DESCOLONIZAR O ALIMENTO
A descolonização não é apenas um processo histórico, mas também cultural, epistemológico e político. Implica desafiar e desconstruir os paradigmas impostos pelos sistemas coloniais e suas continuidades, abrindo espaço para a valorização e integração de conhecimentos, perspectivas e formas de existência que foram historicamente marginalizadas ou apagadas.
Esse processo exige reconhecer a pluralidade de visões de mundo e saberes que não se alinham com a lógica eurocêntrica predominante. É uma maneira de promover a justiça epistemológica e cultural, permitindo que outras narrativas, modos de vida e relações com o mundo sejam legitimados e tenham espaço no debate global.
Descolonizar, portanto, envolve tanto a crítica ao status quo quanto a construção de alternativas que respeitem a diversidade e a riqueza dos diferentes contextos humanos.
Dentro de um paradigma descolonizador, pensar novas formas de interação econômica, como o comércio justo e a economia solidária, é essencial para criar alternativas ao modelo capitalista hegemônico. Esses modelos podem valorizar e respeitar saberes tradicionais, práticas culturais e formas de organização comunitária, promovendo a inclusão e a justiça social.
No caso da culinária tradicional, essa abordagem pode contribuir para resgatar, preservar e valorizar práticas alimentares ancestrais que carregam não apenas sabores, mas também histórias, conhecimentos sobre o território e modos de relação com a natureza. Formar um nicho específico nesse campo significa promover uma economia que respeite os produtores locais, valorize os insumos regionais e garanta preços justos para quem consome e para quem produz.
Além disso, a culinária tradicional pode ser um potente veículo para o fortalecimento identitário e cultural, fomentando um diálogo entre o local e o global. Dessa forma, ela se torna um exemplo de como a economia solidária pode alinhar sustentabilidade econômica com preservação cultural, criando sistemas mais equitativos e baseados em valores comunitários.
OUTRAS FORMAS DE FALAR EM COMIDA
O termo "gastronomia" caracteriza um conceito hegemônico eurocentrado, induz à padronização e homogeneização das culinárias locais, com normas e enquadramentos elitistas, e uma pretensa sofisticação e também economicista, não devendo ser usado nas culturas tradicionais, pois não refletem suas características.
A crítica ao uso do termo "gastronomia" nesse contexto é válida. A palavra carrega consigo uma história de construção eurocentrada, associada ao refinamento, à institucionalização e à padronização dos saberes e práticas alimentares, muitas vezes em detrimento das diversidades culturais.
Ela frequentemente prioriza critérios como técnica, sofisticação e exclusividade, reforçando uma lógica economicista e elitista que contrasta com os valores intrínsecos às culturas alimentares tradicionais.
Nas culturas tradicionais, a relação com a alimentação geralmente vai além do ato de comer ou do preparo técnico. Ela envolve significados profundos, que abarcam espiritualidade, pertencimento comunitário, conexão com a terra e ciclos naturais. Esses aspectos muitas vezes não são contemplados pelo conceito de "gastronomia". Ao enquadrar essas práticas dentro de um modelo hegemônico, corre-se o risco de reduzir sua complexidade, descontextualizá-las e subordiná-las a um sistema de valores alheio à sua essência.
Assim, talvez seja mais adequado utilizar termos como "culinárias ancestrais", "cozinhas tradicionais" ou "práticas alimentares culturais", que destacam as especificidades locais, históricas e espirituais dessas culturas. Isso também evita a imposição de uma lógica que busca homogeneizar e comercializar práticas que, em muitos casos, estão profundamente enraizadas em visões de mundo que privilegiam a coletividade, o equilíbrio e o respeito à natureza.
Nêgo Bispo, pensador quilombola e ativista, abordou a descolonização alimentar enfatizando a importância de valorizar as práticas tradicionais e ancestrais. Em uma entrevista, ele afirmou: "Hoje eu estou dizendo que nós precisamos alimentar as nossas ancestralidades, alimentar as nossas trajetórias, e alimentar as nossas trajetórias é falar bem delas."
Essa perspectiva ressalta a necessidade de reconhecer e fortalecer as práticas alimentares tradicionais como forma de resistência ao colonialismo e de afirmação cultural. Ao valorizar os saberes ancestrais, promove-se uma alimentação que respeita a biodiversidade local e as relações comunitárias, contrapondo-se à padronização imposta por sistemas hegemônicos.
Além disso, Nêgo Bispo destacou a importância de práticas econômicas que respeitem essas tradições. Em suas reflexões, ele mencionou a necessidade de não apenas vender produtos in natura, mas também de agregar valor a eles dentro das comunidades, como forma de fortalecer a economia local e preservar as práticas culturais.
Essas ideias reforçam a importância de uma abordagem contracolonialista na alimentação, que reconheça e valorize as práticas tradicionais, promovendo a soberania alimentar e a justiça social.
Faço essa crítica profunda ao sistema alimentar global, que muitas vezes perpetua desigualdades, exploração e exclusão social. O combate à fome vai além de simples caridade ou medidas paliativas: ele exige a transformação estrutural de sistemas que priorizam lucro em detrimento de vidas.
Desafiar esse sistema requer coragem e comprometimento com ações que promovam a soberania alimentar, justiça social e uma economia mais solidária. Trata-se de fortalecer comunidades locais, respeitar os saberes tradicionais, descolonizar práticas de produção e consumo, e lutar contra a mercantilização da alimentação.
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