados, lavados, moídos e fermentados por cerca de 3 a 5 dias em flocos granulados azedos chamados “Gari” (Nigéria), flocos granulados cozidos no vapor “Attieke” (Costa do Marfim) ou moídos em farinha chamada “Lafun” ou “Kokonte” (Nigéria e Gana) para preparar refeições como “Amala”, “Eba” e “Fufu” (Nigéria). Outros produtos fermentados de tubérculos incluem “Agbelima” (Gana), “Atangana”, “Kumkum”, “Myiodo” (Camarões), “Maphumu” e “Makaka” (Malawi).
O cianeto de hidrogênio (HCN), linamarina, loutaustralina e outros compostos indesejáveis ​​na mandioca são eliminados durante o processamento que inclui descascar, ralar, deixar de molho, prensar e fritar/cozinhar.
Os glicosídeos cianogênicos são hidrolisados ​​por beta-glicosidases e o HCN evapora antes do consumo dos produtos.

Cereais fermentados

Mingaus fermentados de cereais ou bebidas com microorganismos vivos e ativos são muito mais comuns na África Subsaariana do que em outros lugares do mundo.
Os produtos alimentares formam os principais componentes dos alimentos básicos, usados ​​como parte das dietas de desmame para lactentes e alimentos funcionais essenciais para crianças.
Os alimentos são produzidos a partir de milheto ( Panicum miliaceum ), trigo ( Triticum aestivum ), milho ( Zea mays ), arroz ( Oryza sativa ) e sorgo ( Sorghum bicolor ) e, como outros alimentos fermentados, sofrem alterações bioquímicas e nutricionais durante o processo de fermentação.

Os produtos de cereais fermentados podem estar na forma de pasta ou pasta como no caso de “Ogi” (Nigéria), “Akasa” (Gana), “Uji” (Quênia), “Abreh” (Sudão), “Mahewu” (Zimbabwe e África do Sul) incluindo bebidas fermentadas como “Burukutu” (Nigéria) e “Kunnu” (Nigéria).
Os alimentos fermentados à base de cereais são relatados como boas fontes de microrganismos benéficos, micronutrientes e são considerados alimentos promotores da saúde.
Os produtos de cereais fermentados também contêm LAB que contribui amplamente para as propriedades nutricionais, bem como para a segurança alimentar, qualidade de vida de prateleira e propriedades organolépticas através da produção de ácidos orgânicos, bacteriocinas e compostos voláteis.

Produtos fermentados de leguminosas

O processo e o produto são semelhantes ao iru ou douchi.
Seu cheiro é como queijo , missô ou tofu fedido .
Ogiri é mais conhecido na África Ocidental . É popular entre os iorubás e igbos da Nigéria, feito da maneira tradicional da África Ocidental contém apenas: sementes de gergelim, sal e água

Os produtos de leguminosas fermentadas africanas são fontes importantes de proteínas, que se tornam mais biodisponíveis após a digestão e desintoxicação microbiana, contribuindo assim para combater a desnutrição.
Esses alimentos são muitas vezes produzidos como condimentos, mas não têm sido comercializados com sucesso em larga escala devido à sua curta vida de prateleira e aos desafios em atingir padrões de embalagem para os produtos acabados e, portanto, continuam sendo produzidos por métodos tradicionais. 
Os condimentos fermentados de alimentos proteicos à base de plantas incluem; “Iru” ou “Dawadawa”, “Tempeh”, “Soumbala” e “Netetu” de alfarroba africana, ( Parkia biglobosa ) (Nigéria, Gana, Burkina Faso, Senegal), “Ugba” de feijão de óleo africano ( Pentaclethra macrophylla) (Nigéria, Benin), “Ogiri” de qualquer um dos grãos de mamona ( Ricinus Communis ), sementes de melão ( Citrullus vulgaris ) (Nigéria), sementes de abóbora canelada ( Telfairia occidentalis ) (Nigéria), ou sementes de amendoim Bambara (Vigna subterrânea) (Nigéria), “Okpiyede sementes de Prosopis Africana (Prosopis africana), “Owoh” de inhame (Sphenostylis stenocarpa) (Nigéria) e “Siljo” de fava (Vicia faba) farinha misturada com cártamo (Carthamus tinctorius) (Etiópia).
Os condimentos fermentados são produzidos pela fermentação alcalina de sementes de leguminosas e estão associados à abundância de Bacillus subtilis ,Bacillus megaterium , Bacillus circulans, Bacillus licheniformis e Bacillus coagulans.

Produtos fermentados de tubérculos


Tubérculos como mandioca ( Manihot esculenta ), inhame ( Dioscorea alata ) e batata-doce ( Ipomoea batatas ) são alimentos ricos em amido comuns. Eles são ricos em carboidratos e geralmente são cultivados para consumo em famílias africanas individuais.
As políticas governamentais em muitos países africanos também apoiam a produção de mandioca e produtos fermentados de mandioca como alternativa aos produtos importados de trigo e arroz. 
Os produtos fermentados de mandioca comumente consumidos em países africanos incluem aqueles produzidos a partir dos tubérculos (frescos ou secos), folhas de mandioca, pasta moída ou produtos fritos granulados 20.
Os tubérculos são geralmente descascados, lavados, moídos e fermentados por cerca de 3 a 5 dias em flocos granulados azedos chamados “Gari” (Nigéria), flocos granulados cozidos no vapor “Attieke” (Costa do Marfim) ou moídos em farinha chamada “Lafun” ou “Kokonte” (Nigéria e Gana) para preparar refeições como “Amala”, “Eba” e “Fufu” (Nigéria).
Outros produtos fermentados de tubérculos incluem “Agbelima” (Gana), “Atangana”, “Kumkum”, “Myiodo” (Camarões), “Maphumu” e “Makaka” (Malawi).
O cianeto de hidrogênio (HCN), linamarina, loutaustralina e outros compostos indesejáveis ​​na mandioca são eliminados durante o processamento que inclui descascar, ralar, deixar de molho, prensar e fritar/cozinhar.
Os glicosídeos cianogênicos são hidrolisados ​​por beta-glicosidases e o HCN evapora antes do consumo dos produtos.

Comentários

  1. Atualmente alimentos fermentados estão sendo considerados importantes agentes no processo da longevidade com integridade física e mental do ser humano. Pesquisas indicam que os países mais longevos do mundo, apresentam largo consumo de fermentados por sua população. No caso da população negra africana, pode ser observada uma expressiva longevidade contraditória a toda a adversidade econômica, social e política dos países africanos.

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