Descobrindo Verdadeiras iguarias Brasileiras.

Brasileiras-Bananas de Vargem Grande se tornam Maravilha Gastronômica do Rio
Sabor natural do produto orgânico ganha fama para além da região 

No longínquo 1º de maio de 1500, Pero Vaz de Caminha se pôs a descrever as terras recém-descobertas em carta ao rei dom Manuel. 
O capitão-mor da frota exploradora relatou minuciosamente o que via, inclusive a descoberta da fertilidade da terra, afirmando que, “querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem”. 
Passados 516 anos, é da terra que famílias residentes no Maciço da Pedra Branca retiram seu sustento. 
A produção orgânica da Associação de Agricultores Orgânicos de Vargem Grande (AgroVargem) começou bem antes do modismo. Entre os destaques estão os variados tipos de banana. Mas a estrela é a prata, dotada de uma doçura ímpar, que valeu à associação o prêmio Maravilhas Gastronômicas do Estado do Rio de Janeiro — 2015, entregue em dezembro, na categoria Da Terra. Francisco Souza, ex-presidente da AgroVargem, aliás, afirma que os produtos produzidos pelos associados têm mais atrativos do que meramente serem livres de agrotóxicos. São alimentos agroecológicos. 

Na produção e na comercialização, levamos em conta os aspectos sociais e ambientais — destaca. Cem famílias vivem da agricultura e moram no Parque Estadual da Pedra Branca, sendo 30 diretamente ligadas à AgroVargem. Atualmente, 90% do cultivo estão dentro do parque. 
MENOR E MAIS DOCE, FRUTA É BASE DA AGRICULTURA LOCAL 
 A calma e a concentração ditam o ritmo do trabalho pesado em meio ao Maciço da Pedra Branca. Mãos calejadas aplicam golpes certeiros com a foice afiada nos cachos de banana ainda verdes presos à bananeira. O impacto das frutas caindo no chão coberto de vegetação rasteira e folhas soltas provoca um dos poucos sons que perturbam a sinfonia de ritmo constante das quedas d'água. No ambiente em que tudo é aproveitado, as folhas das árvores protegem as bananas do atrito com o “caçoa”, cesto carregado pelo burro, única possibilidade de transporte no caminho irregular e de terra. As bananas são colhidas antes de ficarem maduras A banana-prata, menor e mais doce, é o destaque da produção agroflorestal. Sem uso de agentes químicos e com uma colheita que respeita o tempo de produção da natureza, a fruta premiada no Maravilhas do Rio é o principal alimento vendido pelas famílias do Parque Estadual da Pedra Branca. A venda é feita em feiras livres, principalmente na Zona Oeste da cidade, o que tornou a produção conhecida, e, atualmente, gera um faturamento em torno de R$ 50 mil por ano. O maciço é localizado a partir da cota 100 (ponto que marca cem metros de altitude) e ainda mantém resquícios da época da escravidão, com parte de antigas estruturas de quilombos, antes também focados na produção agrícola. A tradição sobreviveu ao tempo e ao crescimento da área urbana. Os descendentes, que por décadas ficaram esquecidos pelo poder público, entraram no painel de discussões sobre agricultura, conta Francisco de Souza, ex-presidente da AgroVargem: Antônio Jorge da Conceição corta folhas da bananeira para facilitar colheita das frutas Há cerca de nove anos, participamos do Profito (projeto Agroecológico do Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos), na Fiocruz, que pretendia capacitar 30 agricultores para o plantio e, minimamente, o manuseio de plantas medicinais. 

Nos encontros, chegou-se ao ponto de discutir somente questões políticas, e os gestores encaminharam os agricultores para a Rede Carioca de Agricultura Urbana. Depois, nós nos inserimos na discussão alimentar e participamos de edições da Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O assunto ganhou espaço na sociedade, mas não dentro dos gabinetes. A demanda por ações consistentes começou a se fortalecer em 2006 na comunidade local. Sentindo-se ameaçados pelo crescimento urbano, produtores se organizaram, em 2007, na AgroVargem. — A nossa banana é produzida no modelo agroflorestal, não é na monocultura. É possível distingui-la das vindas de São Paulo, que são grandes e não têm tanto sabor — diz Silvia Baptista, pedagoga e moradora de Vargem e uma das fundadoras da associação. 
TRADIÇÃO INICIADA NOS QUILOMBOS 
A história do Maciço da Pedra Branca se entrelaça com a dos quilombolas e seus descendentes, que mantêm a produção orgânica, perpetuando ensinamentos aprendidos ainda na infância. É com desenvoltura que os agricultores participam de todo o processo, do cultivo à venda, aproximando-se do público. A família do diretor-presidente da AgroVargem, Jorge Cardia Valois, vive no maciço desde a geração de sua bisavó. Com 57 anos, Valois orgulha-se de ter nascido na região, onde aprendeu o valor dos alimentos trabalhando, desde os 8 anos, ao lado dos irmãos Ubiratan e Ubirajara. — Sempre fomos agroecológicos; não usamos venenos, só elementos da própria natureza. Banana, caqui e aipim são o que mais temos aqui — diz o agricultor. Jorge Marques carrega as bananas com auxílio de um burro, único meio de transporte em trechos próximos às plantações.
Jorge Cardia Valois é casado com Cristina dos Santos, que também vem de uma família tradicionalmente agrícola e é uma das vendedoras mais atuantes na barraca montada diariamente em frente à Associação de Moradores de Vargem Grande, no Largo de Vargem Grande. 

