A jornalista Mirelle Costa uniu Culinária&Literatura pra valorizar a Cultura Nordestina

Uma forma diferente e eficaz de descobrir nossa cultura.

Cafezim junino com literatura – por Mirelle Costa
Que livro harmoniza com os quitutes de São João? Amanhã é o dia do santo protetor dos casados, padroeiro dos doentes e que ajuda a abrir os caminhos. 

Separa a caneca de café porque os acompanhamentos já foram escolhidos e Viva São João \o/

A obra de Ariano Suassuna consegue o equilíbrio perfeito entre a tradição popular e a elaboração literária ao recriar para o teatro episódios registrados na tradição popular do cordel, a comédia, traços do barroco católico brasileiro e, ainda, cultura popular e tradições religiosas, ou seja, cinco ingredientes que, juntos, projetaram o escritor pernambucano em todo o país, sendo a peça considerada, em 1962, “o texto mais popular do moderno teatro brasileiro”. O mungunzá (também bastante popular nas festas de São João) juntou milho, leite de coco e leite condensado. As especiarias da peça de Suassuna não são cravo e canela em pau, mas uma pitada de medo, morte, céu e inferno. É preciso três atos para terminar o mungunzá: O primeiro ato é cuidar do milho (colocá-lo de molho e cozinhá-lo), depois, misturar os ingredientes e, no último ato, deixar o fogo fazer a parte dele. 

Pra mim, a poesia possui algumas semelhanças com o bolo de milho. Muita gente pensa que é fácil, qualquer um sabe fazer, mas pra ser marcante e inesquecível, é preciso derreter na boca. Já devorou uma poesia que derreteu na boca? Aquela afetiva, que mexeu com todos os teus sentidos? Tipo um bolo de milho cremoso: textura perfeita, cheiro que embriaga (ainda no forno), beleza e aquele grito de afeto: – Menina, vem comer logo, senão o café esfria! A poesia do Bráulio Bessa também é um convite irresistível. 
Dá vontade de apreciar o ano inteiro, igual um bolo de milho bem feito. 

Ideal para momentos especiais e cotidianos, o bolo de grude é deliciosamente simples na sua complexidade e sabor, assim como a obra de Socorro Acioli, Oração para Desaparecer, carregada de ancestralidade. Um romance que prende e convence até os leitores incrédulos (como bem disse Pilar del Río), como a liga que o doce faz. 

O Bolo de Grude é uma experiência cultural ao reunir os sabores e a tradição do Nordeste brasileiro, capaz de transformar refeições cotidianas em momentos especiais de degustação e celebração. 

É isso que o livro da cearense Socorro Acioli faz conosco. A leitura prazerosa da obra Oração para Desaparecer é como aquele momento da degustação do bolo com café: deve ser apreciado sem afobação. E o bolo de grude é uma delícia de comer rezando, quase uma oração. 
Forte. O pé-de-moleque é feito a partir da mistura do amendoim torrado com rapadura, tradicional na Bahia, estado onde nasceu o escritor Itamar Vieira Junior, autor de Salvar o Fogo. O doce é carregado de história e estima-se que começou a ser produzido no Brasil com a chegada da cana-de-açúcar.

Pesquisei sobre a origem e, uma das versões que mais se repetem, inclusive atribuída à Bidu Sayão, é que no começo do século XX, havia muitas baianas que vendiam doces em tabuleiros e os meninos que gostavam desse doce de amendoim, mas não tinham dinheiro, furtavam as baianas que gritavam: – Pede, moleque, pede! Ou seja, o Brasil das desigualdades está escancarado até nas histórias de nossas receitas mais tradicionais, tema também retratado na obra Salvar o Fogo, um romance épico e lírico, com o poder de emocionar, encantar e indignar. 

Outra versão para o bolo pé-de-moleque faz referência à coloração depois de assado com os pés das crianças que corriam descalças nas ruas antigamente. Vale destacar que ainda existe uma receita do bolo pé de moleque com massa puba, chamada também pamonha de carimã ou manuê. As versões variam entre os estados nordestinos e ninguém vai brigar por isso. 
O único consenso é de que essas iguarias de sabor forte e marcante são muito gostosas. 
O fato é que o pé-de-moleque (seja o bolo ou o doce, feito ou não na palha da bananeira) é extremamente popular no Brasil, assim como a obra Salvar o Fogo, do premiado Itamar Vieira Junior, que possui várias camadas e muitos significados. A força da obra reside na forma habilidosa que o escritor mescla a trajetória íntima de seus personagens com traços da vida – social, emocional e cultural – brasileira. 

Agora, imagine uma padaria (ou uma patisserie pôdi de chique) cheia dos quitutes e toda ambientada com a decoração de São João e obras de autores nordestinos?! A literatura cabe em todo lugar, minha gente!

A brincadeira que fiz com as comidas típicas e as obras escritas por autores nordestinos foi uma maneira simples de reverenciar a literatura que eu tanto aprecio e que me representa. Recomendo a leitura da obra de Câmara Cascudo, História da Alimentação no Brasil, um verdadeiro mergulho na gastronomia brasileira em novecentas páginas, o mais completo estudo sobre a nossa cozinha. 

As festas juninas trazem a alegria da colheita. Que o santo tido festeiro e anunciador abençoe todos aqueles que trazem vida à nossa literatura!

Viva São João! 

Viva a literatura nordestina!



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