O QUE NÃO TE CONTARAM SOBRE JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
A discussão sobre justiça tributária no Brasil não é apenas técnica: é profundamente política e atravessada pela luta de classes.
O atual sistema tributário brasileiro funciona, na prática, como um mecanismo de transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os 10% mais pobres comprometem até 32% da sua renda com tributos indiretos (como impostos sobre consumo), enquanto os 10% mais ricos destinam cerca de 21% (IPEA, 2022).
Além disso, dados do Instituto Justiça Fiscal (2023) mostram que as isenções e benefícios fiscais voltados a grandes empresas e pessoas de alta renda chegam a R$ 450 bilhões ao ano — recursos que poderiam reforçar saúde, educação e políticas sociais.
Essa distorção não é um acaso: ela se conecta à manutenção de privilégios históricos de uma elite que sempre resistiu a repartir sua riqueza com a sociedade, blindada por décadas de poder político e econômico. A luta de classes se manifesta, aqui, no embate entre quem defende uma tributação progressiva — capaz de financiar políticas públicas, reduzir desigualdades e garantir direitos — e quem insiste em preservar um modelo injusto para manter seus próprios benefícios.
O presidente Lula costuma resumir bem essa necessidade: “colocar o rico no imposto e o pobre no orçamento”. Ou seja, fazer o Estado cumprir sua função redistributiva, cobrando mais de quem pode contribuir e investindo em políticas públicas para quem mais precisa.
Nos últimos meses, a atuação do ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino tem dado sinais importantes de enfrentamento a esses desequilíbrios.
Dino abriu espaço para debater amplamente temas tributários cruciais, promovendo audiências públicas que ouviram organizações da sociedade civil, sindicatos e representantes do Fisco (STF, 2024). Esse movimento ajuda a romper o domínio histórico de setores organizados do topo da pirâmide econômica, que sempre conseguiram barrar avanços em nome de seus interesses.
Vale lembrar que o Brasil está entre os países com maior desigualdade de renda do mundo, e seu sistema tributário é apontado pela OCDE como um dos menos progressivos entre as nações emergentes (OCDE, 2023). Isso significa que, proporcionalmente, quem ganha menos paga mais impostos do que quem ganha mais — um contrassenso em um país onde 1% da população detém quase metade da riqueza (Relatório da Oxfam, 2024).
A disputa pela justiça tributária vai além de tabelas de alíquotas: ela toca na essência do projeto de país que queremos. Ou teremos um Estado capaz de reduzir desigualdades e garantir direitos universais, ou continuaremos reféns de um sistema que aprofunda a concentração de renda e a exclusão social.
Flávio Dino, ao colocar o tema em debate e buscar ampliar a legitimidade social do STF, mostra que não há neutralidade possível quando se fala de tributos: toda escolha tributária reflete uma correlação de forças e, portanto, deve ser constantemente fiscalizada e tensionada pela sociedade.
Falar de justiça tributária, hoje, é falar de democracia, de dignidade e de igualdade real. Não há cidadania plena sem repartir a conta — e, principalmente, sem repartir o poder de decidir quem paga quanto e para quê.
Referências
IPEA (2022): Tributação e Desigualdade no Brasil
Instituto Justiça Fiscal (2023): Relatórios sobre benefícios fiscais
OCDE (2023): Tax Policy Reforms 2023
Oxfam (2024): Relatório sobre desigualdade de riqueza global
STF (2024): Registro de audiências públicas sobre tributação (portal do STF)


Comentários
Postar um comentário