Cristina é prima de Antônio Jorge da Conceição, agricultor de 65 anos que não troca o local por nada. A árvore genealógica de Conceição tem raízes antigas no maciço: seus bisavós maternos trabalhavam ali como carvoeiros. — Planto e cuido de uma horta. Trabalho desde os 9 anos, sempre na roça. O bananal plantado pelo meu avô continua aqui. É um conhecimento que foi sendo passado na família — conta Conceição. Tanto o plantio como o consumo da banana aparecem atrelados à história quilombola, observa a pedagoga Silvia Baptista, membro da AgroVargem. 
Ela apurou o olhar sobre ritos corriqueiros para tentar decifrar um pouco mais do passado, e encontrou características singulares: — Temos um modo de vida peculiar. Além do espaço, há a cultura, a memória e a relação com a cidade. 
Nas festas quilombolas realizadas aqui, a banana aparece em pratos salgados, como o caldo de banana, o que me levou a pensar se a fruta é mais importante para este grupo do que a feijoada. Tudo isto não pode ficar somente acima da cota 100, é preciso difundir as questões ambientais, agrícolas e culturais para preservar estas tradições. 
TROFÉU OSTENTADO COM ORGULHO NAS VENDAS NO LARGO DE VARGEM GRANDE 
 Todos os dias, às 6h, a barraca em frente à Associação de Moradores de Vargem Grande, na Estrada do Pacuí, é montada. Produtos da estação — como caqui, acerola e aipim — e, claro, a banana-prata — ficam dispostos para venda até as 13h. A oferta varia de acordo com a safra, já que nada é maturado à força. Aos domingos, a disputa é acirrada. A clientela, formada principalmente por moradores de Vargem Grande, é assídua e prefere deixar as dúzias reservadas (não é comum comprar pouca quantidade), fazendo com que todas as caixas (de 12 a 16 por dia) sejam vendidas antes do meio-dia. Cristina dos Santos e Ubiratan Cardia Valois atendem os clientes na barraca em Vargem Grande - Guilherme Leporace / Agência O Globo Além de Cristina dos Santos e dos irmãos Jorge, Ubiratan e Ubirajara Valois, Jorge Rodrigues e Pedro Mesquita se revezam no ponto fixado há sete anos. A moradora do Maciço da Pedra Branca leva em média uma hora e 30 minutos para chegar ao ponto de venda. Parte do caminho é de terra, e por muito tempo a mercadoria viajou apenas em lombo de burros. Hoje, carros também transportam os produtos, a partir de um determinado ponto. Diferentemente do público de supermercado e outras feiras livres, os clientes conhecem o valor das bananas pequenas, principalmente quando a casca está mais escurecida, comportamento bem diferente do público de supermercado e de outras feiras, observa Cristina: — Nós pensávamos que só as pessoas de mais idade que já conhecem a banana iam comprar. Hoje, os jovens sabem como é. Não ficam reclamando porque a banana-prata está feia ou pequena. A dúzia é vendida por cerca de R$ 4 e faz sucesso em feiras da Zona Oeste, como as de Freguesia, Anil, Rio das Pedras e Gardênia, ao lado de produtos vindos de outros estados, com visual, pode-se dizer, mais atrativo. Não por acaso, a conquista do prêmio Maravilhas Gastronômicas do Estado do Rio de Janeiro é vista como uma vitória. 
O troféu é exibido na barraca, mostrando o orgulho que trouxe à AgroVargem. — Antigamente, as bananas eram como as nossas. Então começaram a usar muitos produtos químicos em bananais para elas crescerem mais rápido. As nossas, se você olhar, não são muito bonitas. Mas, quanto mais escuras e cheias de marcas, mais doces ficam. 

Algumas pessoas daqui trabalham fazendo doces, e usam-nas na receita — ressalta Ubiratan Valois. O paladar intenso da fruta cativou o médico Jorge Barroso, morador de Vargem Grande e cliente regular. Ele costuma comprar duas dúzias de cada vez. E diz que outros alimentos vendidos na barraca, como quiabo, brócolis, taioba e verduras, também apresentam sabor diferente dos vendidos habitualmente. — A região tem crescido muito com a especulação imobiliária. Mas esta ainda é uma área agrícola, e alguns aproveitam para extrair dela o melhor — afirma.
Fonte:O Globo

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