A maravilhosa cozinha (científica) de Alícia

Criada em 2004, na Catalunha (Espanha), a Fundació Alícia é uma organização sem fins lucrativos, que se dedica às inovações tecnológicas da culinária e à difusão do patrimônio alimentar e gastronômico, com o objetivo de desenvolver uma boa nutrição à sociedade. 

Uma turma de químicos e cozinheiros acorda de manhã na pequena cidade de Sant Benet de Bages, a meia hora de Barcelona, Espanha. 
Eles são uma dezena de especialistas, gente que circula por uma moderna cozinha de aço e vidro com vista para as montanhas. Quebram alguns ovos, separam leite, açúcar e baunilha, medem, pesam, analisam microscopicamente, cozinham, provam. 
 Todos os dias, os mesmos ingredientes e novos processos para manipulá-los. Eles estão em busca da crème pâtissière perfeita. Vasculham maneiras de chegar à receita genérica ideal de uma das bases da doçaria francesa. 
Os mililitros adequados de cada ingrediente, a temperatura precisa, o tempo correto de cocção nos milésimos de segundo. 
Ao lado das colheres e batedores, tubos de ensaio, medidores e aparelhos de laboratório. “É o rigor científico aplicado à cozinha”, diz Toni Massanés, jornalista e crítico gastronômico que é diretor da Fundació Alícia, onde fica um dos espaços que ditam o futuro da comida. O nome é uma contração de alimentação e ciência, mas também uma brincadeira com a terra de maravilhas de Alice, a personagem de Lewis Carroll, chamada de Alícia na língua catalã. 
 Daí a fundação surgir como uma cozinha repleta de ciência. 
Não causa nenhuma surpresa que “peixes grandes” do mundo da gastronomia estejam envolvidos. 
Para ficar em apenas dois: Ferran Adrià, o chef mais celebrado do mundo, é um dos fundadores e membro do conselho. Participa ativamente de muitos projetos o catalão Joan Roca, do badalado Celler de Can Roca, um dos cinco melhores restaurantes do planeta, segundo listas como a S. Pellegrino World’s 50 Best Restaurants. 
 COZINHA NERD 
Fundada em 2004 e instalada em Sant Benet desde 2007, a Alícia pode se dar ao luxo de passar anos pesquisando o ponto de um creme. É uma fundação sem fins lucrativos, financiada por um banco (a caixa Manresa) e pela Generalitat da Catalunya, o governo da comunidade autônoma no nordeste espanhol. Além de buscar as tais receitas perfeitas, tem projetos bem mais ousados. Desenvolveram, por exemplo, uma tortilha feita sem ovos, que foram substituídos por ágar-ágar, uma gelatina de algas. A ideia aqui era alimentar alérgicos ou doentes com restrições alimentares. No fim do ano passado, testavam uma cenoura liofilizada (sem água) que tinha cara de bolo, textura de cheetos e nutrientes do próprio legume. Muito mais divertida que uma cenoura e tão nutritiva quanto. 
O plano é aplicar técnicas da cozinha de Ferran e companhia para melhorar comida de hospitais e de escolas. De quebra, ensinar crianças e adolescentes a comer. São concorridas as oficinas em que os pequenos são desafiados a identificar sabores escondidos numa maçã. “Queremos que eles percebam que uma boa fruta é mais saborosa que um salgadinho de pacote”, afirma Massanés. “Não estou dizendo apenas mais saudável, mas mais saborosa mesmo. Façam um teste.” Por fim, o que talvez seja o mais amplo dos projetos da fundação: resgatar legumes e verduras autóctones da Catalunha que desapareceram das mesas. A intenção é reviver a ligação das pessoas com os alimentos locais. A dezena de cozinheiros nerds do laboratório espanhol pretende levar aos talheres os “sabores da terra”, seja no formato tradicional, seja com outras formas desenvolvidas sob pipetas e panelas. Entre as “novidades” está um repolho regional parecidíssimo com a couve-mineira. Os chefs-cientistas querem cultivar esses vegetais e reintroduzi-los no mercado. É um movimento de patrimonialização da cultura alimentar, de valorização das tradições. Por trás disso tudo, reside o que há de mais atual em termos de alimentação. O futuro da comida.

Comentários

Postagens mais visitadas