SABORES DA ÁFRICA: cresce no Rio número de restaurantes de culinária dos países do continente

Eventos mensais divulgam pratos salgados e doces; empresária costuma viajar para saber o que se come na terra de seus antepassados

De tempos em tempos, a cozinheira Dida Nascimento viaja para algum país da África com o intuito de importar referências e apresentar, no cardápio do Dida Bar, na Praça da Bandeira, pratos típicos do continente de seus ancestrais. Essa é uma das receitas do sucesso do point que, em 2025, vai completar dez anos. No menu há um prato tradicional de Moçambique, outro baseado numa costela apreciada na África do Sul... O restaurante é, entre os que homenageiam a culinária africana de raiz, um dos mais longevos da cidade.

— Quando os escravizados vieram para o Brasil, houve adaptação de ingredientes, e a comida virou afro-brasileira. Mas eu queria saber o que realmente eles estavam comendo lá, sem adaptação — diz a chef e empresária Dida, que já esteve em países como África do Sul, Moçambique, Marrocos e Senegal. — Fui atrás da comida de ancestralidade.

Homenagem a Moïse

A busca por resgatar as raízes também motiva há anos a chef Dandara Batista, que tinha um restaurante de comida afro-brasileira no Grajaú, o Afro Gourmet, mas agora está com um espaço novíssimo na Rua do Lavradio, no Centro: o Afro Culinária Ancestral. Foi no próprio Dida Bar, há cerca de oito anos, que ela começou a se aventurar pela comida africana.

— Foi através da comida que consegui, de fato, essa conexão com meus antepassados. Quando iniciei o Afro, em 2016, foi justamente para entender se tinha público, se as pessoas se interessavam. Aí percebi que tinha, sim, o interesse. As pessoas se conectavam e viam muita proximidade com a culinária brasileira — lembra Dandara.

Chez Kimberly, como Rikler é conhecido no Rio e em São Paulo, também mostra sua culinária em eventos mensais na cidade. Um deles é a feira Refúgio em Foco, que este mês terá uma edição no dia 22, no Mirante do Pasmado. Lá também marcam ponto outros cozinheiros, cujos pratos salgados ou doces atraem dezenas de clientes. A especialidade da angolana Anica Silva (perfil d.anicacake no Instagram) é o bolo de ginguba (amendoim). Já a do congolês Alfred Makachu é a bebida Mangachu, à base de gengibre, limão, hortelã, mel e gelo.

Receitas originalíssimas também podem ser encontradas na Cozinha Nigeriana da Latifa, que abrasileirou seu nome para facilitar a comunicação por aqui. Lateefat Adunni Hassan, de 43 anos, está no Rio desde 2015. Hoje em dia, ela comanda seu próprio restaurante na garagem de casa, em Vila Isabel, onde recebe clientes curiosos para conhecer o famoso arroz jollof e outros quitutes nigerianos.

Os que já conhecem o serviço ficam atentos ao Instagram da cozinheira (@cozinhada.latifa), por onde ela avisa sobre dias e horários de funcionamento. A variação acontece porque ela e a família costumam acompanhar feriados tradicionais de seu país.

Outro restaurante que serve comidas tradicionais, dessa vez no Parque Madureira, é o Quiosque Moïse, administrado por familiares do congolês Moïse Kabagambe, morto no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, em 2022. A família vê como uma homenagem a ele manter as tradições.

— Servimos aos fins de semana três pratos congoleses, e um deles tem o peixe que era seu favorito: a tilápia ao molho congolês (com fufu de sêmola de mandioca) — diz Maurice Mugeny, irmão mais velho de Moïse e gerente do quiosque.


Cultura fortificada

A mescla de culturas e a ressignificação dos sabores fazem parte dos processos de migração, sobretudo quando muitos anos se passam. É o que diz o historiador e professor de patrimônio cultural do curso de Turismo da Uerj Marcelo Sotratti.

— É importante a gente compreender que o Rio de Janeiro foi a cidade que mais recebeu africanos e afrodescendentes — explica o professor. — A cultura africana é readaptada, ressignificada, mas está sempre fortificada pela conexão com a arte, com a música e com a religião.

Apesar do surgimento de novos empreendimentos e da valorização da identidade preta no Rio, o professor de gastronomia da UFRJ Breno Cruz acha que eles ainda não existem em quantidade suficiente para competir com restaurantes de culinária europeia:

— Embaixadas e consulados poderiam ajudar nesse processo de fortificar culturalmente a gastronomia dos seus países da África.


O Globo 

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